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A importância da inteligência artificial no xadrez global

A inteligência artificial vai reorganizar o mundo e mudar o curso da história humana. Quem vencerá essa disputa tecnológica?

O mundo está só começando a ter ideia de quão profunda será a revolução da inteligência artificial. Tecnologias de IA criarão ondas de progresso em infraestrutura crítica, comércio, transporte, saúde, educação, finanças, produção alimentícia e sustentabilidade ambiental.

A IA vai impulsionar economias, remodelar sociedades e determinar quais países vão ditar as regras do próximo século. Essa oportunidade criada pela IA coincide com um momento de vulnerabilidade estratégica. O presidente Joe Biden vem afirmando que os Estados Unidos estão numa “competição estratégica de longo prazo com a China”. Ele está certo. Mas não são só os Estados Unidos que estão vulneráveis — todo o mundo democrático também está, porque a revolução da IA sustenta a atual disputa de valores entre a democracia e o autoritarismo.

Temos de provar que as democracias podem triunfar numa era de revolução tecnológica. Hoje a China é uma concorrente tecnológica de igual nível. Ela é organizada, repleta de recursos e está decidida a vencer a competição tecnológica e a reformular a ordem global para servir a seus interesses.

A IA e outras tecnologias emergentes são centrais nos esforços chineses de ampliar sua influência global, superar o poder econômico e militar dos Estados Unidos e manter sua estabilidade doméstica. A China vem executando um plano sistemático para extrair conhecimento da IA de outros países por meio de espionagem, atração de talentos,
transferência de tecnologia e investimentos.

O uso que a China faz da inteligência artificial é perturbador para as sociedades que valorizam a liberdade individual

– Eric Schmidt

O uso que a China faz da IA em seu território é perturbador para sociedades que valorizam a liberdade individual e os direitos humanos. O emprego da IA como ferramenta de repressão e vigilância de seus cidadãos está sendo exportado para outros países. A China financia imensos projetos de infraestrutura digital pelo mundo, ao mesmo tempo que busca estabelecer parâmetros globais que reflitam valores autoritários.

médicos utilizando um robô para ajudar em uma cirurgia
Simulação de cirurgia com ajuda de robô: grande potencial de uso de IA na área de saúde (Foto: Jane Barlow-Pool/Getty Images)

Sua tecnologia está servindo para facilitar o controle social e reprimir dissidências. Para que fique bem claro: competição estratégica com a China não significa que não devamos trabalhar com a China nas áreas em que fizer sentido. Os Estados Unidos e o mundo democrático devem continuar a se envolver com a China em setores como saúde e mudanças climáticas.

Parar de negociar e de trabalhar com a China não seria um caminho viável para o futuro. O crescimento acelerado e o
foco em controle social da China estão tornando o modelo tecnoautoritário do país atraente para os governos autocráticos e tentador para democracias frágeis e países em desenvolvimento. Há muito trabalho a ser feito para
garantir que os Estados Unidos e o mundo democrático possam combinar tecnologia economicamente viável com diplomacia, ajuda externa e cooperação na área de segurança com o objetivo de competir com o autoritarismo
digital que está sendo exportado pela China.

Pega-pega tecnológica

Cão-robô junto de um profissional da segurança trabalhando juntos na Alemanha
Cão-robô na Alemanha: a serviço da segurança pública(Foto: CIBORIUS, Philipp Arnold)

Os Estados Unidos e outras democracias estão hoje brincando de pega-pega na preparação para essa disputa tecnológica global. Em julho de 2021, a Comissão Nacional de Segurança em Inteligência Artificial (NSCAI, na sigla em inglês) realizou uma Cúpula de Tecnologia Emergente Global que destacou uma importante vantagem comparativa
dos Estados Unidos e seus parceiros: a ampla rede de alianças entre países democráticos, baseada em valores comuns, respeito ao estado de direito e reconhecimento dos direitos humanos fundamentais.

Em última análise, a competição tecnológica global é uma competição por valores. Ao lado de aliados e parceiros, podemos fortalecer as estruturas existentes e explorar outras novas para formular as plataformas, os parâmetros e as normas de amanhã, além de garantir que reflitam nossos princípios. Ampliar nossa liderança global em pesquisa, desenvolvimento, governança e plataformas de tecnologia vai colocar as democracias do mundo em melhor posição para cultivar novas oportunidades e se defender contra vulnerabilidades.

Somente por meio da contínua liderança em avanços com IA é que podemos estabelecer critérios para o desenvolvimento e o uso responsável dessa tecnologia crucial. O relatório final da NSCAI oferece um mapa para a comunidade internacional vencer essa disputa.

Em primeiro lugar, o mundo democrático deve utilizar as estruturas internacionais existentes — incluindo Otan, OCDE, G7 e União Europeia — para aprofundar os esforços de abordar todos os desafios associados à IA e às tecnologias emergentes. A decisão do G7 de envolver a Austrália, a Índia, a Coreia do Sul e a África do Sul reflete o reconhecimento importante de que temos de reunir países democráticos do mundo todo em torno desses esforços.

Em segundo lugar, precisamos que novas estruturas, como o Quad [Diálogo Quadrilateral de Segurança, iniciativa que reúne os Estados Unidos, a Índia, o Japão e a Austrália], ampliem o diálogo sobre IA e tecnologias emergentes e suas consequências, além de melhorar a cooperação para o desenvolvimento de parâmetros, infraestrutura de telecomunicações, biotecnologia e cadeias de fornecimento.

O Quad pode servir de base para uma cooperação mais ampla entre governo e indústria na região do Indo-Pacífico. E, em terceiro lugar, precisamos construir alianças em torno da IA e das futuras plataformas de tecnologia com nossos aliados e parceiros. A NSCAI tem cobrado a criação de uma coalizão de democracias desenvolvidas para alinhar políticas e ações em torno da IA e de tecnologias emergentes em sete áreas críticas:

  1. Desenvolver e operacionalizar padrões e normas de apoio a valores democráticos e ao desenvolvimento de tecnologias seguras, estáveis e confiáveis;
  2. Promover e facilitar a pesquisa e o desenvolvimento conjunto de IA e infraestrutura digital que façam avançar interesses compartilhados e beneficiem a humanidade;
  3. Promover a democracia, os direitos humanos e o estado de direito por meio de esforços combinados para combater a
    censura, as operações de (des)informação nocivas, o tráfico humano e os usos iliberais de tecnologias de vigilância;
  4. Explorar modos de facilitar o compartilhamento de dados entre aliados e parceiros por meio de acordos, procedimentos de armazenamento de dados em comum, investimentos coletivos em tecnologias que melhorem a privacidade e redução de barreiras legais e regulatórias;
  5. Promover e proteger a inovação, em particular mediante controles de exportação, análise de investimentos, gestão da
    cadeia de logística, investimento em tecnologias emergentes, política comercial, pesquisa e ciberproteção, além do alinhamento no que se refere à propriedade intelectual;
  6. Desenvolver talentos relacionados à IA por meio da análise dos desafios do mercado de trabalho, da harmonização de qualificações e exigências de certificação, e de iniciativas para aumentar o intercâmbio de talentos, o treinamento conjunto e o desenvolvimento da força de trabalho;
  7. Lançar uma Iniciativa pela Democracia Digital Internacional para alinhar esforços de assistência internacional com o objetivo de desenvolver, promover e financiar a adoção da IA e de tecnologias associadas que comportem valores democráticos e normas éticas relacionadas a abertura, privacidade, segurança e confiabilidade.

Novos investimentos vão ditar o rumo estratégico do mundo democrático

Eric schmidt

Esse ritmo só pode ser mantido quando se trabalha em conjunto. Parcerias — entre governos, setor privado e academia — são uma vantagem-chave assimétrica que os Estados Unidos e o mundo democrático têm sobre seus competidores. Como mostraram os acontecimentos no Afeganistão em 2021, a liderança americana continua indispensável em operações aliadas, mas os Estados Unidos têm de fazer mais para mobilizar seus aliados em torno de uma causa comum.

A era de competição estratégica promete transformar o mundo — e nós podemos tanto dar forma à mudança quanto ser varridos por ela. Hoje sabemos que os usos da IA em todos os aspectos da vida crescerão à medida que o ritmo da inovação se acelerar. Também sabemos que nossos adversários estão determinados a empregar os recursos da IA contra nós. Temos de agir agora.

Os princípios que estabelecermos, os investimentos que fizermos, as aplicações de segurança nacional que apoiarmos, as organizações que redesenharmos, as parcerias que fecharmos, as coalizões que construirmos e os talentos que cultivarmos vão definir o rumo estratégico dos Estados Unidos e do mundo democrático.

As democracias precisam investir o que for necessário para manter a liderança na competição global de tecnologia, com o objetivo de usar a IA de modo responsável para defender pessoas e sociedades livres, além de avançar nas fronteiras da ciência em benefício de toda a humanidade. A IA vai reorganizar o mundo e mudar o rumo da história humana. O mundo democrático precisa liderar esse processo.