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Relator do PL 2630 tentou censura generalizada, mas falhou

Substitutivo elaborado pelo senador Angelo Coronel tentou exigir comprovante de residência para cadastro em rede sociais, exclusão de conteúdo após a mera abertura de processo judicial, dentre outros absurdos. A confusão envolvendo o relatório acabou adiando a votação do PL, que era prevista para hoje
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Escrevi na semana passada sobre o PL 2630 – aquele das fake news. Davi Alcolumbre prometia votar o PL no dia 02 de junho, hoje. Mas houve uma reviravolta e até o senador Alessandro Vieira, autor do projeto, já defendeu o adiamento da votação. Davi Alcolumbre confirmou a informação.

Afinal, por que a votação foi adiada? Neste texto, trago a informação aos leitores. A história diz muito sobre o modo como Brasília tem operado ultimamente e a importância do debate parlamentar.

O PL em questão foi inicialmente apresentado por deputados do movimento Acredito (Tabata Amaral e Felipe Rigoni) no dia 1º de abril. Em 13 de maio, o senador Alessandro Vieira, filiado ao mesmo momento, apresentou um texto similar ao Senado. Como já dito, Davi Alcolumbre prometia votar o projeto de Alessandro hoje, apesar do texto ter sido apresentado há apenas 20 dias – o Marco Civil da Internet, por outro lado, passou 5 anos em construção.

Tamanha pressa só foi possível por conta das mudanças no funcionamento do Congresso. Em tempos normais, geralmente o relator acompanha o debate do PL nas comissões e, ao fim, emite o seu parecer. Durante a pandemia, o projeto não precisa passar pelas comissões e seguiu direto para ser votado. Ou seja, o relator – senador Angelo Coronel, do PSD baiano – alterou o texto original sem o crivo das comissões que enriqueceriam o debate e ensinariam a senadores leigos o básico sobre o assunto.

Hoje cedo, o senador apresentou sua versão: um parecer abertamente autoritário, que daria padrão chinês aos direitos de internautas brasileiros. Nem os autores do PL gostaram do que viram. Se o projeto já sofria resistência na cuidadosa versão que vinha sendo reformulada por Tabata, Rigoni e Alessandro, a aprovação ficou quase impossível após a inconsequência de Angelo Coronel.

Tive acesso à proposta do relator, cujo conteúdo me foi confirmado por diversas pessoas envolvidas no debate sobre o PL. O relatório não chegou a virar realidade. No tuíte publicado mais cedo, Alessandro Vieira afirma que era preciso adiar a votação porque não havia relatório. Para ser mais preciso, quase houve, mas a versão proposta pelo senador Angelo Coronel era inaceitável.

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Afinal, quais foram os absurdos que o relator tentou incluir no PL?

1) As redes sociais poderiam excluir qualquer conteúdo após a mera abertura de um processo judicial, sem sequer passar pela apreciação de um juiz.

2) A abertura de contas em redes sociais passaria a ser burocrática, exigindo até mesmo comprovante de residência do usuário.

3) Delegados e promotores teriam acesso livre ao cadastro de todos os usuários de redes sociais, bastando para isso a presença de “indício” de prática criminosa, sem passar pelo crivo do Judiciário.

4) O PL abriria inúmeras possibilidades de bloqueio dos aplicativos de rede sociais. Lembra das suspensões de funcionamento do WhatsApp que ocorreram no passado? O mesmo aconteceria com mais frequência e em outras redes, gerando imensa insegurança jurídica.

5) As redes sociais seriam incentivadas a remover conteúdos em desacordo com suas regras internas, dando força legal às mesmas, especialmente após notificação judicial.

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6) Obrigaria todas as redes sociais e serviços de mensagens a manter “sistema de pontuação das contas de usuários, que considerará, ao menos, a existência de identificação da conta, o tempo desde sua abertura, as manifestações dos demais usuários, o histórico de conteúdos publicados, de reclamações registradas e de penalidades aplicadas”. A pontuação seria exibida “de forma permanente e destacada juntamente com todo o conteúdo por elas gerado, publicado, divulgado ou compartilhado”. E os usuários teriam direito de filtrar publicações mal classificadas. Ou seja, o senador tentou gerir até funcionalidades das redes sociais, substituindo a iniciativa privada. Naturalmente, esse sistema de notas seria alvo de frequentes ataques de detratores do usuário, que poderiam se organizar para derrubar uma conta.

7) Criação de novos tipos penais, incluindo uso fakes e compartilhamento de informações tidas como falsas, passíveis de prisão por até 6 anos.

Tudo isso foi proposto para votação hoje, em poucas horas, sem um mínimo debate com a sociedade civil. Se o PL anterior já tinha problemas e era contestado, a proposta apresentada pelo relator mostrou-se inaceitável e claramente autoritária, tratando todo internauta como potencial criminoso.

E agora, o que vai acontecer?

Ao que tudo indica, o relator Angelo Coronel não deve apresentar seu parecer hoje. Por conta da confusão, Davi Alcolumbre deve recuar da promessa de votar o PL no curto prazo. Nenhum parlamentar vai dizer abertamente o que aconteceu, mas o motivo foi a absurda proposta do relator, que descrevi neste texto.

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Segundo informações apuradas pela coluna, os autores do projeto – Tabata Amaral, Felipe Rigoni e Alessandro Vieira – não participaram da elaboração do parecer e foram pegos de surpresa pelas ideias exóticas de Angelo Coronel.

Tabata, Alessandro e Rigoni, que integram um mesmo movimento político, trabalham para apresentar uma nova versão do PL. Um substitutivo já foi apresentado pelo senador. A discussão calma, em parceria com entidades que estudam o assunto, tende a melhorar o texto progressivamente. Ao fim das contas, a confusão envolvendo o parecer de Angelo Coronel reforça uma velha lição: a pressa é inimiga da política pública.

Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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