Os juros sobre capital próprio (JCP) são uma das principais formas de remuneração dos acionistas de uma empresa, ao lado dos dividendos. Numa estratégia de investimentos que tem por objetivo a obtenção de renda por meio de proventos, os JCP merecem especial atenção, pois as companhias utilizam este instrumentos para distribuir parte de seus lucros.

O que são JCP?

JCP são um tipo de remuneração que uma empresa distribui aos seus acionistas, sócios ou cotistas. Podem ser utilizados por sociedades por ações de capital aberto – listadas na Bolsa – ou fechado, e companhias limitadas. Em todos os casos, vale para instituições que pagam tributos com base no lucro real.

Conceitualmente, são juros com os quais as empresas remuneram o capital investido pelos sócios. É como se o dinheiro aplicado pelos investidores fosse um empréstimo.

Na prática, é uma forma de distribuição de lucros alternativa aos dividendos. Foi criada para substituir o desconto da correção monetária na apuração do lucro real e, consequentemente, na base de cálculo de impostos.

Edilene Santana Santos, professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que antes do Plano Real, lançado em 1994, com a inflação galopante que assolava o Brasil, a legislação permitia que as empresas descontassem do lucro a variação da inflação para efeito de cálculo dos impostos.

Com a desindexação da economia, essa fórmula foi extinta, o que gerou “gritaria” nos meios empresariais. Como alternativa, a Lei 9.249/95, que trata do Imposto de Renda das pessoas jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), instituiu os juros sobre capital próprio.

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Assim, a inflação deixou de ser descontada na apuração do lucro real, mas as companhias passaram a deduzir os juros sobre capital próprio. Funciona como um redutor da base de cálculo dos impostos. Grosso modo, a empresa repassa parte dos proventos aos sócios antes da incidência de tributos. É aí que está o pulo do gato, como veremos mais adiante.

“É uma jabuticaba”, comentou Santos, referindo-se à fruta que serve como metáfora para qualquer coisa exclusiva do Brasil.

No entanto, isso pode estar prestes a mudar pois, no final de agosto de 2023, o governo federal publicou um projeto de lei (PL) que acaba com o JCP a partir de 2024. Por se tratar de aumento indireto de impostos, a nova norma deverá ser aprovada pelo Congresso até o fim do ano, para que possa entrar em vigor no ano seguinte.

O PL 4258/23 propõe o fim da dedução do JCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A justificativa é de que, depois de mais de 25 anos da criação dessa sistemática, não há evidências de que ela tenha contribuído para aumentar os investimentos empresariais.

Segundo o governo, há dados que mostram que, entre 2016 e 2020, essa remuneração alcançou cerca de 2,8 milhões de pessoas físicas, o que corresponde a menos de 2% da população do Brasil. Anualmente, esses beneficiários receberam cerca de R$ 30,6 bilhões.

Qual a diferença entre JCP e dividendos?

Ambos são formas de distribuição de lucros pelas empresas, e para os acionistas significam dinheiro no bolso. Mas diferem nas formas jurídica, contábil e, principalmente, tributária.

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Enquanto os dividendos são disciplinados pela Lei 6.404/76 (Lei das S/A), as regras dos JCP estão na Lei 9.249/95.

As normas relativas aos JCP são mais simples. Eles não precisam, por exemplo, de previsão estatutária, aprovação em assembleia e não há um percentual obrigatório a ser distribuído. Podem ser definidos pela diretoria.

No caso dos dividendos, o percentual mínimo obrigatório do lucro a ser distribuído é definido no estatuto das empresas. Caso o estatuto seja omisso, a norma determina o pagamento de 50% do lucro líquido anual ajustado. A assembleia geral de acionistas pode alterar o estatuto para incluir um percentual mínimo, mas neste caso ele não pode ser inferior a 25%.

Na área contábil, os JCP são lançados como despesas financeiras, e não como distribuição de lucros. “Os JCP são instrumentos mais contábeis, então as empresas podem se dar ao luxo de não explicá-los muito”, observa Andrew Frank Storfer, diretor de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Disto resulta a diferença tributária. Os dividendos recebidos pelos acionistas são isentos de IR. Os JCP pagam 15% na fonte. O bolo a ser distribuído na forma de dividendos, porém, já foi tributado com 25% de IR, 9% de CSLL, mais PIS e Cofins, se for o caso; enquanto o montante a ser dividido como JCP não é tributado antes da distribuição.

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Na prática, a mordida do Fisco no primeiro caso (34%, mais PIS e Cofins) é maior do que no último (15%). Estas alíquotas valem para empresas que têm lucro acima de R$ 20 mil por mês.

“A empresa deixa de pagar 34% [de IR e CSLL] como pessoa jurídica para o acionista pagar [apenas] 15% como pessoa física”, explicou Santos. Dividendos e JCP não são excludentes, a companhia pode lançar mãos dos dois. “Vale a pena pagar o máximo possível em JCP, e muitas empresas fazem isso”, acrescentou.

Como o valor dos JCP é descontado do lucro, IR e CSLL vão incidir sobre um montante menor. “Como resultado final, o Fisco recebe menos e sobra mais para o acionista”, acrescentou Storfer.

Há, no entanto, limites para o montante que as companhias podem pagar como juros sobre capital próprio.

Como calcular JCP?

Os juros sobre capital próprio são calculados sobre o patrimônio líquido da empresa. A lei determina que devem ser considerados exclusivamente os seguintes componentes do patrimônio líquido para esta conta: capital social, reservas de capital, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados. Estes itens são considerados representativos dos recursos dos acionistas e, portanto, passíveis de juros.

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Sobre o valor do patrimônio líquido no período apurado é aplicada a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje Taxa de Longo Prazo (TLP).

A TLP está em 4,77% ao ano. Se o patrimônio líquido é de R$ 100 milhões, a quantia a ser repassada como JCP será de 4,77% de R$ 100 milhões, ou R$ 4,77 milhões. Este montante é dividido pelo número de ações da empresa. Cada acionista irá receber o total equivalente ao número de ações que tem, como ocorre com os dividendos.

O volume desembolsado em JCP será ainda subtraído como despesa do lucro da companhia, para apuração do lucro real, e somente sobre o resultado irão incidir IR, CSLL, e PIS e Cofins, se for o caso. Lembre-se: a quantia anunciada será descontada em 15% de IR ao chegar ao acionista.

A aplicação da TLP como taxa máxima funciona como limitadora do montante que a empresa pode pagar em JCP, mas há outras. Os repasses não podem ultrapassar 50% do valor do lucro registrado no exercício anterior à dedução, ou 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros da companhia, o que for maior.

O pagamento de JCP pressupõe obrigatoriamente a existência de lucro, ou de lucros acumulados e/ou reservas de lucros.

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Como funciona o pagamento?

O pagamento de JCP funciona como a distribuição de dividendos. Cada investidor recebe uma quantia equivalente ao número de ações que tem, com a diferença do desconto de 15% de IR na fonte. O dinheiro cai na conta do acionista na corretora ou no banco.

A lei não estabelece prazos para a distribuição de JCP. Essa é uma decisão da empresa. Podem ser pagos mensalmente, trimestralmente, semestralmente ou anualmente.

A lei autoriza que o valor pago em JCP seja compensado do total de dividendos obrigatórios que a empresa tem que distribuir. Ou seja, se a companhia tem que desembolsar no mínimo R$ 200 mil em dividendos, mas já pagou R$ 80 mil em JCP, só estará obrigada a pagar os R$ 120 mil restantes na forma de dividendos.

Como as empresas definem o pagamento de JCP ou dividendos?

A tendência das empresas é pagar o máximo possível de proventos como juros sobre capital próprio, pois o valor pode ser deduzido como despesa e, consequentemente, reduz o lucro tributável. Paga-se menos impostos.

Mas há limites para a distribuição de JCP, justamente para evitar que as companhias recorram integralmente a este tipo de remuneração. Utilizam-se os dois instrumentos para remunerar os acionistas.

A decisão sobre o pagamento de JCP é mais simples, pois não há necessidade de previsão estatutária, aprovação em assembleia e valor mínimo obrigatório, como no caso dos dividendos.

Ambos, porém, pressupõem a obtenção e lucros e devem, por uma questão de governança, integrar a política de distribuição de resultados da companhia. Até para que o investidor saiba se a ação que está comprando remunera seus acionistas com regularidade.

JCP precisam ser declarados no Imposto de Renda?

Sim. Embora o IR seja descontado na fonte, os JCP devem ser declarados no item “Rendimentos sujeitos à tributação exclusiva/definitiva” no programa da Receita Federal. No campo “Tipo de rendimento”, selecionar “juros sobre capital próprio”, depois informar o CNPJ e o nome da fonte pagadora – a empresa que pagou o provento – e o valor líquido.

As companhias enviam informe anual de rendimentos aos seus acionistas. Na declaração de 2022, o contribuinte deve informar os ganhos de 2021. Os dividendos, apesar de isentos, devem também ser declarados, mas no item “Rendimentos isentos e não tributáveis” e no campo “Lucros e dividendos recebidos”.

Quais empresas pagam JCP?

Para saber quais empresas pagam JCP a lógica é a mesma aplicada à escolha de companhias que pagam dividendos. Afinal, ambos os instrumentos são formas de distribuição de resultados.

Neste sentido, a primeira coisa a fazer é consultar o histórico da empresa para saber se ela distribui proventos regularmente. Embora o passado não seja garantia de futuro, este é um indicativo da política da companhia.

É importante conferir o dividend yield, indicador que mede a taxa de retorno de uma ação com a distribuição de proventos. Ele serve para mostrar se os proventos pagos são atrativos em relação ao preço do papel. É uma porcentagem do valor da ação. Se a porcentagem for pequena, é um indicativo de que o papel está caro ou que a distribuição de resultados é baixa, e vice-versa.

Com a inflação e as taxas de juros em alta, é importante ter estes índices em mente ao avaliar a rentabilidade de investimentos. Não há um dividend yield ideal, mas quanto mais alto ele for, melhor.

Embora o pagamento de JCP não tenha as mesmas formalidades da distribuição de dividendos, Storfer destaca que as empresas devem deixar claras suas políticas de remuneração, até por razões de governança, compliance e atração do interesse de investidores. “A companhia não pode dizer que paga JCP ‘quando dá na telha’”, observou.

As empesas costumam publicar em seus sites de relações com investidores as políticas de distribuição de proventos e/ou dados históricos sobre o tema. Vale a pena conferir.

Se estas informações não estiverem claras, o investidor pode inquirir a companhia diretamente. Os sites informam os canais de atendimento aos investidores.

Além da política, olhar os balanços da companhia é importante para saber como está a saúde do negócio, a geração de caixa e a lucratividade. Ajuda também saber quais são as expectativas dos especialistas para a empresa e o mercado onde ela atua, e se o cenário econômico pode impactar o empreendimento.

São consideradas boas pagadoras de proventos em geral empresas consolidadas, que têm amplo domínio sobre seus mercados, receitas recorrentes, amplo fluxo de caixa e baixa necessidade de reinvestimento de lucros. Entre os setores que costumam dar bons retornos estão os de energia elétrica, telecomunicações, saneamento, bancos e seguradoras.

Companhias com muito espaço para crescimento e necessidade de reinvestimento dos lucros geralmente não são consideradas boas pagadoras de proventos, mas há exceções.