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Dilma promulga a Lei da Anistia

A Lei nº 13.254 institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) para anistiar tributos e crimes relativos à manutenção de ativos não declarados no exterior. A Presidente da República vetou 12 dispositivos do projeto aprovado no Senado. A partir da regulamentação pela Receita Federal, contribuintes terão o prazo de 210 dias para aderir. Analiso a norma juntamente com meu colega Edgar Santos Gomes, em texto no qual explicamos seus requisitos e polêmicas.
Por  Ana Carolina Monguilod
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Incertezas econômicas e políticas passadas, como inflação galopante e risco de confisco, levaram muitos a manter no exterior patrimônio não declarado à Receita Federal e ao Banco Central do Brasil (Bacen).

Tais práticas podem resultar em diversos crimes, notadamente tributários (por exemplo, sonegação pelo não recolhimento de tributos relativos às rendas auferidas no exterior) e cambiais (especialmente o crime de evasão de divisas, pela não declaração desses capitais ao Bacen).

Essa situação tornou-se ainda mais insustentável com a implementação de regras contidas no Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca) dos Estados Unidos e com a possibilidade de que informações sejam em breve (a partir de 2017 ou 2018, a depender do compromisso assumido por cada país) automaticamente trocadas entre diversos países em função do Common Reporting Standard (CRS) desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme ajustes firmados entre estados soberanos.

Neste contexto, governos foram incentivados a proporcionar uma última janela de oportunidade para que contribuintes regularizem seus patrimônios. A própria OCDE tem estimulado a adoção de programas de regularização voluntária como um passo necessário para que se atinja um ambiente internacional de conformidade fiscal1. Diversos países (dentre outros, EUA, Inglaterra, Suécia, Chile, Espanha, Austrália, Suíça, Itália, África do Sul, Holanda, Portugal, Alemanha e França) já adotaram ou mantêm programas de regularização voluntária.

O Brasil seguiu o mesmo caminho. Promulgada em 13 de janeiro de 2016, a Lei nº 13.254 institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) para anistiar tributos e crimes relativos à manutenção de ativos não declarados no exterior. A Presidente da República vetou 12 dispositivos do projeto aprovado no Senado. A partir da regulamentação pela Receita Federal, contribuintes terão o prazo de 210 dias para aderir.

Destacamos alguns pontos do programa de regularização da Lei nº 13.254/16:

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– Quem pode aderir?

Residentes ou domiciliados no Brasil em 31 de dezembro de 2014 que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014.

– Quem não pode aderir?

(i) Quem não era residente ou domiciliado no Brasil em 31 de dezembro de 2014.

(ii) Sujeitos condenados em ação penal cujo objeto seja um dos crimes anistiados.

(iii) Detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, o respectivo cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação da lei.

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– Quais os bens e direitos que podem ser anistiados?

Somente bens e direitos de origem lícita, entendidos como aqueles adquiridos com recursos oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei, bem como o objeto, o produto ou o proveito dos crimes anistiados pela lei.

– O que é necessário para aderir?

Apresentar uma declaração única de regularização e recolher o imposto de 15% e a multa no mesmo valor do imposto (totalizando 30%).

– O que deve conter a declaração?

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Deve conter descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de que seja titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em Real, ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes anistiados e dos respectivos bens e recursos que possuiu. Mais especificamente, incluirá:

(i) a identificação do declarante;

(ii) as informações necessárias à identificação dos recursos, bens ou direitos a serem regularizados, bem como de sua titularidade e origem;

(iii) o valor de mercado, em Real, dos recursos, bens ou direitos de qualquer natureza declarados;

(iv) declaração do contribuinte de que os bens ou direitos de qualquer natureza declarados têm origem em atividade econômica lícita.

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A declaração não pode ser utilizada como único indício ou elemento de expediente investigatório ou procedimento criminal, ou ainda para fundamentar, direta ou indiretamente, procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes. Ou seja, as autoridades deverão obter outras informações além daquelas declaradas para investigar ou conduzir procedimento criminal contra o declarante.

– Como deve ser calculado o imposto (de 15%) e a multa (de 15%)?

Sobre o valor de mercado dos bens e direitos em reais no último dia útil de dezembro de 2014, considerando-se a taxa de conversão da moeda estrangeira para a brasileira naquela data.

Isto representa grande vantagem para os contribuintes, pois à época o dólar americano custava cerca de R$ 2,65. Significa que a alíquota nominal de 30% é reduzida para cerca de 20%, considerando a atual taxa de conversão do dólar (R$ 4,00).

– O que mais deve ser feito após a adesão?

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Os recursos, bens e direitos constantes da declaração deverão ser informados na:

(i) declaração retificadora de ajuste anual do imposto de renda relativa ao ano-calendário de 2014 e posteriores, no caso de pessoa física;

(ii) declaração retificadora da declaração de bens e capitais no exterior relativa ao ano-calendário de 2014 e posteriores, no caso de pessoa física e jurídica, se a ela estiver obrigada; e

(iii) escrituração contábil societária relativa ao ano-calendário da adesão e posteriores, no caso de pessoa jurídica.

Também deverá ser feita denúncia espontânea (isto é, pagamento voluntário de tributos com juros) relativamente aos rendimentos auferidos em 2015 (após a data de corte da anistia).

– Quais os efeitos da anistia?

(i) Extinção de todas as obrigações de natureza cambial ou financeira para com a administração pública decorrente da titularidade dos ativos declarados.

(ii) Remissão de créditos tributários e redução de 100% das multas de mora, de ofício ou isoladas e dos encargos legais diretamente relacionados a esses bens e direitos em relação a fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2014.

(iii) Exclusão da multa pela não entrega completa e tempestiva da declaração de capitais brasileiros no exterior ao Bacen.

(iv) Extinção da punibilidade de diversos crimes, notadamente aqueles de natureza tributária ou previdenciária, bem como de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro (quando a lavagem estiver relacionada aos demais crimes anistiados).

– É necessário repatriar os recursos? (isto é, retorná-los ao Brasil)

Não, os recursos podem ser mantidos no exterior, passando a ser declarados e tributados no Brasil, se assim determinar a legislação aplicável para o caso.

– Quem pode ser excluído da anistia?

O contribuinte que apresentar declarações ou documentos falsos relativos à titularidade e à condição jurídica dos recursos, bens ou direitos, ou ainda relativamente aos documentos que comprovam o valor de mercado dos ativos.

– Quais os efeitos da exclusão?

Serão cobrados os valores equivalentes aos tributos, multas e juros incidentes, deduzindo-se o que houver sido anteriormente pago, sem prejuízo da aplicação das penalidades cíveis, penais e administrativas cabíveis.

A instauração ou a continuidade de procedimentos investigatórios quanto à origem dos ativos objeto de regularização só poderá ocorrer se houver evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte. Ou seja, a pessoa excluída não pode ser investigada ou processada apenas com base nas informações declaradas sob o programa.

– Por quanto tempo a Receita poderá fiscalizar os declarantes?

Pelo prazo de cinco anos, durante o qual a pessoa deverá guardar os documentos que ampararam a declaração.

Vetos

Foram vetados alguns dispositivos, mas nenhum de grande impacto. Retirou-se, por exemplo, a possibilidade de se incluir na anistia as joias, pedras e metais preciosos, obras de arte e animais de estimação ou esportivos, bem como o parcelamento do imposto no caso de bens imóveis.

A norma é bem-vinda, mas pode gerar polêmicas. Destacamos algumas:

– Cobrança de imposto e multa de 30% sobre acréscimo patrimonial presumido em 31 de dezembro de 2014, inclusive sobre recursos não mais existentes nessa data: não pode se presumir acréscimo patrimonial. O imposto sobre a renda deve ser cobrado somente sobre as rendas efetivamente auferidas e dentro do prazo decadencial. Passado o prazo fixado pelo Código Tributário Nacional (CTN), o imposto não pode ser mais cobrado, ainda que no âmbito de um programa de regularização. Conforme assegura o próprio CTN, tributo não pode constituir sanção por ato ilícito. Depois da adesão e do recolhimento, os contribuintes terão o direito de verificar exatamente quando ocorreu o respectivo fato gerador e pleitear restituição do valor cobrado em excesso.

– Recursos detidos antes de 31 de dezembro de 2014, mas não mais existentes nessa data: a obrigatoriedade de incluir na declaração e tributar os valores não mais existentes em 31 de dezembro de 2014 poderá ser um grande desestímulo à adesão, pois recuperar o histórico de tais valores, possivelmente já gastos há muito tempo, será impossível em alguns casos.

Espera-se que a regulamentação a ser editada pela Receita, a partir da qual será contado o prazo de 210 dias para a adesão, esclareça essas obscuridades e facilite a participação dos contribuintes no programa. Assim, para aqueles que pretendem aderir, recomenda-se aguardar a regulamentação.

Ana Carolina Monguilod Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, Mestre em Direito Tributário Internacional (LL.M) pela Universidade de Leiden, na Holanda, coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), co-Chair do WIN (Women of IFA Network) Brasil e professora de direito tributário do Insper.

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