Constituir família e patrimônio juntos ou, simplesmente, planejar uma vida a dois. É nisso que normalmente se pensa quando o assunto é casamento. Nesse sentido, o pacto antenupcial pode prestar um bom auxílio, tanto na estruturação e execução desses planos quanto na solução de divergências que possam surgir ao longo do tempo, quando os objetivos de um casal deixam de ser comuns.

No entanto, esse instrumento ainda é pouco utilizado pelos brasileiros, segundo especialistas em direito de família e sucessório ouvidos pelo InfoMoney.

“No Brasil, ainda não se tem a cultura da contratualização do direito de família e sucessório. Mesmo debaixo da lei, você pode estabelecer um contrato para tornar a lei mais à vontade das partes, e isso se aplica também às relações dentro do casamento”, explica Fabio Botelho Egas, sócio do Botelho Galvão Advogados.

Já Priscilla Iglesias Böing, do Böing Vieites Gleich Mizrahi Rei Advogados, observa que, se as pessoas utilizassem mais o pacto antenupcial, muitos litígios no divórcio poderiam ser evitados.

“Infelizmente, esse instrumento ainda não é tão procurado no Brasil em comparação ao testamento e ao contrato de namoro”, diz a advogada.

A seguir, conheceremos os principais aspectos sobre pacto antenupcial – o que é, como funciona e de que forma ele pode facilitar as relações patrimoniais, de convívio e outras relativas ao casamento. Acompanhe.

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O que é pacto antenupcial?

Pacto antenupcial é um contrato que duas pessoas precisam firmar juridicamente quando se casam sob um regime de bens diferente do que a lei determina, que é o da comunhão parcial.

Para que serve o pacto antenupcial?

O pacto antenupcial serve para contratualizar determinados aspectos do casamento.

Diante do silêncio dos noivos, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens (salvo uma exceção, que veremos mais adiante). Se o casal decidir adotar a comunhão universal ou a separação total de bens, precisará de um pacto antenupcial para formalizar essa escolha.

No entanto, o instrumento não se restringe à definição do regime de bens no casamento, pois existem vários outros pontos que podem ser determinados contratualmente, conforme veremos a seguir.

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O que pode constar no pacto antenupcial?

O direito patrimonial pode ser visto sob dois prismas: o pessoal e o patrimonial. O âmbito pessoal contempla relações familiares, herança, compromissos morais assumidos pelos cônjuges, e assim por diante. Já o âmbito patrimonial diz respeito ao patrimônio que ambos já tinham antes do casamento e que ao adquirido após a união. Sobre o aspecto patrimonial, há mais margem para determinar condições no pacto antenupcial do que sobre o pessoal.

Em outras palavras, não é possível descaracterizar relações de herança ou afastar deveres de respeito e monogamia entre os cônjuges. Mas dá para estabelecer regras em relação ao patrimônio, inclusive combinando diferentes regimes de bens, como observa Fabio Botelho.

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“Suponha que, pelo regime de bens, a fazenda de um dos cônjuges se comunique com o patrimônio comum do casal, e que exista uma cultura que dará frutos daqui a alguns anos. Nesse caso, pode constar no pacto antenupcial que, embora a fazenda seja um bem comum, os valores recebidos pela atividade rural pertençam exclusivamente ao seu proprietário”, explica o advogado.

Essa incomunicabilidade que pode ser determinada pelo pacto antenupcial vale também para bens de outras naturezas, como investimentos, participações societárias, entre outros. Ou seja, mesmo em um regime de comunhão parcial de bens, os cônjuges podem decidir que parte do patrimônio pertencerá exclusivamente a um ou outro.

Quanto aos aspectos pessoais, o pacto pode prever o que melhor convém à dinâmica familiar do casal, segundo Priscilla Böing.

“Por exemplo, nomeação de tutores no caso de falecimento dos pais, divisões de tarefas domésticas, técnicas de reprodução assistida, e até mesmo multa por infidelidade, tudo isso pode ser estabelecido pelo instrumento”, diz a advogada.

Pensão compensatória

Entre os pontos que podem ser incluídos no pacto antenupcial, a pensão compensatória é um dos mais importantes, segundo os dois especialistas.

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Embora não seja prevista no atual Código Civil, já existe jurisprudência sobre esse tipo de pensão, recebida pelo cônjuge que abriu mão de sua vida profissional para apoiar a carreira do outro e/ou se dedicar à família em tempo integral. Ainda hoje, na maioria das vezes é a mulher quem assume esse papel, e quando o casamento termina, ela costuma ser a parte que mais perde no caso de uma separação total de bens, como alerta Priscilla.

“Quando há separação total de bens e uma das partes deixa de trabalhar, é muito importante pensar em uma pensão compensatória no caso de divórcio. Se isso não estiver estabelecido no pacto antenupcial, pode levar mais tempo para se conseguir esse direito na Justiça, pois não há previsão legal para esse tipo de reparação financeira”, alerta a advogada.

A pensão compensatória também é importante na comunhão parcial de bens. Sem ela, o cônjuge que não tem renda precisará esperar a conclusão da partilha para ter acesso ao patrimônio, e isso poderá demorar se o divórcio for litigioso.

Essa indenização pode ser prevista de várias formas. Por exemplo, o pacto antenupcial pode determinar que, no caso de uma separação, quem abriu mão da carreira fica com a moradia do casal, segundo Priscilla.

Ou também se pode estabelecer condições em linha com a combinação de regimes patrimoniais, como explica Fabio Botelho. “As partes podem estabelecer no pacto que, após ‘x’ anos, se ainda estiverem casadas e uma delas não trabalhar mais, determinado bem ou investimento ficará como indenização para quem abriu mão da carreira no caso de um divórcio”, diz o advogado.

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Critérios de valoração na partilha

Outro aspecto importante – e que também pode agilizar o processo de inventário no futuro – é a inclusão de critérios de valoração patrimonial no pacto antenupcial. O instrumento, segundo Botelho, pode fazer uso de regras previstas em outros ramos do direito.

“Se existe uma empresa na partilha, pode-se determinar no pacto um critério de avaliação previsto no direito empresarial, como valor de mercado ou fluxo de caixa descontado, por exemplo. Já para investimentos mais líquidos (ou dinheiro mesmo), o casal pode adotar o saldo do extrato bancário no dia que um deles sair de casa como referência de valor a dividir”, explica o advogado.

Exclusão da separação total de bens obrigatória

Quando uma pessoa com mais de 70 anos decide se casar, a lei automaticamente prevê que o regime aplicado seja o da separação total de bens.

Porém, os cônjuges podem optar pela comunhão total ou parcial, desde que o que tem mais de 70 anos tenha capacidade civil total. E o instrumento que formaliza essa escolha é o pacto antenupcial.

O que é escritura de pacto antenupcial?

A escritura de pacto antenupcial nada mais é do que o documento que formaliza as regras estabelecidas para o casamento.

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Obrigatoriamente, esse instrumento deve ser celebrado por escritura pública, que deve estar lavrada antes do casamento.

“O casamento civil é revestido de uma série de formalidades e é mais burocrático do que a união estável. Por isso, é preciso que a escritura do pacto antenupcial seja pública”, explica Botelho.

Pacto antenupcial vale para união estável?

Não, o pacto antenupcial vale somente para o casamento. Para a união estável, vale o contrato de convivência ou pacto convivencial, que pode ter exatamente o mesmo teor. A única diferença é que o primeiro deve ser feito por meio de escritura pública, e o segundo admite a forma de contrato particular, assim como a união estável.

Quanto custa um pacto antenupcial?

Segundo Priscilla Böing, os custos legais desse instrumento variam de acordo com o estado e com o cartório escolhido. Existe uma tabela regional, que varia entre R$ 800 e R$ 1.500 atualmente.

Precisa de advogado para fazer um pacto antenupcial?

Se o instrumento for utilizado somente para eleger um regime de bens diferente da comunhão parcial, o casal pode ir direto no cartório e fazer a escritura pública.

Porém, se existirem aspectos mais complexos relativos à situação patrimonial, sociedades, prevenção de litígio futuro (como os que vimos anteriormente), ou mesmo pessoais, é importante contar com um advogado especialista em direito de família.

“Se houver alguma cláusula que contrarie o Código Civil ou a jurisprudência, ela será invalidada. Dependendo do cartório, alguns tabeliães mais experientes já fazem esse filtro, mas nem sempre isso acontece. Logo, é importante ter a assessoria de um profissional especializado para evitar erros”, alerta a advogada.

Como fazer um pacto antenupcial?

O primeiro passo é o casal escolher o regime de bens que mais atende aos seus interesses — que pode ser algum dos já determinados pela lei ou uma combinação entre eles, conforme vimos anteriormente.

Depois, é preciso pensar em quais outros aspectos fazem sentido para a vida em comum, sejam eles patrimoniais ou pessoais, e levar ao conhecimento de um advogado, que orientará na condução do processo.

Depois de lavrada a escritura pública, ela deve ser levada ao cartório de registro civil no qual será realizado o casamento. Para que tenha efeitos perante terceiros, o pacto antenupcial deve ser registrado junto com a certidão de casamento.

Dá para anular um pacto antenupcial?

Não há como anular um pacto antenupcial. Uma vez registrado, o documento só não terá validade se o casamento não for realizado.

Mas, com a autorização do juiz (para que direitos de terceiros não sejam prejudicados), é possível alterar o regime de bens eleito no pacto. Nesse caso, o que ocorre não é a anulação, mas a substituição do pacto anterior. Ou seja, você extingue as regras iniciais e passa a viver sob outra condição.

Considerações finais

Em um casamento, existem outras regras tão importantes quanto a escolha do regime de bens, e é sempre melhor pensar nisso com antecedência.

“Os casais deveriam falar sobre patrimônio em momentos de alegria, mas ainda existe um tabu em relação a isso. Vejo o tempo todo mulheres que abriram mão da vida profissional e ficaram sem nada na separação, por não terem estabelecido condições que pudessem lhes trazer segurança financeira”, observa Priscilla.

Fabio Botelho também alerta para as vantagens que as relações contratuais podem trazer, e muita coisa pode ser feita aproveitando a flexibilidade da lei. Segundo ele, não precisamos ficar só nas mãos do que a lei determina, pois podemos manifestar nossa vontade dentro dos limites legais, pois nem todo mundo tem as mesmas condições patrimoniais, ou vive da mesma forma. 

“Quanto mais as pessoas utilizarem o pacto antenupcial, mais diminuirá o risco de que situações injustas aconteçam. Normalmente se pensa em advogado depois do casamento, quando as coisas dão errado. Mas, assim como na medicina, também existe prevenção no direito”, alerta o advogado.