MP 627: pacotão tributário é aprovado pelo Congresso

Senado aprova projeto de conversão em lei da polêmica medida provisória; o texto, que segue para sanção ou veto presidencial, sofreu alterações relevantes no Congresso. Destacamos alguns dos temas regulados, como o aproveitamento fiscal do ágio, a tributação de lucros no exterior, o fim do RTT e a isenção dos lucros e dividendos distribuídos durante sua vigência.
Por  Ana Carolina Monguilod
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Senado aprovou em 15 de abril de 2014 o projeto de conversão em lei da polêmica Medida Provisória nº 627, de 11 de novembro de 2013. O texto final, que segue para sanção ou veto presidencial, sofreu alterações relevantes nas duas casas do Congresso. No texto abaixo, que escrevi em parceria com meu colega de Levy & Salomão Edgar Santos Gomes, comento os principais temas regulados.

(i) Término do RTT

O Regime Tributário de Transição, criado para neutralizar os efeitos tributários das novas normas contábeis adotadas no Brasil desde 2008, baseadas no padrão internacional IFRS (International Financial Reporting Standards), deixará de ser aplicado a partir de janeiro de 2015, podendo a pessoa jurídica optar pela antecipação para janeiro de 2014.

As pessoas jurídicas, que vêm adotando as regras contábeis em vigor até dezembro de 2007 (“contabilidade RTT”) para calcular seus tributos (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins), passarão em janeiro de 2015 a adotar a contabilidade societária vigente desde 2008 (“contabilidade IFRS”) também para fins tributários. Aquelas que optarem pela antecipação do término do RTT passam a ser tributadas com base na contabilidade IFRS a partir de janeiro deste ano (2014).

Buscou-se neutralidade na transição entre o velho e o novo marco contábil IFRS. Nota-se um esforço para fazer com que as novas regras não causem impactos tributários relevantes.

(ii) Lucros e dividendos de 2008 a 2014

Foi assegurada a isenção dos lucros e dividendos apurados entre 2008 e 2013 e distribuídos em excesso aos valores calculados com base nos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (de acordo com a “contabilidade RTT”).

O texto traz duas importantes evoluções ante o original da MP: a isenção deste período não mais depende da opção pela antecipação do término do RTT para janeiro de 2014 ou da data de sua efetiva distribuição (a MP limitava a isenção aos lucros efetivamente pagos até a data de sua publicação).

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Há ainda incerteza sobre a tributação dos lucros apurados em 2014. A nosso ver, independente do disposto na MP (ou em seu texto de conversão), não é tributável o suposto excesso entre os lucros e dividendos apurados conforme as normas contábeis em vigor (IFRS) e o lucro RTT (calculado segundo métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007).

De acordo com o projeto aprovado, a não tributação deste excesso depende ainda da opção pela antecipação do termino do RTT para 2014. Aqueles que não optarem continuam sujeitos a discussões acerca da tributação desta diferença, conforme a IN RFB nº 1.397, de 16 de setembro de 2013.

A possibilidade de optar deverá também gerar confusão nos casos de pessoas jurídicas optantes que receberem lucros e dividendos de investidas que não optaram. É possível que o Fisco entenda, ilegalmente, que, a despeito da opção, o excesso de lucros recebido é tributável. Aguarda-se a regulamentação do exercício da opção por parte da Receita Federal.

(iii) Juros sobre Capital Próprio de 2008 a 2014

Foi assegurada a possibilidade de as pessoas jurídicas optarem pelo cálculo dos JCP de 2008 a 2014 com base no patrimônio liquido IFRS, eliminando as discussões geradas pela IN RFB nº 1.397/13 acerca da indedutibilidade do suposto excesso aos juros baseados no patrimônio líquido RTT.

Para as empresas que optarem pela antecipação do termino do RTT, serão aplicadas já em 2014 as novas regras limitando as contas do patrimônio liquido para fins de cálculo dos juros (ao capital social, reservas de capital, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados).

(iv) Aproveitamento fiscal do ágio

O aproveitamento fiscal do ágio de rentabilidade futura (goodwill) permaneceu dentro dos limites dispostos na medida provisória original, inclusive no que diz respeito a corresponder ao valor residual da alocação do preço aos ativos e passivos da investida avaliados a valor justo (gerando a chamada mais- ou menos-valia).

Mudanças feitas na conversão que merecem destaque:

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(a) foi retirada a vedação à amortização do goodwill gerado em operação de substituição de ações ou quotas de participação societária (isto é, em operações não realizadas em dinheiro);

(b) o laudo, agora necessário para basear a mais- ou menos-valia dos ativos e passivos da investida (e não mais o goodwill), tempestivamente protocolado ou registrado, será desconsiderado somente se comprovadamente apresentar vícios e incorreções de caráter relevante (ao invés do determinado na MP, quando bastava ser “incorreto” ou “não merecer fé”);

(c) para os ágios gerados por partes dependentes (“ágio interno”), o conceito de dependência foi ligeiramente limitado. Segundo o texto original da MP, dentre outras hipóteses, haveria dependência no caso de relações “que permitam inferir dependência entre as pessoas jurídicas envolvidas, ainda que de forma indireta”. O texto aprovado, mais razoável, limitou tais casos àqueles em que fique comprovada a dependência societária;

(d) o goodwill amortizável, na MP equivalente ao saldo registrado na data da reorganização societária de extinção do investimento (incorporação, fusão ou cisão), eventualmente já reduzido por testes de recuperabilidade (impairment), passou a ser o valor existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária (o ágio “cheio/total”);

(e) foi estendida a proteção atribuída pela MP às operações passadas. No caso das operações de incorporação, fusão e cisão ocorridas até 31 de dezembro de 2017 (e não mais 2015), cuja participação societária tenha sido adquirida até 31 de dezembro de 2014, o goodwill continuará a ser amortizado de acordo com a Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997; e

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(f) no caso de aquisições de participações societárias que dependam da aprovação de órgãos reguladores e fiscalizadores para a sua efetivação, o prazo para incorporação do item (e) poderá ser de até 12 meses da data da aprovação da operação.

Os novos contornos do ágio valerão a partir de 1º de janeiro de 2015 (ou já a partir de 1º de janeiro de 2014, para quem assim optar).

(v) Alterações na tributação pelo PIS/Cofins

Manteve-se a alteração do conceito de receita bruta, que passou a incluir as “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica”, inclusive como base de cálculo de PIS e Cofins.

A norma confirma que as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não estavam, sob a sistemática da cumulatividade, sujeitas à incidência de PIS e Cofins anteriormente.

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É questionável a possibilidade de as contribuições sob suas sistemáticas cumulativas passarem a incidir sobre uma base de cálculo mais larga que aquela permitida pela Constituição à época da instituição ordinária de tal incidência (antes da Emenda Constitucional nº 20, de 12 de dezembro de 1998).

O texto aprovado resolveu imperfeições da versão original da MP, afastando a tributação dos lucros, dividendos e resultados em equivalência patrimonial apurados em decorrência de participações societárias assim avaliadas, bem como dos ganhos na alienação de bens do Ativo Não Circulantes, classificados como investimentos, imobilizados ou intangíveis (antes chamado de “Ativo Permanente”).

As alterações acima produzirão efeitos a partir de janeiro de 2015, salvo se o contribuinte optar por antecipar os efeitos para janeiro de 2014.

(vi) Refis

Foi reaberto o prazo para adesão ao chamado “Refis da crise” [1] para até o último dia útil do segundo mês subsequente ao da publicação da lei decorrente da conversão da MP nº 627/13. Contribuintes poderão pagar ou parcelar dívidas vencidas até 30 de junho de 2013 (ao invés de 30 de novembro de 2008, conforme versão original do Refis).

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Benefícios foram também concedidos para os parcelamentos especiais [2] envolvendo débitos:

(i) de PIS e Cofins devidos por instituições financeiras e seguradoras: redução total das multas no caso de pagamento à vista para débitos vencidos até 31 de dezembro de 2013 (e não mais somente 31 de dezembro de 2012); e

(ii) de IRPJ e CSLL sobre os lucros apurados por controladas e coligadas no exterior: passou a abranger fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2013 (e não mais somente 31 de dezembro de 2012). O número máximo de parcelas também aumentou, de 120 para 180, com pequena ampliação no desconto de juros (de 40% para 50%).

Há expectativa de que alguns destes dispositivos sejam vetados pela Presidente.

(vii) Tributação dos lucros no exterior

Foi mantida para as pessoas jurídicas a tributação dos lucros de controladas (diretas e indiretas) e coligadas no exterior independentemente de efetiva distribuição, na data do balanço em que forem apurados (com exceção do lucro de algumas coligadas, particularmente as não submetidas a tributação favorecida em seu domicílio).

As seguintes alterações no texto da MP original merecem destaque:

(i) o IRPJ e a CSLL poderão ser pagos na proporção dos lucros no exterior distribuídos nos anos subsequentes ao encerramento do período de apuração a que corresponder, até o 8º ano subsequente (e não mais 5º ano), observando-se distribuição mínima de 12,5% (e não mais 25%) no 1º ano;

(ii) exclusão da variação cambial do investimento em controlada, direta ou indireta;

(iii) além de excluir a tributação dos lucros das controladas diretas em determinadas atividades diretamente relacionadas à prospecção e exploração de petróleo e gás em território brasileiro, o mesmo foi assegurado às controladas indiretas e coligadas. Foi também ampliada a lista de atividades;

(iv) prorrogação da possibilidade de consolidação pela controladora até 2022 (ao invés de 2017, conforme determinava a MP);

(v) para flexibilizar o requisito de que a consolidação de resultados seja feita somente quando existir acordo para troca de informações tributárias com a jurisdição da investida, o novo texto admite a consolidação desde que a controladora brasileira disponibilize a contabilidade societária em meio digital e a documentação de suporte da escrituração;

(vi) foi eliminado o limite de cinco anos-calendário para utilização de prejuízos acumulados na compensação com lucros futuros; e

(vii) classificação das receitas decorrentes de juros, aplicações financeiras e intermediação financeira de instituições financeiras reconhecidas e autorizadas no país em que situadas como “renda ativa própria” para os fins da consolidação dos resultados do grupo e/ou diferimento do pagamento do IRPJ e da CSLL.

A MP buscava adaptar a legislação à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi aparentemente inspirada por regras adotadas no exterior. Mas o texto aprovado excede a tributação admitida pelo próprio Supremo. Além disso, a Corte ainda não se posicionou de forma definitiva sobre a tributação de (i) sociedades controladas localizadas fora de paraísos fiscais [3] ; (ii) sociedades coligadas situadas em paraísos fiscais [4] , bem como sobre as limitações impostas por tratados.

Os artigos que pretendiam instituir a incidência de imposto de renda (IR) independentemente de distribuição dos lucros apurados por controladas de investidores pessoas físicas não foram aprovados.

(viii) Fundos de investimento de não residentes

Foi criada isenção de IR para os rendimentos e ganhos de capital auferidos por não residente, localizado fora de país com tributação favorecida, produzidos por fundos de investimentos:

(i) cujos cotistas sejam exclusivamente investidores estrangeiros; e

(ii) com recursos aplicados exclusivamente em depósito a vista, ou em ativos não tributados pelo IR quando detidos diretamente por investidores não residentes localizados fora de país com tributação favorecida.

Se o regulamento do fundo restringir expressamente seus cotistas a investidores estrangeiros pessoas físicas, os ativos do item (ii) também incluirão alguns investimentos isentos para pessoas físicas (e que geralmente beneficiam residentes).

Uma medida positiva foi o reconhecimento da alíquota zero aplicável aos ganhos auferidos na alienação ou amortização de quotas de Fundos de Investimentos em Participações (FIP). Havia temor de que o Fisco poderia entender, com base na legislação em vigor, que apenas rendimentos estariam isentos. O novo dispositivo resolve o problema para operações futuras, mas indica que as autoridades fiscais podem tentar cobrar tributos sobre operações passadas.

Estas regras entrarão em vigor na data de publicação da lei de conversão da MP nº 627/13.


1. Instituído pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. 
2. Instituídos pela Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013. 
3. Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 541.090 o STF decidiu que a tributação dos lucros auferidos por controlada fora de “paraísos fiscais” é constitucional. A decisão foi por maioria de cinco votos em um total de nove, portanto ainda pode ser alterado pelo Plenário do Supremo com sua composição completa. 
4. Mais informações em Boletim Jurídico de abril de 2013.

Ana Carolina Monguilod Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, Mestre em Direito Tributário Internacional (LL.M) pela Universidade de Leiden, na Holanda, coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), co-Chair do WIN (Women of IFA Network) Brasil e professora de direito tributário do Insper.

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