Temperatura política sobe após manifestações, Ibovespa e dólar reagem: 2022 já começou para o mercado financeiro?

Analistas destacam pontos a serem monitorados após elevação das tensões e subida de tom de Bolsonaro, que já é um prenúncio do que está por vir ano que vem

Lara Rizério Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – “Entre todos os pontos de dúvida que ficaram em relação aos protestos de ontem [7 de setembro], a maioria era de como seria o 8 de setembro, com o retorno do mercado financeiro”.

Foi com essa frase que Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, começou o seu Morning Call, como são conhecidos os relatórios matinais trazendo os principais eventos para os mercados financeiros.

Conforme destacou Vieira e outros analistas de mercado, não ocorreu uma “disrupção”. Ou seja, não houve uma mobilização para invadir prédios públicos, depredações ou mesmo, eventos armados de tomada de poder – apesar de algumas movimentações nesta quarta-feira (8) serem observadas de perto nesta sessão.

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Por outro lado, já no discurso, Jair Bolsonaro manteve as premissas daquilo que se observou anteriormente, ou seja, “recados” diretos ao Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, não ocorreram menções as reformas e às pautas estacionadas no congresso, ou seja, avanços neste ponto também continuam estacionados.

Desta forma, mesmo em meio a avaliações de que não houve um “evento extremo”, de ruptura institucional, a cautela impera no mercado financeiro, principalmente sobre a agenda de reformas, em um ambiente já de deterioração das expectativas para o mercado brasileiro com a crise hídrica e alta de inflação. Com isso, o Ibovespa caiu 3,78%, a 113.412 pontos, enquanto o dólar fechou em forte alta de 2,89% a R$ 5,325 na compra e a R$ 5,326 na venda.

Na véspera, a expectativa já era de uma baixa do mercado nesta sessão, conforme destacou Roberto Attuch, fundador e CEO da OHM Research, em live realizada pelo InfoMoney.

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Attuch argumentou que a percepção é de um governo disfuncional, que não tem tratado dos verdadeiros desafios do país, principalmente na seara econômica, o que começa a afetar de forma significativa os preços.

“É muito difícil imaginar um cenário, nos próximos 15 meses, em que os ativos brasileiros possam apreciar, porque a economia não está melhorando, o presidente já deixou claro que a transição de poder pode ser muito complicada, e o mercado tem que endereçar esse elefante na sala”, disse.

Para ele, o cenário otimista de uma taxa de câmbio entre R$ 4,50 e R$ 4,80 e o Ibovespa perto de 170 mil pontos até o fim do ano não existe mais, diante do aumento dos riscos político e fiscal e da piora das próprias perspectivas econômicas. “O que acho mais provável, a não ser que você tenha o tecido [social] esgarçando muito e o presidente dobrando aposta em um cenário de ruptura, é bem provável que a bolsa fique oscilando entre 110 mil e 130 mil pontos, e o câmbio deprecie um pouco em relação ao que está agora”, projetou.

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Na avaliação de Luccas Fiorelli, sócio da HCI Invest, em meio ao nível de tensão muito alto, o Ibovespa deve seguir em um cenário de cautela e operar na casa entre 115 mil e 120 mil pontos até que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário se entendam, o que não é o cenário que o especialista está vendo.

“Os próximos dias serão fundamentais para saber se haverá uma ruptura de vez ou um acordo com uma agenda pró-Brasil. A probabilidade de impeachment é muito baixa pelo apoio popular que o Bolsonaro tem, mas preocupa essa ruptura das relações entre os poderes”, avalia Fiorelli.

Os eventos de terça-feira mostram que Bolsonaro “tem ainda bastante apoio popular e continua sendo personagem importante no cenário político/eleitoral”, mas, “por outro lado, o ambiente institucional deve ficar ainda mais tenso”, escreveram analistas da Genial Investimentos. “O resultado será mais incerteza e volatilidade e, provavelmente, menos crescimento e mais inflação.”

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Yuri Cavalcanti, sócio-fundador da Aplix Investimentos, também reforça que, “na balança, o que se vê é um distanciamento maior entre os três poderes e um acirramento da briga entre eles”.

“Já contávamos uma agenda macroeconômica muito complicada por conta de problemas fiscais brasileiros, a já existente tensão entre os poderes e pressões inflacionárias, principalmente na parte de energia e abastecimento. Tudo isso já deixava o Brasil com uma avaliação um pouco mais pessimista no mercado internacional. Ontem, o tom do discurso do presidente apenas incentivou mais isso, essa visão negativa do exterior ao Brasil e uma preocupação ainda maior com o nosso fiscal”, avalia.

Sylvio Castro, chefe de investimentos da Grimper Capital, afirmou em live nesta quarta-feira no Coffee & Stocks, programa do Stock Pickers, que o governo mostrou que tem apoio de uma parcela relevante da sociedade e, apenas mantendo esse jogo, ele tem uma chance razoável de ir ao segundo turno. Desse modo, Bolsonaro não deve abaixar o tom dos seus discursos e as outras instituições também não devem retroceder aos ataques dele. Ou seja: a temperatura deve se manter alta.

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“E qual é o problema disso? Coloque-se na situação do empresário: se ele está vendo esse tom do presidente e também vê inflação subindo, o BC elevando os juros e encarecendo o capital e a agenda de reformas ficando travada… a minha sensação é que os empresários vão esperar mais um pouquinho [para investir]. Ou seja, não devemos esperar um crescimento muito robusto da economia. Diante disso, o ‘prêmio de risco’ do Brasil não vai fechar [diminuir]”, afirmou Castro.

Mehanna Mehanna, sócio da PHI investimentos, ressalta que, além do cenário político, o exterior também teve um impacto negativo nesta data, principalmente com a queda das bolsas da Europa, repercutindo principalmente as incertezas com relação à recuperação econômica global com o impacto da variante delta na atividade. Contudo, o noticiário doméstico acrescenta mais um grande fator de preocupação do mercado.

“Vale reforçar que, para o mercado, mais do que direita, esquerda, Bolsonaro, Lula, o mercado valoriza previsibilidade, conseguir enxergar o futuro, e as manifestações de ontem deixam o cenário ainda mais incerto e mais turbulento”, avalia Mehanna.

Um outro fator de preocupação, ressalta, é a avaliação de que o clima de eleição já começou, com as manifestações dando o tom do processo ano que vem.

“A briga entre poderes e crise política institucional deve permanecer inflada. E isso é negativo porque o consenso, o diálogo e a coesão ficam cada vez mais distantes. Ou seja, conseguir costurar apoio fica cada vez mais caro. Quem perde nesse cabo de guerra político é a economia brasileira e o brasileiro. Isso porque essa tensão afasta ainda mais a perspectiva de união para a aprovação de pautas mais construtivas para a economia brasileira, como reformas estruturais, privatização, uma política econômica mais liberal, uma preocupação de discutir e solucionar problemas como crise hídrica, inflação, desemprego, acabam perdendo a sua devida relevância”, avalia.

Para Mehanna, isso se agrava dentro de um quadro atual de dados piores do que o esperado para a economia brasileira, de recuperação mais lenta do que era esperado por especialistas. “Tentando tirar alguma lição positiva disso, esse aumento da radicalização abre espaço para uma terceira via, que seria bem vista pelo mercado. Por ora, não há nenhum nome consolidado para ocupar esse espaço, que vem se mostrando cada vez mais oportuno”, avalia.

Cortes nas projeções

Cabe ressaltar que, antes mesmo das manifestações, na semana passada, analistas de mercado já começaram a cortar as projeções para o Ibovespa, caso da XP, que revisou a expectativa ao final do ano para o Ibovespa de 145 mil para 135 mil pontos.

Ao InfoMoney, Caio Megale, economista-chefe da XP, destacou que, com a capacidade do governo de aprovar as reformas comprometida, o cenário de incerteza aumenta, o que pode acabar mudando o teto de gastos para permitir mais gastos no ano que vem.

Isso levaria ao cenário mais pessimista para o ano que vem em termos econômicos, com o PIB crescendo abaixo de 1%, dólar a R$ 5,50 e Selic em 9,5%. O cenário-base da XP, contudo, é de que não haverá ruptura institucional nem quebra do teto, levando o PIB a subir  1,7% em 2022, dólar a R$ 4,90 e Selic em 7,25%.

A RB Investimentos, por sua vez, havia cortado a projeção ao final do ano de 138 mil pontos para 130 mil pontos. Para o meio do ano que vem, a projeção é de 115 mil, encerrando 2022 a 120 mil, ou seja, uma queda projetada entre 2021 e 2022 de 7,7%.

“A previsão é de um [próximo] ano ruim”, afirmou na ocasião Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, citando um cenário de eleição bastante polarizada, levando empresários a postergarem planos de investimentos e investidores evitando colocarem dinheiro em Brasil enquanto o pleito não for definido. Assim, projeta que, do final do primeiro trimestre até a definição da eleição, a Bolsa tende a caminhar de lado ou até operar em queda. Veja mais clicando aqui.

Cabe ressaltar, contudo, que, em relatório divulgado nesta quarta-feira, o Bank of America reiterou a sua exposição estratégica overweight (exposição acima da média) para ações brasileiras na América Latina.

“A vacinação está progredindo rapidamente. As receitas das varejistas devem se recuperar em 2022, enquanto shoppings mostram fortes dados de recuperação”, avaliam os estrategistas do banco americano, que novamente aumentaram a exposição a nomes relacionados à reabertura econômica.

Entre os nomes citados pelo BofA, shoppings como Multiplan (MULT3),  setor pagamentos como PagSeguro, cuja ação é negociada na Nasdaq,  distribuição de combustíveis como Vibra Energia (BRDT3) e de consumo como Lojas Renner (LREN3), Soma (SOMA3) e Natura (NTCO3), além de manter nomes de comércio eletrônico como Mercado Livre, cuja ação é negociada na Nasdaq, e Magazine Luiza (MGLU3).

A visão geral, contudo, é que o balanço de riscos para os ativos brasileiros aumentou, sendo que os agentes de mercado deverão acompanhar de perto, no curto e no médio prazos, os próximos eventos políticos, que devem dominar cada vez mais também o noticiário econômico.

No curto prazo, atenção para a agenda de votação de reformas e para as falas dos presidentes de poderes, como o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Pacheco, após as manifestações, cancelou as sessões do Senado previstas para acontecer ainda nesta semana enquanto que Lira, em pronunciamento nesta quarta, disse não ver mais espaço para “radicalismos e excessos” e de que é hora de dar “um basta nas escaladas” de tensões. Ele afirmou ainda que está aberto a conversas e negociações para acalmar os ânimos entre os Poderes.

Luiz Fux, presidente do Supremo, por sua vez, fez um discurso com um tom bastante crítico durante a tarde, afirmando que ofender a honra dos ministros, incitar discurso de ódio são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis. “Ninguém fechará esta Corte, nós a manteremos de pé”, apontou, afirmando que o Supremo também não tolerará ameaças de autoridades por suas decisões.

Outro ponto é monitorar as movimentações dos caminhoneiros. Eles realizaram já nesta quarta paralisações após divisão a respeito do apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Ao todo, 16 cidades de 3 estados – Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo –  registraram algum ato, de acordo com informações da Polícia Rodoviária Federal.

Já no médio prazo, os investidores seguirão acompanhando o noticiário e as movimentações de partidos sobre as eleições presidenciais. Para boa parte dos analistas, tendo em visto o impacto já significativo da pauta política nos investimentos, 2022 já começou.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.