JCP na mira de Haddad: 8 empresas só pagam juros sobre capital, e não dividendos; e se forem extintos?

Há pelo menos 43 empresas em que o JCP representa 50% ou mais dos proventos distribuídos; veja o impacto do eventual fim do mecanismo para elas

Katherine Rivas

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O debate sobre a extinção dos juros sobre capital próprio (JCP) voltou ao radar do mercado nesta semana, após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apontar que algumas companhias fazem uso abusivo do instrumento para fugir de responsabilidades tributárias, como o pagamento do Imposto de Renda.

Segundo o ministro, existem empresas rentáveis que não declaram lucro, porque o transformam artificialmente em JCP. Ele citou que uma empresa tem um auto de infração de R$ 14 bilhões por essa prática. “Não pagam nem como pessoa jurídica e nem como pessoa física. Essas coisas precisam ser explicitadas”, argumentou Haddad.

O pagamento de proventos na forma de JCP é uma prática comum entre as empresas brasileiras de capital aberto. Algumas delas, aliás, fazem toda ou quase toda a remuneração aos acionistas desta maneira. É o caso do Banco ABC Brasil (ABCB4), por exemplo, que desde 2008 só paga juros sobre capital próprio – e não dividendos – aos acionistas.

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Além do banco, outras sete companhias distribuíram apenas JCPs nos últimos cinco anos. É o caso de Hypera  (HYPE3), BTG (BPAC11), Sabesp (SBSP3), Multiplan (MULT3), Dimed (PNVL3), M. Dias Branco (MDIA3) e Dasa (DASA3), segundo levantamento exclusivo de Einar Rivero, head comercial da plataforma TradeMap.

O estudo considerou ações que integram o Ibovespa, o IDIV (Índice de Dividendos), o SMLL (Índice Small Caps) e o IBRX100 (Índice Brasil 100), que acompanha o desempenho dos 100 ativos mais negociados da B3. As companhias avaliadas pagaram JCP todos os anos desde 2019.

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De acordo com o levantamento, há pelo menos 43 empresas em que os juros sobre capital próprio representaram 50% ou mais da remuneração total oferecida aos acionistas, na média dos últimos cinco anos.

Alguns setores predominam na lista, caso das instituições financeiras. O Banco do Brasil (BBAS3), por exemplo, pagou R$ 4,31 em proventos aos acionistas nos últimos 12 meses, dos quais R$ 3,52 foram JCPs – e apenas R$ 0,79 foram dividendos.

O levantamento também mostra que a taxa de retorno – equivalente ao dividend yield – apenas com JCP do BB foi de 10,14% nos últimos 12 meses, enquanto o dividend yield total (somados os dividendos) alcançou 12,42%. Nesse período, os juros sobre capital próprio distribuídos representaram, em média, 81,6% da remuneração aos investidores. Nos últimos cinco anos, alcançaram 93%.

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Outro setor que se destaca é o de telecomunicação. Na TIM, a participação dos JCPs nas distribuições supera 93% na média dos últimos cinco anos. Apenas nos últimos 12 meses, a empresa pagou R$ 0,75 em proventos, dos quais R$ 0,50 foram juros sobre capital próprio. O dividend yield em JCP foi de 3,62%, contra 5,42% de dividend yield total.

Confira a lista de empresas que mais distribuíram JCP, em relação aos dividendos, nos últimos cinco anos:

Empresa Participação do JCP nos proventos totais pagos aos acionistas nos últimos 5 anos (média) Participação do JCP nos proventos totais pagos aos acionistas nos últimos 12 meses Taxa de retorno com JCP(dividend yield) nos últimos 5 anos (mediana) Taxa de retorno com JCP (dividend yield) nos últimos 12 meses Dividend yield total (JCP + dividendos) nos últimos 12 meses
ABC Brasil (ABCB4) 100,0% 100,0% 5,94% 6,40% 6,40%
Hypera  (HYPE3) 100,0% 100,0% 3,46% 3,28% 3,28%
BTG (BPAC11) 100,0% 100,0% 3,23% 2,62% 2,62%
Sabesp (SBSP3) 100,0% 100,0% 2,62% 2,02% 2,02%
Multiplan (MULT3) 100,0% 100,0% 2,12% 3,58% 3,58%
Dimed (PNVL3) 100,0% 100,0% 1,12% 1,82% 1,82%
M. Dias Branco (MDIA3) 100,0% 100,0% 0,94% 0,79% 0,79%
Dasa (DASA3) 100,0% 100,0% 0,52% 0,40% 0,40%
Guararapes (GUAR3) 98,1% 100,0% 3,11% 0,83% 0,83%
Localiza (RENT3) 95,0% 82,2% 1,04% 2,29% 2,78%
Sanepar (SAPR11) 94,4% 96,1% 5,05% 7,25% 7,54%
Tim (TIMS3) 93,4% 66,8% 3,62% 3,62% 5,42%
Banco do Brasil (BBAS3) 93,1% 81,6% 5,91% 10,14% 12,42%
Banrisul  (BRSR6) 89,7% 96,0% 5,38% 8,06% 8,40%
Lojas Renner (LREN3) 88,8% 100,0% 1,05% 2,82% 2,82%
Movida (MOVI3) 86,7% 34,7% 3,07% 2,55V 7,37%
Romi (ROMI3) 85,9% 85,2% 8,14% 6,42% 7,54%
Ambev  (ABEV3) 85,8% 100,0% 2,97% 5,04% 5,04%
Bradesco (BBDC4) 85,0% 100,0% 3,35% 5,28% 5,28%
Bradesco (BBDC3) 85,0% 100,0% 3,47% 5,81% 5,81%
Marcopolo (POMO4) 84,9% 60,7% 2,37% 5,24% 8,63%
Totvs (TOTS3) 83,3% 100,0% 0,90% 0,90% 0,90%
Raia Drogasil (RADL3) 82,6% 63,6% 0,86% 0,86% 1,36%
Ferbasa (FESA4) 81,8% 27,1% 5,33% 3,23% 11,88%
Camil (CAML3) 81,8% 77,2% 2,49% 3,22% 4,17%
Hermes Pardini (PARD3) 81,0% 71,3% 1,40% 2,01% 2,82%
Carrefour BR (CRFB3) 77,6% 79,8% 1,53% 1,53% 1,91%
Dexco (DXCO3) 75,0% 100,0% 3,81% 2,58% 2,58%
Cielo (CIEL3) 74,5% 100,0% 1,57% 7,16% 7,16%
Simpar (SIMH3) 70,7% 21,1% 1,29% 1,29% 6,11%
Copasa (CSMG3) 69,5% 100,0% 3,95% 9,14% 9,14%
Vibra (VBBR3) 63,9% 86,3% 2,21% 3,33% 3,86%
Itaúsa (ITSA4) 62,2% 100,0% 2,73% 5,10% 5,10%
Santander (SANB11) 61,3% 87,6% 3,81% 4,62% 5,28%
Cemig (CMIG3) 61,0% 68,1% 4,31% 6,51% 9,55%
Energias BR (ENBR3) 60,6% 81,0% 4,12% 5,43% 6,70%
Itaú (ITUB4) 59,7% 100,0% 2,51% 4,95% 4,95%
Porto Seguro (PSSA3) 57,7% 100,0% 2,64% 3,42% 3,42%
Copel (CPLE6) 57,6% 41,5% 4,87% 4,87% 11,75%
Arezzo  (ARZZ3) 55,2% 75,2% 0,83% 1,50% 1,99%
Isa Cteep (TRPL4) 54,7% 100,0% 4,10% 4,10% 4,10%
Telefônica Brasil (VIVT3) 54,3% 34,6% 3,24% 2,28% 6,59%
B3 (B3SA3) 50,1% 60,1% 1,70% 1,70% 2,82%

Fonte: TradeMap. Os dados consideraram os 12 meses anteriores ao fechamento de 25 de abril de cada ano.

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JCP são uma jabuticaba?

O advogado Cassiano Menke, sócio coordenador da área de Direito Tributário do Silveiro Advogados, afirma que os JCPs foram criados em 1995 e começaram a ser usados a partir de 1996 por meio da lei nº 9.249.

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O objetivo, na época, era estabelecer “simetria entre a remuneração que uma empresa tem que pagar pelo capital que toma de terceiros e a remuneração a pagar por tomar o capital dos próprios acionistas”, segundo Menke.

Do ponto de vista tributário, JCPs e dividendos têm diferentes tratamentos para empresas e investidores. Menke explica que quando uma empresa apura e paga dividendos, os investidores recebem os valores isentos de Imposto de Renda – para as companhias, no entanto, eles não são dedutíveis da base de cálculo do seu próprio imposto.

Em outras palavras, a empresa paga IR de 34% sobre o lucro, e o investidor não paga nada quando recebe dividendos. A situação é diferente no caso do JCP.

O advogado Natanael Martins, sócio do MFT Advogados, explica que os juros sobre capital próprio são pagos aos investidores já com o desconto de 15% de Imposto de Renda retido na fonte. A empresa, por sua vez, consegue deduzir o valor distribuído dessa forma da base de cálculo do IRPJ, tributação incidente sobre as pessoas jurídicas, com alíquota de 25%. Também pode obter desconto na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alíquotas de 9% a 15%

“Há uma vantagem para a empresa de ao menos 19% ao fazer os pagamentos via JCP [a diferença entre a alíquota de 34% e os 15% retidos na fonte]”, aponta Martins.

Para distribuir dividendos, uma empresa precisa necessariamente ter lucrado, já que eles representam a parcela do lucro compartilhada pela companhia com os acionistas. Já no caso de JCP, o cálculo parte das contas do patrimônio líquido, que engloba capital social e lucros acumulados, segundo Menke. É a remuneração pelo capital investido.

No entanto, a opção pelo JCP também tem limites. A dedução sobre a base de cálculo dos impostos é de até 50% dos lucros acumulados ou de 50% do maior lucro anterior da companhia.

Segundo Menke, não seria necessária uma reforma tributária para extinguir os juros sobre capital próprio. Bastaria alterar o artigo nono da leiº 9.249. “Discordo de Haddad. O uso de JCP não é abuso, é uma opção fiscal, um direito regular”, diz o advogado. “A lei prevê o pagamento de JCP e a sua dedutibilidade. A empresa que assim o fizer está agindo dentro da lei”.

Para Menke, o fim dos JCPs levaria as empresas a ter de buscar capital com terceiros, a um custo maior do que o do capital próprio.

O que o mercado pensa?

Para os analistas de ações, a eventual extinção dos JCPs não seria algo inesperado, assim como a tributação dos dividendos.

Segundo Felipe Paletta, sócio-fundador e analista da Monett, o fim dos juros sobre capital próprio provocaria a redução do lucro das companhias, dada a queda do que chama de lucro tributário – o benefício de reduzir a base de cálculo dos impostos. “O efeito imediato seria a revisão negativa no lucro contábil das empresas, e isso não é bom para o investidor”, avalia.

Segundo o analista, as empresas provavelmente buscariam saídas para remunerar os acionistas, como recompras de ações, bonificações ou até mesmo os dividendos. Mas por envolverem um custo de tributação para as companhias, ele acredita que bonificar os acionistas com novas ações pode se tornar uma opção preferencial.

Para Paletta, os setores mais afetados da Bolsa seriam o financeiro e o de telecomunicações. Empresas como Vivo (VIVT3) e TIM (TIMS3), por exemplo, fazem muito uso de JCPs.

Sergio Biz, analista focado em dividendos e sócio do GuiaInvest, acredita que o caminho natural seria a distribuição de dividendos. Contudo, se os dividendos passarem a ser taxados para o investidor, as recompras de ações poderiam ser incentivadas.

“Isso já é muito comum no mercado americano, onde os dividendos são taxados em 30%”, comenta. Segundo Biz, a recompra também é uma forma indireta de remunerar o acionista.

Além dos bancos e empresas de telecomunicações, Biz acredita que concessionárias de serviços públicos e fabricantes de bebidas seriam afetadas.

Em relação ao segmento financeiro, o analista projeta que os grandes bancos seriam os mais afetados, com quedas de 10% a 20% no lucro líquido. Já bancos médios, como o ABC Brasil, poderiam ver o lucro recuar até 8% no ano.

“Tanto o ABC Brasil como o Banco do Brasil mudariam drasticamente a forma de remunerar seus acionistas, já que utilizaram o JCP como principal forma de distribuir capital à sua base acionária nos últimos anos”, pondera Biz. Para estas companhias, ele enxerga o uso de dividendos como a saída mais provável.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.