A eleição já começou? Primeiros impactos da corrida presidencial já são sentidos no mercado brasileiro

Investidores olham principalmente falas de Lula, líder nas pesquisas, que oscila entre aproximação com centro e comentários que derrubam a ação da Petrobras

Lara Rizério

Disputa eleitoral teve grande influência no indicador neste mês

O noticiário eleitoral ainda não impactou o mercado brasileiro com força total – o JPMorgan, por exemplo, espera que maiores movimentações comecem a partir de abril.  Porém, alguns sinais importantes estão sendo dados, e podem ser um prenúncio do que vai acontecer nos próximos meses.

As principais sinalizações vêm principalmente do líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem “confundindo” o mercado, ora com movimentos considerados positivos, ora com sinalizações negativas para os investidores.

Diversos analistas e grandes nomes do mercado têm destacado que a forte entrada de fluxo estrangeiro para a Bolsa brasileira em janeiro de 2022 se deve também ao fato de Lula ter sinalizado um flerte para o centro, expondo publicamente mais de uma vez a vontade de ter Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, na chapa eleitoral, como seu vice (outros motivos para a alta do Ibovespa, que subiu 8,35% neste ano até o fechamento de sexta-feira, incluem a valorização das commodities).

Foi o que disse Carlos Menezes, gestor de portfólio da Gauss Capital, à Bloomberg no final de janeiro: “Lula vindo com um discurso mais centrista de certa forma reduz o risco de cauda de radicalismo caso ele vença a eleição”. Menezes disse ainda ser cedo para comprar a tese de um governo Lula não-radical, mas, acrescentou, o estrangeiro tem “abraçado muito” essa tese, o que explica estar mais otimista do que o investidor local.

No início de fevereiro, em painel numa conferência do banco Credit Suisse, Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset, e Rogério Xavier, cofundador da gestora SPX Capital, dois dos mais renomados gestores de fundos multimercado do Brasil, apontaram que veem os mercados se preparando para uma vitória de Lula na eleição presidencial deste ano, um resultado que consideram praticamente certo.

Para Stuhlberger, o ex-presidente não deve adotar políticas radicais em um eventual terceiro mandato. “Lula é o favorito para ganhar a eleição — quase que já ganhou”, apontou, complementando: “Não acho que um Lula revanchista, ou Lula sindicalista, ou Lula de esquerda vão predominar.”

Xavier afirmou acreditar que os estrangeiros veem “um Lula responsável, que vai se dirigir ao centro”. Ele acrescentou que, embora não concorde necessariamente que Lula será fiscalmente responsável, é improvável que um governo do PT faça “grandes transformações” no país. “Acho que o Brasil vai avançar pouco”, apontou.

Em carta de estratégia a investidores, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Rio Bravo Investimentos, escreveu que o debate eleitoral deu sinais de esquentar, mas, por ora, ainda não chegou fortemente à economia. As manifestações de assessores econômicos foram protocolares, inclusive e principalmente as dos economistas do PT, quando solicitados a se pronunciar sobre o programa de uma nova administração petista. “Ficou a impressão de que não há nada resolvido sobre a economia numa terceira presidência Lula”, aponta.

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Gustavo Franco também afirmou que o assunto de uma nova “carta aos brasileiros” tem sido evitado pelo candidato e por seus representantes.

Em 2002, quando Lula passou a crescer nas pesquisas eleitorais para a eleição presidencial daquele ano, havia dúvidas sobre qual seria a política econômica do PT. Assim, a carta, divulgada em junho daquele ano, foi vista como um marco para acalmar os mercados, uma vez que o petista assegurou que, em caso de sua vitória, respeitaria os contratos nacionais e internacionais, além de sinalizar responsabilidade fiscal, acalmando assim os investidores, que temiam uma ruptura.

O ano, de qualquer forma, foi marcado por estresse para o mercado. O dólar, que encerrara 2001 em R$ 2,31, chegou perto dos R$ 4 em outubro (entre o primeiro e o segundo turno das eleições), com desvalorização de mais de 50% em 2002. O risco país, medido pelo CDS de 5 anos, chegou no patamar próximo de 4000 pontos também em outubro, e encerrou o ano de 2002 em 2.290 pontos (em 2001, o CDS fechou o ano em 862 pontos).

O Ibovespa apresentou uma tendência de queda durante praticamente todo o ano de 2002, com uma recuperação no final, mas ainda fechando em queda de 17%. Contudo, durante o mandato de Lula, entre 2003 e 2010, a Bolsa brasileira teve um desempenho real positivo de 292,5%, ainda que também beneficiado pela alta de commodities.

“Uns dizem que não há necessidade [da carta aos brasileiros], pois Lula já é conhecido, outros enxergam esta mesma mensagem na escolha do vice da chapa, que vai convergindo para Alckmin, e nas conversas do candidato. Mais genericamente, o candidato Lula parece empenhado em ampliar seu arco de alianças, com vistas à governabilidade e à paz social. Mais que seus correligionários, Lula parece preocupado com o dia seguinte. Vai perdendo nitidez a imagem de um candidato ressentido e radicalizado, ainda que nada esteja definido por completo”, avalia.

Petrobras: a primeira “vítima”

Enquanto há uma certa visão otimista com relação a uma possível composição de chapa com Alckmin, as ações da Petrobras (PETR3;PETR4) caíram após declarações do ex-presidente.

O primeiro impacto foi sentido no final de janeiro. Em entrevista à Rádio Liberal, do Pará, ele criticou a atual gestão da companhia, apontando que está sendo “desmontada”. “Nossas refinarias poderiam estar produzindo muito mais gasolina e não estão. Estamos com uma ociosidade por volta de 20 a 30%. E agora estamos importando gasolina dos Estados Unidos. Não temos que estar preocupados com o lucro. Por que em vez de pagar dividendos para acionistas a gente não investe em refinarias?”.

Disse ainda que “os combustíveis não podem continuar subordinados a preços internacionais”. “A minha preocupação não é com acionista de Nova York. A minha preocupação é com o povo brasileiro. Se a gente não tivesse petróleo, tudo bem, mas a gente tem”, afirmou na entrevista.

Com as declarações, os ativos ON da Petrobras (PETR3) fecharam aquele pregão, de 28 de janeiro, em baixa de 2,97%, a R$ 35,89,  enquanto os papéis PN (PETR4) recuaram 3,96%, a R$ 32,54, também repercutindo o adiamento da oferta de ações da Braskem (BRKM5).

Ainda na entrevista, durante a mesma resposta sobre preço dos combustíveis, Lula também criticou a proposta de privatização da Eletrobras (ELET3;ELET6), que, segundo o ex-presidente, tornaria a energia mais cara no país. “Agora querem vender a Eletrobras. Para quê? Para passar um produto que foi construído pelo povo brasileiro para a iniciativa privada cobrar mais caro do povo brasileiro”, disse.

Em 3 de fevereiro, ele voltou a falar sobre a Petrobras, apontando que não manterá o preço dos combustíveis vinculado ao dólar, como ocorre atualmente com a política de preços praticada pela estatal.

“Nós não vamos manter o preço dolarizado. Eu acho que os acionistas de Nova York, os acionistas do Brasil, têm direito de receber dividendos quando a Petrobras der lucro, mas é importante que a gente saiba que a Petrobras tem que cuidar do povo brasileiro”, disse em uma entrevista para a Rede de Rádios do Paraná (RDR). As ações voltaram a ter uma sessão de queda, com baixa de 1,03% para PETR3 e 1,38% para PETR4, mesmo em meio à alta dos preços do petróleo.

O cenário eleitoral já deixou algumas casas de análise mais reticentes com as ações da petroleira estatal. Em relatório, o Bradesco BBI destacou que, à medida que as eleições de outubro se aproximam, cada vez mais investidores questionam os analistas da casa se possuir papéis da estatal em 2022 ainda faz sentido.

“Nossa resposta curta é: fique, por enquanto”. Eles apontam duas razões: (1) hoje há um alto custo para sair da Petrobras que é um dividend yield (dividendo sobre o preço da ação) de 20% esperado para 2022. Portanto, esperar que o cenário político se desenvolva melhor não é tão prejudicial quanto nas eleições passadas, já que, ainda que o preço caia, o investidor pode receber dividendos e (2) diferentemente do que aconteceu nas eleições anteriores, o mundo está enfrentando uma tendência de alta de juros que torna as oportunidades alternativas de ações mais escassas, e a Petrobras tem elementos que são positivos nesse cenário. Isso porque a estatal pode sofrer menos com uma possível retração nos preços da commodity.

“Um cenário de preço do petróleo mais baixo pode melhorar as manchetes do preço do combustível e as tentações de interferir na política de preços da empresa”, avaliam os analistas.

Assim, os analistas mantêm recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para as ações PETR4, com preço-alvo de R$ 42, ou potencial de alta de 29% em relação ao fechamento de segunda-feira.

Para os analistas, os futuros governos podem prejudicar os dividendos da companhia com o represamento dos preços dos combustíveis e aumentando as despesas de capital. Com base nessas duas variáveis, o BBI fez uma análise de sensibilidade sobre o valor justo da Petrobras.

A conclusão é que, se nada mudar nas políticas atuais sob um próximo governo, as ações da estatal podem valer R$ 58 por ação (US$ 21 por ADR), o que representa uma valorização de 71,8%; um cenário adverso, as ações podem recuar para R$ 19,5 (US$ 7 por ADR), ou queda de cerca de 42% em relação ao fechamento de sexta.

“Outra questão fundamental é se os avanços que a Petrobras e o Brasil tiveram em termos de governança das estatais desde os escândalos deflagrados pela Operação Lava-Jato evitarão que a governança futura interfira nos retornos aos acionistas. Estamos um pouco céticos quanto a isso, mas achamos que essa discussão deve se intensificar somente após as eleições”, apontaram.

Outras casas, como Bank of America XP, têm recomendação de compra para as ações da estatal, mas destacam o período de volatilidade que os papéis da petroleira podem enfrentar mais à frente neste ano, à medida que se aproximam as eleições presidenciais.

O que esperar para os mercados?

Enquanto o começo de ano foi positivo, com a já mencionada entrada de fluxo estrangeiro no país, analistas e estrategistas de mercado se dividem sobre o restante de 2022.

Para o UBS, nas avaliações atuais, as ações brasileiras parecem estar precificando baixas expectativas de lucros. Além disso, dizem os analistas do banco, taxas de juros mais baixas num prazo mais longo e a agenda de reformas devem reduzir o custo de capital no Brasil, beneficiando a Bolsa.

“Acreditamos ainda na continuação dos fluxos de capital de renda fixa local para as ações, à medida que os investidores de varejo mudem sua preferência secular de renda fixa para ações”, mas avaliam que esse não deve ser o caso em 2022.  No curto prazo, o aumento de juros gera o movimento contrário, de saída de investidores da varejo da Bolsa para a renda fixa.

“A combinação de preços baixos e falta de gatilhos para mudar a direção dos fluxos nos faz acreditar que as ações serão negociadas de lado em 2022, pelo menos até que esteja claro quem vencerá as eleições presidenciais e quem será o ministro da Economia”, avalia o UBS, com o rumo dos mercados sendo definido posteriormente.

No final de janeiro, a Rio Bravo destacou que os ativos brasileiros ainda devem ser penalizados neste ano, como é típico em período eleitoral, mas algumas sinalizações iniciais de presidenciáveis sobre âncora fiscal e preços já descontados podem limitar os sobressaltos ao longo de 2022.

Para a equipe de análise macroeconômica, o foco dos investidores hoje está nas indicações de como o futuro presidente da República lidará com uma “dura” restrição orçamentária em 2023.

A gestora apontou no documento que acenos feitos por Lula a potenciais aliados de campos políticos tradicionalmente rivais enviaram um sinal positivo ao mercado sobre gestão mais responsável das contas públicas, mas que ainda há informações “desencontradas” acerca do tema vindas de economistas próximos ao petista.

“Nosso cenário-base é de um mercado que ainda vai operar sob tensão eleitoral no ano. Pode ser, contudo, que essa tensão seja historicamente menor, uma vez que as sinalizações dos presidenciáveis confirmem uma gestão com maior responsabilidade fiscal”, afirmou.

Já nesta semana, o Bank of America destacou que segue com as mesmas preocupações com o Brasil em meio à aproximação das eleições e também com a desaceleração da atividade, mas aumentou a sua exposição ao país dentro do portfolio de América Latina de marketweight (exposição em linha com a média do mercado) para overweight (exposição acima da média) por conta da busca por ações e setores mais descontados, com estratégia de valor.

Os estrategistas veem papéis de grandes bancos privados, empresas produtoras de commodities como as petroleiras e siderúrgicas, frigoríficos e varejistas voltadas para o público de alta renda como de companhias que se encaixam desse perfil.

Indo mais longe, a consultoria canadense BCA Research elevou na última terça-feira a recomendação para ações e títulos brasileiros de abaixo da média para overweight em relação aos seus pares de mercados emergentes, dizendo que os investimentos tendem a se valorizar com a chance crescente do petista vencer as eleições. A avaliação é de que o ex-presidente promoverá uma política econômica pragmática, ainda que seja mais frouxa no front fiscal.

“As atuais propostas de Lula e sua agenda após a eleição serão moderadas, dando um impulso positivo aos mercados financeiros”, escreveram analistas da BCA em relatório intitulado “Lula é o Salvador do Brasil?”, segundo informações da agência Reuters. Apesar de otimistas, apontam que a estratégia no longo prazo é de comprar ações, mas com proteção ao risco cambial.

Assim, a expectativa segue sendo de volatilidade extra para o mercado, conforme apontou a XP em relatório de perspectivas para o Ibovespa em 2022, que projeta o Ibovespa a 123 mil pontos ao final do ano, ainda uma alta de 8,30% em relação ao fechamento de sexta (11). “A regra é que a volatilidade nos mercados é normal e, embora não podemos antecipar exatamente o que nos espera, devemos nos preparar para alguma turbulência em 2022”, afirmou a equipe de estratégia da casa.

(com informações de Reuters e Bloomberg)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.