Dividendos de Isa Cteep (TRPL4) “secam” após recorde em 2021; o que houve e o que esperar em 2022?

Em entrevista ao InfoMoney, CEO diz que distribuição foi atípica no ano passado e deve ser menor agora; analistas enxergam melhora no longo prazo

Katherine Rivas

Rui Chammas, CEO da Isa Cteep Foto: Cauê Diniz

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Quem lembra dos proventos recordes pagos pela empresa de energia Isa Cteep (TRPL4) em 2021 – somando R$ 2,8 bilhões, o maior valor dos últimos 20 anos – deve estar estranhando o fato de nenhum dividendo ter sido anunciado ou distribuído neste ano. A fonte da transmissora, que até novembro passado era uma das mais recomendadas para estratégias de renda passiva, secou? Trata-se de apenas um mau momento ou uma mudança permanente?

Embora a política de dividendos da Isa Cteep preveja o pagamento mínimo obrigatório de 25% do lucro líquido do exercício, desde junho de 2018 a empresa tem por prática distribuir no mínimo 75% lucro líquido regulatório, desde que seu indicador de dívida líquida/Ebitda seja de até três vezes.

O problema em si, segundo os executivos da companhia, não radica na política de dividendos, e, sim, em uma conjunção de fatores que distanciam os valores do ano passado do que deverá pingar na conta dos investidores em 2022.

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Em entrevista ao InfoMoney, Rui Chammas, CEO da Isa Cteep, diz que um dos fatores é a diminuição da receita da empresa por conta do reperfilamento do componente financeiro da RBSE (Rede Básica Sistema Existente), uma indenização paga às transmissoras desde 2017. Fora isso, a companhia antecipou dividendos além do usual em 2021, dado que acreditava na possibilidade de que uma reforma passaria a tributar a remuneração dos acionistas.

Em contrapartida, novos projetos e obras devem entrar em jogo no segundo semestre de 2022 para reforçar a receita da companhia.

Carisa Portela Cristal, CFO da Isa Cteep, diz que pelo menos em 2022 e 2023 a intenção da companhia é manter a distribuição de 75% do lucro, priorizando o pagamento via juros sobre capital próprio (JCP) – embora revisões possam ocorrer, em função da perspectiva de receita, novos investimentos ou fusões e aquisições.

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Na prática, em que resultará essa equação? Além de Chammas e Carisa, o InfoMoney ouviu analistas para entender o que o investidor pode esperar da Isa Cteep em 2022. Confira os pontos em destaque:

O peso da RBSE, uma indenização às transmissoras

Segundo os executivos, atualmente o principal empecilho para o pagamento de dividendos é o impacto da RBSE – Rede Básica Sistema Existente – no resultado regulatório da companhia. A normalização deve ocorrer apenas em julho de 2023, segundo Carisa.

A RBSE é uma de indenização às transmissoras devido à renovação antecipada dos seus contratos em 2012, ainda no governo Dilma Rousseff. As companhias passaram a recebê-la a partir de 2017, bancada por cobranças embutidas nas tarifas de distribuição. O valor é pago pelos consumidores na conta de luz.

Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, explica que inicialmente a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) programou os pagamentos para acontecerem ao longo de oito ciclos tarifários, iniciados em julho de cada ano e encerrados 12 meses depois. Contudo, por conta da pandemia do coronavírus e as dificuldades financeiras enfrentadas pelos consumidores, a Aneel postergou o pagamento em 36 meses.

Até 2020, tinham decorrido três ciclos tarifários e faltavam cinco para completar o pagamento total da RBSE. Mas com o reperfilamento da Aneel, o restante de pagamentos foi alongado para oito anos. “O pagamento integral vai ser feito em 11 anos”, explica Arbetman.

De acordo com o antigo fluxo de recebimento da RBSE, a Isa Cteep receberia anualmente R$ 2,258 bilhões nos ciclos de 2021, 2022 e até julho de 2023. Enquanto em 2023 e 2024 e até julho de 2025, receberia mais R$ 1,717 bilhão por ano.

Por causa do novo fluxo, os pagamentos previsto para o ciclo de 2021/2022 caíram para R$ 1,152 bilhão, enquanto o de 2022/2023 recuou para R$ 1,340 bilhão. Entre julho de 2023 até 2028, a Isa Cteep deverá receber R$ 1,781 bilhão por ano. “Não deixamos de receber tudo, mas tem um componente financeiro que foi postergado”, explica Carisa.

Embora a receita fruto da RBSE não esteja perdida, apenas postergada, Carisa afirma que a mudança gera impactos nos resultados financeiros da companhia e também no pagamento de dividendos no curto prazo. “A nossa distribuição de dividendos está baseada no resultado regulatório. Se esse resultado sofre, os proventos também sofrem”.

Fonte: RI Isa Cteep

No segundo semestre de 2022, a Isa Cteep ainda deve sofrer os impactos da RBSE, embora menores que no primeiro, segundo Carisa. O lucro líquido da empresa primeiro trimestre de 2022 foi de R$ 112,5 milhões, uma queda de 63,5% ante o mesmo período de 2021.

Embora a normalização dos pagamentos esteja prevista julho de 2023, um sinal de alerta acendeu na última semana. Na quinta-feira (2), a Aneel emitiu uma nota técnica revisitando o reembolso pendente da RBSE, reconhecendo que houve erros materiais no cálculo de uma das parcelas pagas em 2020. O resultado final proposto pela Aneel apresenta um saldo devedor total de R$ 31,52 bilhões em julho de 2020, frente ao valor de R$ 33,92 bilhões anteriormente calculado. A redução ainda não é definitiva, mas deve ser debatida em audiência pública – e deve afetar as transmissoras.

Segundo relatório do Bradesco BBI, a companhia elétrica mais afetada seria a Isa Cteep, sobre a qual a redução da RBSE teria um impacto de 5% na capitalização de mercado. Em nota ao InfoMoney, a Isa Cteep reforçou que a companhia está analisando os documentos sob seus aspectos jurídicos e potenciais impactos, uma vez que ainda não constitui uma decisão da diretoria da Aneel.

Também diz que “conta com o compromisso da agência reguladora no rigor da análise desse processo a fim de garantir a segurança jurídica e regulatória do setor, em especial nesse tema que vem sendo discutido desde a renovação do contrato das transmissoras em 2012”. “Importante destacar que em abril de 2021, a diretoria colegiada da agência deliberou sobre o pagamento da RBSE, reconhecendo o direito das transmissoras e concluindo definitivamente o tema”, completa a nota.

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Dividendos mais magros em 2022

Em 2021, os acionistas da Isa Cteep receberam proventos de R$ 3,59 por ação, segundo levantamento da Comdinheiro.

A mudança na RBSE não é o único fator que deve afetar as distribuições da empresa neste ano. Segundo Chammas, a antecipação de pagamentos de proventos feita pela Isa Cteep ajuda a aumentar a diferença entre os dividendos do ano passado e os previstos para 2022.

Carisa explica que a companhia concentrou os pagamentos no terceiro trimestre do ano passado, pela possibilidade de tributação dos dividendos prevista na reforma do Imposto de Renda, na época discutida no Senado. “A Isa Cteep decidiu antecipar para evitar o impacto na rentabilidade dos acionistas”, afirma.

Fora isso, a companhia pagou um remanescente do ano de 2020 e antecipou valores do fim do exercício de 2021 – que, na verdade, deveriam ter sido distribuídos apenas no começo de 2022. Esse o motivo do valor total recorde – que, na visão da executiva, não deve se repetir neste ano.

Segundo a CFO, as distribuições da Isa Cteep costumam se concentrar no começo e no fim do ano, quando há maior visibilidade dos resultados. Olhando para o histórico da empresa, a companhia fez pagamentos nos meses de janeiro, julho, novembro e dezembro em anos anteriores.

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Novos projetos podem compensar as perdas – em parte

Como os fluxos da RBSE só devem normalizar em julho de 2023 e não há previsão de antecipação de dividendos, uma redução na remuneração dos acionistas seria esperada. Contudo, os executivos destacaram ao InfoMoney alguns fatores que devem contribuir com a receita da Isa Cteep no segundo semestre e amenizar o cenário.

Entre eles, estão a revisão da base tarifária da companhia em julho, com correção pela inflação; novas operações que devem trazer receita adicional; e um ingresso de R$ 180 milhões na Receita Anual Permitida (RAP), por conta da aquisição da Piratininga-Bandeirantes Transmissora de Energia S.A. (PBTE).

Chammas destaca que nos últimos anos a companhia já ganhou 14 lotes em leilões, dos quais cinco foram entregues e nove se encontram em construção. Seis devem ser entregues ainda neste ano, somando uma RAP anual adicional de R$ 380 milhões.

“Os seis projetos, mais os cinco entregues no passado, vão adicionar R$ 683 milhões de RAP em relação a 2021”, destaca o CEO da Isa Cteep. Uma nova obra deve entrar em operação e ser anunciada pela companhia nos próximos dias.

Fora isso, a Isa Cteep deve participar de novos leilões de linhas de transmissão. No que está marcado para 30 de junho, a empresa deve disputar o lote 2 – que conectará a região de Araraquara, no norte de São Paulo, com o centro-sul de Minas Gerais – em parceria com a Taesa. A área está no caminho do escoamento da capacidade de energia solar que a Isa Cteep tem no norte de Minas. O leilão tende a ser concorrido, na visão do executivo, mas com menor participação de empresas novatas, que costumam ter mais dificuldade para executar os projetos.

Chammas lembra que os contratos presentes nesse leilão são licitados, ou seja, têm uma RAP prevista para 30 anos, atualizada anualmente pela inflação – fora um ajuste adicional a cada cinco anos considerando fatores macroeconômicos. Ao contrário de outros contratos comuns no setor de transmissão, esses não preveem redução da receita a partir do 16º ano da concessão, diz o executivo.

Entre os 24 contratos de concessão que a companhia gerencia atualmente, quase a totalidade é reajustada pelo IPCA sem efeitos da redução de receita a partir do 16º ano. “Temos apenas dois contratos com reajuste neste formato, mas já tiveram a RAP reajustada há alguns anos, sem efeitos materiais impactantes”, explica.

Confira o dividend yield da TRPL4 ao longo dos últimos anos:

Ano  Dividend yield (%)
2022 0,00%
2021 14,09%
2020 6,82%
2019 6,34%
2018 17,29%
2017 4,73%

Fonte: Comdinheiro (dividend yield = retorno em dividendos)

Obs: Dividend yield de 2022 referente ao 1º trimestre

O que dizem os analistas sobre TRPL4?

Apesar dos desafios de curto prazo, os analistas ainda acreditam que a Isa Cteep pode ser uma boa pagadora de dividendos no longo prazo, por se encontrar no segmento de transmissão, considerado defensivo, previsível e com receitas resilientes. Cabe lembrar que as transmissoras se beneficiam por levar energia do ponto A ao B, sem ter a sua receita impactada pelo volume transmitido ou por fatores macroeconômicos.

Guilherme Tiglia, sócio da Nord Research, destaca que a redução nos pagamentos da RBSE não são novidade e os impactos já eram esperados pelo mercado. “Não é uma perda e, sim, uma repaginação de fluxo. Mas acredito que sentiremos menos efeitos daqui para a frente”, diz.

Para Tiglia, a Isa Cteep não é o player mais atrativo do setor elétrico no momento, mas negocia a um bom preço, equivalente a seis vezes o Ebitda. “Nos níveis atuais, pensando em dividendos e proteção frente ao cenário adverso, existe atratividade”, afirma.

O analista enxerga que o leilão do dia 30 de junho, pode ainda trazer boas oportunidades de geração de resultados futuros para Isa Cteep, com o arremate de novos lotes. Por conta dos juros elevados, o deságio também deve diminuir, proporcionando bons níveis de retorno, avalia Tiglia.

Tiglia recomenda a compra do ativo com um dividend yield (retorno em dividendos) projetado de 7% em 2022 e entre 7,5% e 7,7% em 2023.

Enrico Cozzolino, analista da Levante Investimentos, destaca que a Isa Cteep não foi a única elétrica que ainda não distribuiu dividendos em 2022. Também integram a lista a AES Brasil (AESB3), a Eneva (ENEV3), o Grupo Energisa (ENGI11), entre outras.

Na sua visão, por conta da RBSE, a distribuição de dividendos no curto prazo ficou comprometida, mas o médio e longo prazo não devem ser afetados. “Após a normalização da RBSE, a empresa deve reverter o quadro, aproveitar resultados positivos novamente, dada a natureza do setor de utilities [concessões de serviços públicos], com previsibilidade de receita”, aponta.

Porém, um ponto de atenção é como a redução da RBSE pode acabar afetando a capacidade de investimentos da companhia ou dificultando a aquisição de lotes em leilões, cita Cozzolino.

Segundo o analista, apesar dos resultados ruins, a empresa se encontra descontada, com um indicador preço sobre lucro P/L de 5,4 vezes nos últimos 12 meses. “O mau momento da empresa pode ser uma oportunidade para o investidor que visa o longo prazo”.

A Levante projeta um dividend yield de 6,9% para 2022 e 7,2% para 2023 para TRPL4. Para quem busca dividendos imediatos, o analista cita a Copel (CPLE6), que pode ter um retorno de até 17,32% neste ano.

Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, também mantém a sua recomendação para Isa Cteep, com um dividend yield de 8% em 2022 e 6% para 2023. Embora não considere a ação barata, ele destaca que a Isa Cteep é uma opção segura para o investidor de olho em dividendos e foco no longo prazo.

Ele aponta que o endividamento da companhia se encontra em patamares positivos, o que traz mais segurança para os dividendos. E cita como ponto de atenção o plano de pensão e aposentadoria da companhia, que deve ter mudanças. Segundo ele, o investidor deve monitorar a contribuição definida, porque a depender do estágio alguns fundos exigirão novos aportes.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.