O roubo do dia a dia

Sem perceber, os pequenos "roubos" que fazemos diariamente impedem uma vida feliz.
Por  Wilson Marchionatti
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Fui assaltado à mão armada por 3 homens. Levaram um celular que recém havia comprado e que no Brasil custa R$ 2,4 mil.

Eram 11h da noite, e os assaltantes surgiram de repente enquanto eu conversava calmamente na rua. Primeiro pediram dinheiro, ameaçaram “meter bala”. Estavam muito nervosos. Chegaram a pegar minha carteira, mas pedi calmamente que devolvessem pois não havia valor, e eles devolveram. Logo que encontraram o celular saíram satisfeitos.

A pessoa que estava comigo no assalto ficou com muita raiva, apesar de não ter perdido qualquer bem. É compreensível, afinal ficamos revoltados e odientos sempre que nos tiram algo injustamente.

Mas vamos tentar ver isso mais profundamente.

Quantas vezes nós mesmos roubamos? Quantas vezes tiramos coisas de outras pessoas sem pedir, sem qualquer consentimento? Ao ser assaltado olhei nos olhos dos “bandidos”, não havia nada de desumano em seus olhares. Pelo contrário, eram humanos como qualquer um de nós: com medos, com desesperos, com esperança de encontrar num roubo algum alívio para uma vida sem paz.

Nós, pessoas normais, ao longo da vida fazemos pequenos roubos que não ferem a lei, e por isso não nos culpamos, não nos sentimos criminosos. Mas quantas vezes precisamos falar mal de alguém para nos sentirmos melhores? A maledicência ou fofoca é algo muito comum, está até nos jornais, nas revistas, na TV. Você não conhece alguém que saliva, que se delicia com más notícias de outras pessoas?

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E quanto a rir à custa de outra pessoa? É a gozação gratuita, que também virou programa de TV. Lembro de um programa de TV em que o repórter, após o jogo de Brasil e Argentina, se infiltrou na área em que circulavam somente jogadores e se passou por um jogador argentino para enganar uma repórter inglesa. A matéria ficou muito divertida. Foram alguns pontos a mais de Ibope para o repórter brasileiro, talvez em troca da demissão da repórter inglesa.

E quando recebemos alguma foto indecente que caiu na internet? Corremos a enviar para amigos: “olha a fulana, que vergonha”. Por alguns segundos de prazer com a desgraça alheia colocamos em jogo toda a reputação e a vida de uma pessoa.

Às vezes também precisamos nos sentir superiores profissionalmente, pisando em um subalterno, ou até mesmo no garçom, na empregada. Tiramos a honra de outros para termos a nossa, ou seja, roubamos honra.

Tudo isso também é roubar. Mas não há lei contra esses roubos, pelo menos não em termos jurídicos.

Mas há sim uma espécie de lei humana universal que fatalmente nos pune por esses comportamentos. São leis invisíveis, de efeito lento, mas muito mais severas.

Imagine uma pessoa que se alimenta de fofoca alheia (não é difícil imaginar uma né?). O primeiro efeito nocivo que essa pessoa sofre é de uma falta de autossuficiência: ela precisa de um terceiro estar mal para se sentir bem. Esse tipo de pensamento tende a evoluir: a pessoa começa a desejar que a outra fique pior, aumentando sua dependência de maledicência. Muitas vezes a situação se acirra ainda mais, e a pessoa começa a planejar e agir para o mal daquela outra pessoa, seja boicotando no emprego, espalhando fofocas, e etc. Isso se torna um alimento, que desce como veneno, se deposita fundo na alma da pessoa e faz surgir um amargurado.

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A cada momento a pessoa se prende mais à maledicência, ou seja, se prende mais à necessidade de roubar. Vejam como o roubo daquele meu celular e o roubo da honra de alguém tem a mesma origem: o assaltante é sempre alguém faminto. Os meus assaltantes estavam famintos de drogas (pedras de crack provavelmente). Os assaltantes da vida comum estão famintos de atenção, autoestima, honra.

Na filosofia budista o roubo tem um significado amplo e muito didático: roubar é tomar algo que não foi oferecido.

Mas como agir em uma sociedade em que há roubos a todo o momento? Compaixão é a resposta. Quem rouba está faminto, está em um piloto automático de frustração e desespero.

A compaixão nos ajuda a domar a raiva, a compreender a fome do assaltante. Mas isso não significa ser tolerante com os roubos. Criminosos, como os que roubaram meu celular precisam ser identificados e reeducados, e se não for possível, isolados do convívio em sociedade.

Não há muita esperança de que no Brasil resolveremos os problemas de segurança tão rapidamente. Mas a boa notícia é que para os ladrões do dia a dia, você mesmo pode ser o policial, delegado, promotor e juiz.

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Identifique os ladrões que se alimentam da maledicência, do deboche, do prevalecimento. Mostre que você não opera na mesma frequência, e, ao invés de responder com raiva, responda com atenção e carinho. Ofereça aquilo que aquela pessoa quer tão desesperadamente: um pedaço seu. Você vai se surpreender com o número de conflitos que pode resolver usando de compaixão.

Mas há exceções, como os criminosos que não desejam conviver em sociedade. Para essas exceções muitas vezes é necessário abandonar o convívio. Pois há ladrões que só desistem quando veem que você não tem nada a oferecer, ou está muito longe para ser atingido.

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