Analistas começam a cortar projeções para Bolsa e gestores reforçam cautela com piora de cenário no Brasil

XP revisou nessa semana projeção do Ibovespa de 145 mil para 135 mil pontos em 2021, enquanto RB cortou para 130 mil; riscos políticos e fiscais no radar
(Getty Images)

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SÃO PAULO – Nas últimas semanas, o cenário tem se mostrado mais negativo para a Bolsa brasileira, com dados econômicos mais fracos que o esperado, clima político pesado e continuidade da preocupação fiscal.

O ambiente mais negativo, que leva o Ibovespa para perto da casa dos 115 mil pontos após chegar aos 130.776 pontos em junho, começa inclusive a impactar as projeções de analistas e gestores, que ligaram o sinal amarelo.

A mais recente revisão veio da XP, que reduziu sua expectativa para o benchmark da Bolsa de 145 mil para 135 mil pontos ao final deste ano, ainda um potencial de alta de 15,70%. Em live, os estrategistas Fernando Ferreira e Jennie Li explicaram que a mudança ocorreu por uma ponderação das expectativas de lucro para os próximos dois anos das empresas que compõem o Ibovespa diante do aumento da taxa de juros de longo prazo.

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Para Ferreira, essa alta das taxas reflete os ruídos fiscais que tomaram conta do noticiário nos últimos meses. Recentemente, temas como a PEC dos Precatórios e mudanças no Bolsa Família elevaram a tensão no mercado por conta de seus impactos fiscais.

Entre os indicadores o cenário também não é dos melhores. Nesta semana, dois dados desapontaram os especialistas, com a produção industrial caindo 1,3% em julho, mas principalmente com o recuo de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no 2º trimestre.

Esses dados levaram a revisões econômicas por diversas casas, como o Bradesco BBI, que cortou as estimativas de PIB, de alta de 5,3% para 4,7% em 2021 e de 2,3% para 1,6% em 2022.

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Ainda antes do desgaste ocorrido nesta semana, o BBI já havia comentado sobre a conjuntura geral mais negativa, segundo a visão dos investidores em geral. Para os estrategistas da casa, a avaliação deprimida das ações brasileiras precificava na ocasião uma probabilidade de cerca de 60% de um cenário extremamente negativo acontecer em breve, provavelmente associado à percepção de uma interrupção iminente no regime fiscal (sem âncora fiscal, por exemplo).

O banco reiterou contudo, no final do mês passado, uma visão positiva para o Ibovespa. A equipe de estratégia tem projeção para o índice a 140 mil pontos até dezembro em um cenário positivo (ainda que não ótimo), ou um potencial de valorização de 20% em relação ao fechamento de quinta-feira (2); já no ambiente mais negativo, o índice pode chegar aos 105 mil pontos, segundo os analistas, ou uma queda de 10%.

Também no fim de agosto, o Morgan Stanley apresentou seu cenário para Brasil, com uma projeção de que o Ibovespa fique em torno de 137 mil pontos no meio do próximo ano (alta de 17%), em um ambiente de preços altos de commodities, mas relativamente estáveis, enquanto o país registra uma recuperação gradual da economia no 2º semestre.

Porém, os analistas traçam mais dois cenários, um otimista, com o índice chegando a 147 mil pontos (alta de 26%), e outro pessimista, de 112 mil pontos (queda de 4%), em que as commodities recuam de suas máximas ao passo que a pandemia dificulta a dinâmica de crescimento do país.

Matheus Lima, analista da Top Gain, afirma que sua projeção para a Bolsa segue sendo “bem positiva até o final do ano”, com a visão que o índice pode chegar a 140 mil pontos. Ele pondera que o dado fraco do PIB e o ambiente político elevam as incertezas no mercado, ressaltando uma preocupação maior com o impacto da CPI da Covid, mas mesmo assim ele mantém sua previsão.

Já Flávio Conde, head de renda variável da Levante, destaca um ambiente de “tempestade perfeita”, com juros em alta, inflação também, crise hídrica elevando as preocupações, tensão política e risco fiscal.

E apesar da casa não ter uma projeção formal para o Ibovespa, ele cita o aumento do custo de risco no Brasil, com os juros em alta nas últimas semanas, o que impacta projeções para o índice, principalmente para quem utiliza a taxa doméstica pra calcular o fluxo de caixa das empresas.

Diante disso, Conde avalia que seria necessário um ajuste em torno de 20% nas projeções. Ou seja, quem antes previa o Ibovespa a 150 mil pontos, por exemplo, agora teria que reavaliar para em torno de 120 mil (levando a um potencial de valorização de cerca de 3%).

2022 ainda mais complicado

Além da XP, a RB Investimentos revisou para baixo a sua projeção para o Ibovespa ao final deste ano, passando de 138 mil pontos para 130 mil pontos, ainda um potencial de valorização de 11%. Para o meio do ano que vem, a projeção é de 115 mil, encerrando 2022 a 120 mil, ou seja, uma queda projetada entre 2021 e 2022 de 7,7%.

“A previsão é de um [próximo] ano ruim”, afirmou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, citando um cenário de eleição bastante polarizada, levando empresários a postergarem planos de investimentos e investidores evitando colocarem dinheiro em Brasil enquanto o pleito não for definido. Assim, projeta que, do final do primeiro trimestre até a definição da eleição, a Bolsa tende a caminhar de lado ou até operar em queda.

Já do lado externo, o estrategista não acredita em uma grande pressão para o Brasil. Isso porque, se de um lado, há expectativa por redução de estímulos pelo Federal Reserve, ou o chamado “tapering”, por outro há o pacote trilionário de infraestrutura do presidente Joe Biden e cenário de recuperação na China.

Cruz vê assim o cenário doméstico muito mais preocupante por conta da eleição. Ele acredita que a disputa não está clara ainda e que medidas bem mais populistas devem ser debatidas. “Com esse clima de tensão não acho que esse será o ano para estar exposto em renda variável, em Bolsa brasileira”.

Impacto da reforma do IR

Um dos pontos de atenção tem relação com a aprovação da reforma do Imposto de Renda nesta semana na Câmara dos Deputados, que já trouxe forte impacto nas ações e pesaram para que algumas casas revisassem seus cenários.

Para Jennie Li, da XP, os mercados ficaram preocupados principalmente com a extinção dos Juros Sobre o Capital Próprio (JCP) e com a tributação de dividendos. “O JCP é considerado uma despesa financeira, então diminui o lucro tributável e, consequentemente, o quanto a empresa paga de imposto”, lembrou a estrategista.

Segundo ela, o fim do JCP tem um impacto médio de 5% no resultado agregado das empresas da Bolsa, o que, por outro lado, pode ser mitigado pela redução média de 8% no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, que também foi colocado no texto da reforma como compensação (leia mais clicando aqui).

Jennie ainda fez questão de lembrar que o texto da reforma do IR ainda vai ao Senado, de modo que não é possível garantir que esta será a redação final do projeto. “Algumas mudanças ainda podem acontecer, então é cedo para o investidor fazer alterações na sua estratégia. Vale lembrar que no projeto inicial constava a tributação dos dividendos de fundos imobiliários, algo que foi retirado, com efeito muito positivo para este mercado.”

Veja mais: O que muda para os investimentos com a aprovação da reforma do Imposto de Renda na Câmara?

Gestores mais pessimistas com Brasil

A piora do ambiente doméstico também levou a ajustes em posições por parte das gestoras. Em carta a clientes, a Legacy Capital disse que aumentou sua posição vendida tanto em dólar contra real como no Ibovespa, destacando a aposta contra a moeda americana em meio à expectativa de alta dos juros no Brasil.

“A análise do comportamento desta estratégia em ciclos de subidas de juros anteriores permite demonstrar seu bom desempenho, ao longo desses episódios”, disse a gestora, que mudou sua projeção para o PIB deste ano de 5,7% para 5,5%, enquanto para ano que vem o corte foi de 2,5% para 1,5%.

Entre os fatores apontados pela Legacy para a piora da projeção estão a crise hídrica – com o risco crescente de racionamento de energia – e a alta da taxa de juros, do que eles chamaram na carta de “conjunto de incertezas”.

Por isso, a gestora reduziu posições direcionais no Brasil, justificando por esse quadro incerto, mas ainda manteve uma posição aplicada em juros curtos dado que “apreçamento da curva sugere uma aceleração do ritmo de alta de juros que não deverá se concretizar”. “Ativos de crédito nos são preferíveis a ativos de renda variável”, disseram.

Leia também: Menos macro e mais micro: gestores montam carteiras para se defender de ruídos políticos e de incertezas externas

Já a Adam Capital comentou mais sobre 2022, dizendo que a alocação do investidor local tende a mudar nos próximos meses, favorecendo ativos de renda fixa em detrimento de ativos de renda variável no Brasil.

A gestora afirma que as tendências estruturais aceleradas pela pandemia não foram totalmente embutidas nos preços, enquanto no Brasil, a inflação e o cenário político conturbado atrapalham a formação de preços dos ativos locais.

“A resiliência das altas dos preços dos alimentos e dos preços monitorados, somados à crise hídrica, estão impactando a inflação corrente de maneira mais contundente, trazendo mais incerteza sobre o patamar final da taxa de juros para esse ciclo de alta”, explicam.

Por fim, a Occam Brasil, em sua carta a clientes, reforçou que “os ruídos fiscais continuaram a se elevar” em agosto, citando em especial a proposta de se criar um fundo, cujas despesas não seriam contabilizadas no teto, visando pagar precatórios e parte de benefícios sociais.

Veja também: “Não adianta ignorar o macro no Brasil”; Occam explica por que só tem 20% aplicado aqui

“Este fundo não deve ser aprovado neste formato, dada a reação negativa dos mercados e os precatórios devem ser parcelados de alguma forma. Isso resolveria o problema para o orçamento de 2022, mas uma solução definitiva para o tema segue em aberto”, afirma a gestora.

Eles ainda citam as indefinições sobre a reforma tributária e a crise hídrica como outros pontos preocupantes, sendo que essa segunda é importante para avaliar onde a inflação pode chegar este ano e no próximo.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.