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Guedes ataca a IFI. O Senado aceitará calado?

Paulo Guedes inventa erros que a Instituição Fiscal Independente não cometeu e pede intervenção numa instituição de controle subordinada ao Senado. A IFI tem como missão produzir informações que podem o contrariar o governo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ouviu calado
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Ao entrar no governo, Paulo Guedes, ministro da Economia, garantiu que zeraria o resultado primário do governo federal ainda no primeiro ano de mandato. O resultado ao fim de 2019 foi um déficit de R$ 95 bilhões.

“Com R$ 3, R$ 4 ou R$ 5 bilhões, a gente aniquila o coronavírus”, disse o mesmo Guedes no dia 13 de março. Em 16 de março, três dias depois, o ministro anunciou um pacote de R$ 147,3 bilhões em gastos contra a Covid-19 – entre 30 e 50 vezes o valor previsto para “aniquilar o coronavírus”. Daí para frente, o gasto com a pandemia aumentou ainda mais. No fim de 2020, o déficit primário do governo federal chegou a R$ 743,2 bilhões.

Pense numa variável econômica – PIB, dívida pública, câmbio, etc – e uma busca no Google é suficiente para encontrar previsões absurdas de Paulo Guedes. Dá para gastar dezenas de páginas relatando erros assustadores. Não cansarei o leitor. Encerro com um último fato: as reformas tributária e administrativa passaram cerca de um ano com estimativa de entrega em uma ou duas semanas, prazo continuamente adiado.

Ou seja, nem as promessas inteiramente sob controle de Paulo Guedes foram cumpridas.

Com esse histórico nas costas, o ministro pediu a demissão de um colega por… errar previsões. O colega é Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.

Em audiência do próprio Senado, realizada na quinta-feira (25 de março), Paulo Guedes declarou o seguinte:

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“Vamos à segunda pergunta… O instituto IFI disse que o PIB vai cair, estimou que o PIB vai cair. Ora, o IFI disse que nós íamos furar o teto no primeiro ano, disse que nós íamos furar o teto no segundo ano, o IFI disse que a dívida iria chegar a 100% do PIB…

Eu acho que o IFI tem previsões muito fracas. Tem trabalhado muito mal. Eu acho até que o Senado deveria rever um pouco quem é que lidera aí o IFI [Felipe Salto] porque, aparentemente, é um economista que tem errado 10 em cada 10.”

Ao pedir a demissão de Felipe Salto, Guedes se mete no que não deveria e reforça o bom trabalho da IFI.

A Instituição Fiscal Independente foi uma resposta do Senado às fraudes fiscais do governo Dilma Rousseff. Por muitos anos, o debate sobre o que se chamava de “maquiagem fiscal” permaneceu restrito a relatórios do setor privado e blogs de alguns servidores públicos, como o de Mansueto Almeida, então no IPEA. As instituições demoraram a agir e esta demora elevou custo das más práticas.

Fundada em 2016, a IFI nada mais é do que um pequeno gabinete de análise das contas públicas. A equipe apresentada no site tem nove pessoas: três diretores, cinco analistas e uma assistente administrativa. A IFI americana, conhecida pela sigla CBO (algo como Gabinete Parlamentar do Orçamento), tem 16 pessoas apenas nos cargos de direção e chefia e 10 departamentos. O Reino Unido também tem sua IFI, o OBR (em tradução livre, Gabinete pela Responsabilidade Orçamentária).

A IFI tem acesso privilegiado a números do setor público e, a partir deles, produz análises sobre o que acontece no governo. Caso um novo presidente ou ministro tente repetir Dilma, cabe à Instituição alertar o Senado em tempo real.

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Ao se defender das acusações de Paulo Guedes, o diretor-executivo Felipe Salto ressalta que o trabalho da IFI é “reconhecido pela OCDE, FMI, mercado, setores do governo, academia, imprensa e Congresso”.

Ribamar Oliveira, certamente o jornalista mais respeitado do país no campo da política fiscal, emendou: “você esqueceu de dizer que o trabalho da IFI é reconhecido também pelo Banco Central do Brasil”.

O coro dos admiradores inclui nomes relevantes do setor privado, como Aod Cunha, ex-sócio do BTG Pactual, MD do JP Morgan e meu colega no InfoMoney. É muito difícil encontrar um analista macroeconômico da Faria Lima que tenha passado os últimos anos sem ler alguns relatórios da instituição.

O nome da Instituição Fiscal Independente merece atenção. Suas análises precisam ser independentes do governo, que tem incentivos políticos para adotar um viés excessivamente otimista. A IFI não deve ser pessimista de propósito, mas precisa ser conservadora e cautelosa, justamente para contrapor o poder executivo. Se for para errar, é melhor ser pessimista, porque os otimistas já têm muito espaço em Brasília.

A gestão Guedes leva esse viés ao extremo, como evidenciam as previsões citadas na abertura deste texto. Ainda pior: além de errar, Guedes é muito menos técnico e republicano em seus métodos. Gosta de previsões determinísticas sem esclarecer seus métodos. É um contraste e tanto com as previsões probabilísticas da IFI, sempre bom metodologia aberta, respeitando a boa estatística e o espírito público.

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Paulo Guedes inventou previsões que a IFI não fez

Guedes comete um erro de concordância. Ele se referia à Instituição Fiscal Independente – ou seja, o correto seria falar da IFI, ao invés de referir-se a “o instituto IFI” por mais de uma vez. Qualquer analista da política fiscal brasileira sabe o nome da IFI e a concordância correta. A pequena gafe sugere que o ministro sequer lê os relatórios da instituição. O erro é pequeno, mas sintomático.

Um equívoco gramatical, porém, é mínimo se comparado com invenções factuais. As previsões erradas que Guedes atribui à IFI foram inventadas ou distorcidas. O ministro mencionou três exemplos: o governo Bolsonaro descumpriria o teto em 2019 e 2020, o crescimento do PIB em 2021 será negativo e a dívida pública já deveria ter ultrapassado 100%.

No primeiro relatório publicado após a eleição do novo governo, lê-se: “a atualização do cenário permanece apontando para o cumprimento do teto de gastos nos primeiros dois anos do próximo mandato presidencial”. Está na página 28, segundo parágrafo, do documento que o leitor pode acessar clicando aqui.

A previsão correta de cumprimento do teto se manteve ao longo de 2019. Em 2020, o teto foi suspenso pela pandemia.

No relatório mais recente, publicado em março de 2021, não há previsão de queda do PIB ao fim do ano. O leitor pode acessar clicando aqui. Na prática, a IFI projeta um crescimento de 3%, mas ressalta que o avanço da pandemia pode levar a revisões para baixo.

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Em relação à projeção sobre a dívida superar 100% do PIB, Guedes fala como se a previsão fosse para os dias atuais. No momento, a dívida está ao redor de 90% do PIB. Mas a IFI nunca sugeriu, pelo menos em seu cenário-base, que o patamar de 100% seria ultrapassado no início de 2021.

A hipótese de dívida superior a 100% do PIB aparece apenas no cenário mais pessimista do relatório publicado em junho de 2020. E não seria no início de 2021. Os cenários pessimistas da IFI mudaram pouco depois e a dívida pública sempre esteve longe de superar 100% no cenário-base. Nas projeções atuais para o cenário-base, disponíveis no site da Instituição, a dívida pública chegaria a 96,15% do PIB em 2024.

Projeção não é torcida

A IFI publica suas projeções todo mês com a transparência que se espera de uma instituição séria. Toda a metodologia é publicada. Os cálculos utilizados para chegar nos números são públicos, inclusive para que sejam bem criticados quando necessário.

Ao fazer uma projeção, um economista precisa considerar fatores de incerteza. Ao publicar projeções todo mês, ainda mais no meio da pandemia, é normal que os números da IFI mudem. A mesma coisa acontece no setor privado.

O mais importante é que as previsões da IFI são sempre probabilísticas. Nunca se determina o descumprimento ou não do teto de gastos, apenas aponta se o risco é alto, moderado ou baixo. As projeções de variáveis econômicas incluem um cenário otimista, um cenário-base e um último mais pessimista.

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É o tipo de método que não se vê nas publicações do Ministério da Economia. Caso o leitor queira um exemplo, vale ler minha análise aqui no InfoMoney sobre um absurdo estudo que exagerava impactos da MP de Liberdade Econômica, publicado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia.  Basta clicar aqui pra ler.

Por falar nas minhas colunas mais antigas, ainda em 2018, durante as eleições, usei os números da IFI para mostrar como as promessas de zerar o déficit em 2019 não cabiam de pé  (veja aqui)

Publiquei vários textos sobre o assunto – além do que pode ser acessado no parágrafo anterior, há outro que pode ser acessado clicando aqui

É natural que Guedes se incomode. Com uma Instituição Fiscal Independente, fica mais difícil mentir.

Paulo Guedes mostra que é parecido com o chefe. E Rodrigo Pacheco, quem é?

O presidente Jair Bolsonaro tem vocação para criticar instituições de controle, que contrabalanceiam o poder do governo federal. O INPE, responsável por produzir informações sobre desmatamento na Amazônia, é um exemplo. Idem para o Ministério Público Federal e a Polícia Federal.

Ao pedir a demissão de um colega da IFI, Paulo Guedes contraria as expectativas de quem o via como um técnico moderado, diferente do chefe. O ministro age exatamente igual a Bolsonaro, usando argumentos sem pé ou cabeça para atacar instituições cruciais para a democracia.

Há uma diferença importante entre esses casos: a IFI pertence ao Senado. Está, portanto, fora da alçada do governo. Não deveria ser assunto de Guedes. Após se meter no que não deve com acusações mentirosas, o ministro ficou sem resposta. Rodrigo Pacheco, que tratou a independência do Senado como promessa central no seu discurso de posse no início do ano, segue calado por mais de 24 horas.

Assim como a cultura interna importa numa empresa, o mesmo vale na política. Se Pacheco não responder Guedes à altura, recomendando que o ministro restrinja-se ao que está na sua alçada, o recado será claro: o governo tem liberdade para mentir e dar pitacos sobre a IFI.

Neste caso, o terceiro I no nome da instituição será violado. Se a IFI perde independência, ela perde o objetivo da sua existência.

Rodrigo Pacheco tem duas opções neste caso: ou defende publicamente a IFI dos ataques de Paulo Guedes, ou entrará para a história como o presidente do Senado que jogou no lixo uma das melhores decisões daquela casa legislativa no século 21. Caso escolha a primeira opção, melhor ainda se Pacheco também defender o aumento do orçamento, equipe e autonomia institucional da IFI, pelo bem do país.

Pouco a pouco, vemos que Paulo Guedes é mais bolsonarista do que se supunha. A reação de Rodrigo Pacheco dirá se o mesmo diagnóstico cabe ao presidente do Senado.

Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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