Economia

Como conviver com o vírus

Mesmo após a pandemia, teremos de aceitar que o Sars-CoV-2 veio para ficar. E aprender a gerenciar esse novo risco

Mais de metade da população global já está parcialmente imunizada contra a covid-19. Ainda existem disparidades enormes entre países, e a demanda por vacinas ultrapassa a capacidade de produzi-las. Ainda assim o esforço internacional para desenvolver e distribuir os imunizantes em tão pouco tempo é um feito e tanto.

Isso não quer dizer que o vírus esteja indo embora, e a chegada da variante ômicron é a mostra mais recente disso. A maioria dos epidemiologistas acredita que o Sars-CoV-2 tenha vindo para ficar. Mas tudo indica que esse vírus não vai paralisar o planeta: uma vez foi o suficiente. O choque da pandemia deve dar lugar a uma endemia. Vamos aprender a conviver com o coronavírus e suas variantes.

A revista Nature, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, perguntou a 119 especialistas se eles acreditam que o coronavírus continuará circulando em bolsões da população global. Nove entre dez consultados afirmaram que essa é uma hipótese provável ou muito provável.

Um deles afirmou que erradicar o vírus agora equivale a “planejar a construção de uma escada até a Lua: nada realista”. O infectologista Max Igor Lopes, do Hospital das Clínicas, concorda: “O Sars-CoV2 é hoje um vírus humano. Está altamente adaptado e portanto não deixará de existir”.

Mais razoável é esperar que o novo coronavírus tenha um efeito parecido com o dos nossos velhos conhecidos coronavírus que causam o resfriado.

A gripe pode ser uma doença mortal, especialmente para uma parte vulnerável da população. Mas a imunidade adquirida com as várias infecções — e também com a vacinação — significa um risco administrável. Não se fala em lockdowns ou distanciamento social causados pela gripe comum. Deve ser assim no futuro também com o coronavírus.

praia lotada com pessoas no Rio de Janeiro
Praia lotada no Brasil: rumo a risco administrável (Buda Mendes / Getty Images)

Quando esse futuro vai chegar? Depende de quem estiver respondendo à pergunta. Com as taxas de vacinação mais adiantadas do que a maioria das cidades brasileiras, Nova York oferece algumas pistas do que esperar nessa primeira etapa da volta à normalidade e também sobre os rumos da economia mundial.

Do ponto de vista macroeconômico, o cenário imediato é desafiador. O repique das maiores economias do mundo foi acompanhado por uma tempestade perfeita: aumento no preço dos combustíveis fósseis, ruptura global das cadeias de suprimento e focos localizados de covid em países com baixos índices de vacinação.

A falta de carvão, principal responsável pela geração de eletricidade na China, está afetando a produção de iPhones e uma infinidade de outros produtos. O preço do gás natural usado no aquecimento dos países europeus quintuplicou desde o ano passado — o que representa aumento na conta doméstica, impacto na indústria e pressão inflacionária.

E, mesmo com a volta de certo senso de normalidade, os consumidores continuam comprando mais coisas do que experiências — como jantares em restaurantes ou viagens. Essa disparidade entre a demanda por bens e serviços reforça o problema das cadeias de suprimentos e mantém a economia distante do equilíbrio tradicional.

A dúvida é se os choques são transitórios ou se terão impactos mais profundos na atividade. Os investidores têm monitorado de perto a atuação dos bancos centrais na retirada dos estímulos e também o comportamento de empresas e trabalhadores para tentar tirar conclusões mais claras sobre o que esperar no médio prazo (leia mais sobre perspectivas para a economia e os investimentos).

Os questionamentos se estendem à vida nos escritórios. Manhattan é um retrato das incertezas em relação à nova vida no trabalho. No começo de novembro, quase 80% dos adultos da cidade já estavam imunizados.

A obrigatoriedade do uso de máscara se resume apenas ao transporte público e a alguns lugares fechados. Estádios, cinemas e teatros funcionam normalmente. Mas muitos prédios de escritório seguem quase vazios.

foto de uma rua de nova york com pouco movimento
Nova York: escritórios vazios, teatros cheios (Gary Hershorn / Getty Images)

A expectativa era de uma volta gradual durante os meses do verão, mas a variante Delta atrasou os planos, e a ômicron jogou mais um balde de água fria. Segundo um levantamento da empresa de segurança Kastle Systems, 30% dos funcionários tinham voltado aos arranha-céus de Manhattan no final de outubro. Estações de metrô antes movimentadíssimas, como a da Times Square, registraram 30% do movimento em setembro em comparação com a média de 2019.

Na BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, os funcionários começaram a voltar a suas mesas só no início de novembro — e em período experimental. A BlackRock criou um programa piloto chamado Future of Work. A ideia é avaliar um novo desenho semanal, primeiro em Nova York: dois dias de trabalho remoto e três presenciais.

Outros grandes empregadores, como a Alphabet (Google), postergaram para o ano que vem a decisão sobre a volta de seus 135 mil funcionários. Outros simplesmente não se comprometeram com uma data, como a Microsoft.

Do ponto de vista da saúde, a resposta é relativamente simples. Se for permitida a volta apenas dos vacinados e o total de casos na região for baixo, o risco de contaminação é pequeno. Mas a decisão extrapolou essa esfera.

Há um equilíbrio delicado entre a sensação de segurança e as demandas de flexibilidade por parte dos funcionários. Uma pesquisa da seguradora Prudential indicou que 42% dos americanos procurariam outro emprego se forçados a voltar ao escritório.

A vida é mais que trabalho, e no quesito entretenimento a cidade que não dorme recupera a agitação — mediante a comprovação de vacinação, claro. Teatros, cinemas, estádios, bares e restaurantes exigem a apresentação do passaporte da vacina.

A experiência é tranquila, segundo o trader Alberto Muro. No fim de outubro, ele e a mulher foram assistir à primeira apresentação pós-pandemia do musical Jagged Little Pill, baseado no disco homônimo de Alanis Morissette, na Broadway. “A única diferença foi a exigência de usar máscara”, afirma.

Caso todos estejam vacinados, “não há problema”, afirma Mark Mulligan, professor de medicina na Universidade de Nova York e especialista em vacinas. “Sem a certeza do status de vacinação de todos, é mais complicado.” A ventilação é um fator importante. Usar máscara também pode ser uma boa ideia.

O RISCO DAS MUTAÇÕES

Muito do curso da pandemia está além de nosso controle. A desigualdade global na vacinação aumenta o risco do surgimento de variantes. Alguns países já oferecem reforço para os mais vulneráveis. Em nações mais pobres, apenas quatro pessoas de cada 100 receberam a primeira dose da vacina.

Infográfico: a vacinação pelo mundo

Enquanto persistir esse abismo, a sensação de segurança será ilusória, de acordo com os especialistas. Cabe de novo a comparação com a gripe. Como a maioria das pessoas tem algum tipo de imunidade, o risco representado pelas novas cepas é relativamente pequeno.

Em algum momento, e isso não acontecerá no curto prazo, ter covid-19 será algo trivial. Além da excelente proteção oferecida pelas vacinas, pelo menos dois remédios, um desenvolvido pela Merck e outro pela Pfizer, parecem promissores no tratamento da doença. O risco nunca será zero, mas nada tem risco zero na vida.

“Chegaremos a um nível de risco aceitável”, afirma Julie Downs, psicóloga da Universidade Carnegie Melon, que estuda o componente psicológico por trás das decisões relacionadas à saúde. Esse, sim, será o novo normal pós-pandemia.

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