Finanças

Criptos: a entrada de grandes investidores transforma o mercado

Com os ativos digitais entrando nas carteiras institucionais e as novas tecnologias, a regulação deve ganhar força em 2022

Desde o estouro da crise do coronavírus no início de 2020, a forma como as criptomoedas são vistas mudou bastante. A queda das bolsas em todo o mundo e a injeção massiva de capital pelos bancos centrais, em especial nos Estados Unidos e na Europa, levantaram preocupações sobre a saúde financeira dos mercados. Como resultado, cada vez mais analistas e gestores defendem a diversificação de carteira para que os investidores possam se proteger de choques como esse.

Com isso, a adoção de criptoativos como um investimento sério ganhou força. O valor total desse mercado saltou de 150 bilhões de dólares, no início da pandemia, para 2,5 trilhões, em outubro deste ano. E o que anima os especialistas é que, desta vez, os ganhos foram sustentados pela entrada de investidores institucionais, ou seja, grandes empresas. Isso leva a uma avaliação de que o rali é diferente do salto de preços visto no final de 2017, quando o Bitcoin atingiu um pico de 20 mil dólares e, dois meses depois, caiu para menos de 7 mil dólares.

“O ano de 2022 pode ser o dos investidores institucionais em cripto”, diz Marcelo Sampaio, CEO da gestora Hashdex. Para Marcos Sterenkrantz, head de inovação da XP Inc., o lançamento de fundos e ETFs ligados a esse mercado deve gerar um grande fluxo desse tipo de investidor para as criptomoedas, já que são produtos regulados.

Esse movimento, de acordo com Sampaio, também deve fazer com que os bancos e demais instituições financeiras “abracem” mais as moedas digitais. Nos últimos meses, grandes bancos americanos, como o U.S. Bank e o New York Mellon, anunciaram seu interesse em oferecer custódia de cripto.

“Nossos clientes estão levando muito a sério o potencial da criptomoeda como uma classe de ativos diversificada”, afirma Gunjan Kedia, vice-presidente da divisão de gestão de fortunas e serviços de investimento do U.S. Bank. “Não acredito que haja um único gestor de ativos que não
esteja pensando nisso agora.”

A entrada dos investidores institucionais é tida como um dos principais fatores para sustentar a valorização do Bitcoin no médio e no longo prazo.

O valor total do mercado de criptoativos saltou de 150 bilhões de dólares, no início da pandemia, para 2,5 trilhões

O motivo é simples: diferentemente de investidores de varejo, que muitas vezes buscam um ganho rápido e especulam com as criptomoedas, as grandes empresas compram de olho no futuro da tecnologia. Por isso, em momentos de correções, os institucionais tendem a manter seus investimentos, dando sustentação ao preço.

Em um recente relatório, o banco J.P. Morgan afirma que investidores institucionais voltaram a ver o Bitcoin como uma forma de ter “melhor proteção (hedge) contra a inflação do que o ouro”. No início de outubro, a casa de análises Glassnode destacou a entrada, em uma semana, de 1,75 bilhão de dólares por dia, em média, de grandes investidores
em Bitcoin. Em 2021, gigantes globais de diferentes setores anunciaram compras de Bitcoin para manutenção em Tesouraria, numa estratégia de diversificar os recursos mantidos em caixa.

A Tesla, do empresário Elon Musk, comprou 1,5 bilhão de dólares da moeda digital em fevereiro, seguida pela Mercado Livre, que adquiriu, em maio, cerca de 7,8 milhões de dólares em Bitcoin. Essas empresas se juntaram a nomes como PayPal, MicroStrategy e Square, que, desde o ano passado, já fizeram investimentos em criptoativos. O novo cenário fez com que os governos passassem a olhar mais de perto para esse mercado, dando urgência ao debate sobre a regulação dos criptoativos — o que tem tudo para ser um dos grandes temas no próximo ano.

“Podemos esperar que a regulação continue a ser o foco da discussão em torno das criptomoedas em 2022”, afirma Felipe Vallejo, diretor executivo de regulação da corretora de criptomoedas Bitso. Para Marcos Viriato, CEO e cofundador da fintech global de criptomoedas Parfin, a Europa é um bom balizador quando o assunto é regulação.

A previsão, no entanto, é que a aplicação de regulações, no melhor cenário, ocorra apenas no fim de 2023. Nos Estados Unidos, a chegada de Gary Gensler, novo presidente da Securities and Exchange Comission (SEC), órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, tem agitado o noticiário de regulação cripto, uma vez que ele defende a adequação dos ativos ao pagamento de impostos e ao combate à lavagem de dinheiro.

Apesar disso, o que se desenha naquele país é uma longa disputa política antes que um projeto de regulação avance de fato. Já no Brasil, apesar de recentemente um dos vários projetos de lei de regulação avançar na comissão especial criada no Congresso para debater o tema, não há muita expectativa de que haja em 2022 uma conclusão sobre o assunto, principalmente em um ano com eleições presidenciais. “O mercado poderá evoluir muito quando houver regras mais claras para grandes investidores e empresas”, diz Sterenkrantz, da XP.

Não dá para desinventar uma coisa uma vez que ela tenha sido criada

Embora a maior parte dos países mantenha uma indefinição de como regular os criptoativos, duas nações já tomaram decisões. De um lado, a gigantesca China decidiu banir todas as operações com esses ativos, após anos fechando o cerco sobre as criptos. Em maio deste ano, o governo chinês expulsou mineradores, o que levou a uma forte queda de preços do Bitcoin, fato repetido com menos intensidade em setembro, quando o país tornou ilegal qualquer transação com criptos. Mesmo assim, essas decisões não só mostraram que o mercado pode se adaptar sem a China como reforçaram a resiliência das moedas digitais.

“Não dá para desinventar uma coisa uma vez que ela tenha sido criada. Podem proibir, mas isso é tapar o sol com a peneira. Eu não vejo como qualquer governo possa matar as criptos”, diz Alex Buelau, CTO da Parfin. De outro lado, no dia 7 de setembro, o Bitcoin se tornou a moeda oficial do pequeno El Salvador, ao lado do dólar americano, em uma decisão que dividiu a população do país, que teme os impactos da volatilidade da moeda digital. Para alguns especialistas, porém, a novidade é bem-vinda. “Se esse experimento for minimamente empolgante, outros países vão copiá-lo”, diz Sampaio, da Hashdex.

Buelau também vê esse tipo de inovação como algo muito positivo. “Isso aumenta a adoção do Bitcoin, a educação de um país inteiro e também o entendimento das pessoas sobre o que é dinheiro”, afirma. Ele entende que El Salvador tenha assumido um “risco calculado”, já que mantém o dólar também como moeda, ou seja, consegue ter a estabilidade da principal moeda do mundo para sustentar sua economia ao lado do Bitcoin.

DeFi e Ethereum 2.0

Se 2020 ficou marcado por uma nova visão sobre o mercado de cripto e pelo interesse na diversificação da carteira, em 2021 foi a vez de uma nova onda de expansão das tecnologias baseadas em blockchain, as quais tomaram conta dos noticiários com propostas que vão muito além de um meio de pagamento digital, como o Bitcoin. Nesse cenário, o DeFi (“finanças descentralizadas”) ganhou destaque nos últimos meses ao expandir o ideal criado pelo Bitcoin em 2009 de uma economia independente.

O DeFi ainda é uma forma experimental de finança que não depende de intermediários financeiros centrais, como corretoras, exchanges ou bancos. Em vez disso, usa contratos inteligentes em blockchains. Já o Ethereum é a principal rede usada para a aplicação dessas tecnologias de contratos inteligentes.

Para 2022, é aguardado o Ethereum 2.0, uma grande atualização da rede, que busca tornar seu sistema mais rápido, escalável e com maior facilidade de desenvolvimento, reduzindo também o gasto de energia. “Teoricamente, é a primeira rede que resolve o trilema de ser segura, rápida e distribuída”, diz Buelaeu.

Embora o sucesso do DeFi impulsione o Ethereum, outras redes têm chamado a atenção de investidores, com propostas que ampliam o mundo descentralizado (veja no quadro ao lado). O risco para o investidor é saber quais dessas novas criptos têm realmente potencial de crescer e dar retorno financeiro.

Buelau sugere focar os projetos que tiverem algum diferencial. “Estamos passando por um processo de experimentação e vão surgir projetos tentando inovar. Mas não sou fã desses que dizem que vão destruir o Ethereum. Eu já vi muitos assim e eles nunca conseguem”, afirma.

Criptomoedas para ficar de olho

Os ativos digitais que, na opinião dos analistas, têm potencial de crescimento nos próximos meses, além de Bitcoin e Ethereum:

CriptoFunçãoO que atrai
Polkadot (DOT)Busca integrar diferentes
blockchains em um sistema,
criando uma interoperabilidade
entre as redes
Além de buscar melhorar o Ethereum,
tem sido uma das principais redes
usadas para promover a conexão
entre diferentes blockchains
Cardano (ADA)Rede feita em camadas para
executar contratos inteligentes
e servir de plataforma para
envio de dinheiro digita
Tem funcionalidades como contratos
inteligentes, com uma rede que promete
ser mais eficiente e escalável.
Ainda tem muito o que provar, mas
está entregando bons resultados
Chiliz (CHZ)Token de utilidade da
plataforma Socios.com,
que tem o objetivo de
descentralizar e tokenizar
o mercado de esportes
Já tem parcerias com a NBA e com
a UFC e está sendo muito usada
em tokens de times de futebol.
Já são mais de 70 organizações
desportivas na plataforma
Axie Infinity (AXS)Jogo que usa NFTs no
chamado “play to earn”,
em que os jogadores
recebem recompensas
em tokens, podendo
negociar esses
ativos em exchanges
Foi inovador e proporcionou
uma forte valorização. Promete
obter uma grande expansão
nos próximos meses, gerando
um potencial maior de
adoção e valorização
PancakeSwap (CAKE)Uma das maiores corretoras
descentralizadas (DEX) que
existem. Permite aos usuários
a troca de tokens e stake,
ou seja, gerar renda passiva
É um dos projetos considerados
mais arriscados por especialistas,
pois ainda está numa fase mais inicial,
mas tem atraído muito interesse
da comunidade cripto renda passiva