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O desemprego bateu recorde – e essa não é a pior parte da notícia

O recorde de desemprego é uma notícia extremamente negativa, mas não reflete toda a ruindade do cenário. Incrivelmente, a situação é ainda pior do que aparenta
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Os números divulgados pelo IBGE no último dia 30 mostram a taxa de desemprego em valor recorde. Na atual série da PNAD Contínua, iniciada em 2012, a taxa de desemprego alcançou o seu pico histórico no trimestre encerrado em julho de 2020: 13,8%. O gráfico abaixo mostra exatamente esse fenômeno, com a linha azul no maior patamar já registrado.

Apesar da série da PNAD Contínua ter início em 2012, outros pesquisadores mesclaram diferentes bases de dados e encontraram evidências suficientes para afirmar que a atual taxa de desemprego é a maior em 25 anos. Talvez você tenha lido isso por aí. Meu propósito, com esse texto, é mostrar ao leitor que, apesar do recorde, essa taxa não reflete toda a ruindade do cenário: o mercado de trabalho está ainda pior do que parece.

O que argumento aqui não é uma tese controversa. Muito pelo contrário. Para entender o que digo, basta ir um pouco além da taxa de desemprego e observar outros agregados, como a taxa de participação e o crescimento da população ocupada. A maioria dos analistas de mercado de trabalho faz isso.

O público geral, porém, nem sempre tem acesso a esse tipo de análise. E é importante entender o que escrevo aqui, por três motivos:

– O tombo no mercado foi muito maior do que parece.

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– Mesmo que a economia melhore (o que está ocorrendo, mas é assunto pra outro texto), a taxa de desemprego deve seguir crescendo por mais algum tempo.

– A retomada do PIB depende da retomada do emprego por motivos óbvios: será muito difícil retomar o crescimento com um número tão significativo de trabalhadores sem emprego.

A taxa de desemprego (ou de desocupação, segundo o nome oficial) não reflete a ruindade do cenário porque representa apenas a parcela da força de trabalho que está procurando emprego ativamente, mas não conseguiu encontrar. Um adulto que está sem emprego e desistiu de procurar ativamente não está na força de trabalho – portanto, também não conta para taxa de desemprego.

O gráfico abaixo mostra a taxa de participação na força de trabalho – isto é, a porcentagem dos adultos que tem emprego (ocupado) ou está procurando ativamente (desocupado). Depois de flutuar entre 61% e 62% durante vários anos, a taxa de participação desabou repentinamente, chegando a 54,7%, o menor valor já registrado.

A taxa de desemprego é uma divisão: o contingente total de indivíduos desocupados (que procuram emprego ativamente, mas não encontram) dividido pela força de trabalho. Como muitos desistiram de procurar emprego, o aumento na taxa de desocupação não se explica por um aumento no número de desocupados. A grande mudança ocorreu no denominador, a força de trabalho, que diminuiu. A tabela abaixo mostra o que aconteceu na comparação entre o trimestre encerrado em julho de 2020 e o mesmo período de 2019.

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Maio/Junho/Julho – 2019Maio/Junho/Julho – 2020Variação
População adulta171 milhões174,1 milhões+3,1 milhões
Força de Trabalho106,2 milhões95,2 milhões-9 milhões
Ocupados93,6 milhões82 milhões-13,6 milhões
Desocupados12,6 milhões13,1 milhões+0,5 milhões
Fora da Força de Trabalho64,8 milhões79 milhões+14,2 milhões

Com os números acima, podemos ver claramente que a grande maioria dos que perderam emprego durante a pandemia saíram da força de trabalho.

Outra forma de observar o mesmo fenômeno é analisar a evolução da população ocupada. Como se pode ver no gráfico abaixo, o número de pessoas empregadas é o menor da série histórica iniciada em 2012.

Outra consequência lógica dos números apresentados acima é que a população ocupada forma uma porcentagem cada vez menor da população adulta. Pela primeira vez na série do IBGE, menos de 50% dos brasileiros adultos estão trabalhando regularmente.

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A diminuição da população ocupada não tem paralelo na história recente do Brasil, inclusive considerando a crise econômica de 2014-16.

As consequências deste fenômeno são de primeira importância. Como já comentei anteriormente, a taxa de desemprego ainda deve continuar subindo e se manter num patamar alto por um bom tempo. Isto porque, mesmo com a economia crescendo de novo, o contingente que está fora da força de trabalho vai voltar a procurar emprego ativamente, aumentando o número de desocupados. Esse processo deve ditar a evolução da taxa de desemprego nos próximos trimestres.

Com o desemprego alto por mais tempo, surge um desafio para a retomada econômica. Como os trabalhadores produzem a riqueza expressa no PIB, a economia deve crescer menos num cenário de grande ociosidade no mercado de trabalho. A tragédia que vivemos durante toda a década de 2010 deve se prolongar até o início dos anos 2020.

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Essa dinâmica também é relevante nos debates sobre a volta da inflação. Com o mercado de trabalho parado, a pressão por aumentos salariais tende a ser menor, de modo que a inflação não parece um problema tão provável no horizonte de curto prazo. Esse cenário pode mudar caso o governo abandone a agenda de ajuste fiscal, como tem sido especulado.

O recorde de desemprego é uma notícia extremamente negativa, mas não conta a pior parte da história. Incrivelmente, a situação é muito pior do que aparenta.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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