Com taxa de até 9% mais IPCA, debêntures têm recorde de negociação; quanto pagam as de menor risco?

Pelo menos 29 debêntures com nota de crédito AAA - de menor risco - ofereciam juros superiores a 8% ao ano, fora a variação da inflação; veja a lista

Mariana Segala

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Nos últimos meses, passear pelas seções de renda fixa das plataformas de investimentos tem sido uma experiência paradoxal.

Para quem já tinha debêntures na carteira, a elevação dos juros – com a Selic chegando aos 13,75% ao ano em agosto de 2022 e aí se mantendo desde então – pesou sobre os preços dos papéis, devido aos efeitos da marcação a mercado (entenda do que se trata aqui).

Mas para quem tem dinheiro novo para investir, a visão é outra. Não são raras as debêntures emitidas por empresas com as mais altas notas de qualidade de crédito – que indicam um risco baixo de calote – pagando remuneração elevada. A vontade é de aproveitar a chance de assegurar um retorno atrativo por um período razoável.

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Considerando apenas as debêntures com rating AAA, o mais elevado, há pelo menos 29 papéis diferentes oferecendo taxas acima de 8% ao ano mais a variação do IPCA, de acordo com a última atualização de um monitor de debêntures elaborado pelo Bradesco BBI. O levantamento considera os preços da última terça-feira (11).

Debêntures atreladas à inflação têm um sistema de remuneração equivalente ao do Tesouro IPCA+, título público negociado no Tesouro Direto: oferecem uma taxa fixa acordada no momento da aquisição, mais a correção pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do Brasil.

Títulos de inflação com prazo equivalente aos das debêntures ofereciam taxas entre 5,7% e 6,4% ao ano na mesma data. Os papéis emitidos pelo governo são considerados os de menor risco de crédito do mercado, já que são emitidos pelo mesmo agente que emite a moeda brasileira.

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Os vencimentos das debêntures com remuneração acima de 8% ao ano mais IPCA variavam de 2024 a 2046, conforme os dados do Bradesco BBI. Confira abaixo a lista completa:

Ticker Emissor Isenção de Imposto de Renda Vencimento Taxa (% ao ano)
VAMO33 Vamos Locação de Caminhões, Máquinas e Equipamentos Não 15/06/2031 IPCA + 9,4
MOVI28 Movida Participações Não 15/06/2032 IPCA + 9,35
VAMO34 Vamos Locação de Caminhões, Máquinas e Equipamentos Não 15/10/2031 IPCA + 9,17
MOVI37 Movida Participações Não 15/09/2031 IPCA + 9,07
JSMLB5 Simpar Não 15/09/2031 IPCA + 8,93
LCAMD1 Companhia de Locação das Américas Não 15/09/2031 IPCA + 8,76
LCAMD3 Companhia de Locação das Américas Não 15/04/2029 IPCA + 8,62
GBSP11 GBS Participações Sim 15/03/2044 IPCA + 8,5
HARG11 Holding do Araguaia Sim 15/10/2036 IPCA + 8,47
LORTA7 Localiza Rent A Car Não 15/03/2031 IPCA + 8,42
CBAN32 Concessionária Rota das Bandeiras Sim 15/07/2034 IPCA + 8,26
CSAN33 Cosan Não 15/08/2031 IPCA + 8,25
JALL21 Jalles Machado Sim 15/12/2031 IPCA + 8,21
CMIN22 CSN Mineração Sim 15/07/2037 IPCA + 8,18
UTPS21 Usina Termelétrica Pampa Sul Sim 15/10/2036 IPCA + 8,18
ITGE13 Itarema Geração de Energia Sim 15/12/2028 IPCA + 8,16
CBAN52 Concessionária Rota das Bandeiras Sim 15/07/2034 IPCA + 8,15
CCRDD1 CCR Não 15/11/2024 IPCA + 8,15
CMIN21 CSN Mineração Sim 15/07/2036 IPCA + 8,15
CBAN12 Concessionária Rota das Bandeiras Sim 15/07/2034 IPCA + 8,13
CBAN72 Concessionária Rota das Bandeiras Sim 15/07/2034 IPCA + 8,12
CLAG13 Colombo Agroindústria Sim 15/07/2028 IPCA + 8,09
MEZ511 Mez 5 Energia Sim 15/01/2046 IPCA + 8,06
JALL13 Jalles Machado Sim 15/09/2032 IPCA + 8,05
TPNO13 Matrincha Transmissora de Energia  TP Norte Sim 15/12/2038 IPCA + 8,04
APOL11 Apollo 17 Participações Sim 15/04/2033 IPCA + 8,03
UTPS22 Usina Termelétrica Pampa Sul Sim 15/10/2036 IPCA + 8,03
CMIN11 CSN Mineração Sim 15/07/2031 IPCA + 8,02
CTNS14 Energisa Tocantins Sim 15/09/2025 IPCA + 8,02

Fonte: Bradesco BBI. As taxas foram apuradas em 11/04/2023.

“Ganhar 8% de juro real [descontada a inflação] é excelente em qualquer economia do mundo. Estamos falando de de empresas de primeira linha, com risco de crédito baixo. É uma distorção do Brasil”, diz Rodrigo Marcatti, sócio-fundador da Veedha Investimentos.

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Alguns fatores ajudam a entender o tamanho das taxas. Além da Selic alta, fatores como o estresse nos mercados de crédito desde a eclosão da crise da Americanas (AMER3), em janeiro, aumentaram a percepção de risco – potencializada, na sequência, por problemas financeiro em outras companhias emissoras de dívida, como Light (LIGT3), CVC (CVCB3) e Marisa (AMAR3).

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Assim, as taxas se mantiveram altas mesmo com um recuo consistente da curva de juros futuros no último mês. A trajetória da curva, segundo o Bradesco BBI, refletiu especialmente o detalhamento do novo arcabouço fiscal do governo federal, há muito aguardado pelo mercado. A proposta limita o crescimento das despesas do governo de acordo com a variação da receita e adota metas crescentes de superávits primários, o que agradou o mercado. A expectativa é de que o projeto de lei seja apresentado nesta semana ao Congresso Nacional.

“As taxas indicativas de 194 debêntures com rating AAA atribuído e vencimento posterior a 2024 tiveram um aumento médio de apenas 5 pontos base [0,5 ponto percentual] em relação às NTN-Bs [Tesouro IPCA+] de referência”, diz relatório da instituição. “Observamos que os títulos de duration mais longa [prazo até o vencimento] continuam apresentando spread de crédito [juros adicionais] sobre NTN-Bs mais elevado”.

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Fatores determinantes para as taxas

Março foi o mês com maior volume de debêntures negociadas no mercado secundário desde o início da série histórica, superando R$ 40 bilhões, conforme os cálculos do Bradesco BBI. A maior atratividade dos papéis, com spreads elevados, e o volume de resgates em fundos de renda fixa são apontados como motivos para a robustez das negociações, avalia a instituição.

As diferenças de taxas entre as debêntures com boa nota de crédito se devem a diversos fatores. Um deles é a existência – ou não – de isenção de Imposto de Renda. Explique-se: as chamadas debêntures de infraestruturas (ou incentivadas), utilizadas para levantar recursos para grandes projetos de infraestrutura, contam com o benefício fiscal.

É uma forma de atrair o interesse dos investidores – e, consequentemente, de conseguir captar um volume grande de recursos para financiar os projetos.

Ao mesmo tempo, o benefício fiscal também permite que as empresas emissoras possam oferecer uma remuneração ligeiramente menor, reduzindo seu custo de captação. Do ponto de vista do investidor, os juros um pouco mais baixos são compensados pela isenção da tributação.

Não é à toa que oito das dez debêntures negociadas com as maiores taxas atualmente não são isentas de Imposto de Renda. Para serem competitivas em relação aos papéis incentivados, elas precisam remunerar um pouco melhor o investidor – um elemento considerado na precificação dos títulos no mercado secundário.

Outro fator que afeta as taxas é o prazo de vencimento das debêntures: em geral, quanto mais longo, maior a remuneração exigida pelos investidores. Não é difícil entender a razão. Ao longo de um período de muito anos, situações variadas podem se colocar para os emissores – como uma crise setorial, uma mudança brusca de política de governo ou mesmo uma administração ineficiente. Por isso, a percepção de risco é maior, e isso se reflete nos preços.

Fora isso, há os aspectos específicos de cada setor da economia e de cada empresa em especial.

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Empresas e setores

Entre as debêntures com taxas mais elevadas, há um claro predomínio de emissores do segmento de locação de veículos e equipamentos. Nenhum dos papéis de empresas desse setor, no entanto, são isentos de Imposto de Renda.

Vamos (VAMO3) e Movida (MOVI3) fazem parte do grupo Simpar (SIMH3) – e os papéis das três companhias lideram a lista de maiores rendimentos.

Por serem grandes empresas consideradas financeiramente bem estruturadas, elas constam no radar de preferências de especialistas como Marcatti e Marília Fontes, sócia da Nord Research.

Também no topo da lista é possível encontrar papéis da Companhia de Locação das Américas (LCAM3) – a Unidas – e da Localiza (RENT3). As duas companhias anunciaram a fusão das suas operações em 2020, em um negócio concluído em junho do ano passado.

Em relatório sobre crédito privado, analistas da XP afirmam que a normalização na cadeia global de suprimentos, após as dificuldades enfrentadas no início da pandemia de coronavírus, deve favorecer a produção e venda de veículos – facilitando a vida das locadoras.

“Isso poderá levar à queda nos preços das unidades, reduzindo o capital empregado pelas locadoras para expansão de sua frota”, dizem Camilla Dolle, Mayara Rodrigues e Natalia Moura, da XP. Para elas, as grandes empresas do setor se posicionam melhor para negociação e consolidação do mercado.

Fora isso, “taxas de juros elevadas podem ser positivas para o setor, sob ótica de predileção de aluguel em detrimento de aquisição de veículos (tanto para pessoas físicas quanto para empresas)”, afirmam no relatório.

Duas debêntures da Jalles Machado (JALL3) – empresa goiana do setor sucroalcooleiro – também aparecem na lista de maiores taxas. Uma delas, aliás, consta na carteira de crédito privado recomendada pelo Santander: a JALL13, com vencimento em 2032.

Na visão do banco, a segunda maior produtora mundial de açúcar orgânico e a maior exportadora para o mercado americano tem alguns pontos fortes, como a eficiência operacional, a forte geração de caixa, a verticalização dos negócios e os níveis confortáveis de endividamento e liquidez.

Para os analistas, a dinâmica de preços do açúcar é favorável às usinas desde o último trimestre da safra 2019/2020, em razão do menor estoque global. Da mesma forma, as perspectivas para o etanol também animam, dadas as cotações elevadas do petróleo, que aumentam a demanda por etanol hidratado, além da reoneração dos impostos federais sobre combustíveis.

Não é, no entanto, uma opção livre de riscos – assim como todas as outras. O setor sucroalcooleiro é cíclico, lembra o Santander. E a possibilidade de mudança na política de preços da Petrobras (PETR3;PETR4) também está no radar. Afinal, se o custo da gasolina baratear, a atratividade do etanol diminui.

Como escolher?

Na visão de Marcatti, da Veedha, as debêntures com prazos menores e com isenção de Imposto de Renda são, atualmente, opções mais indicadas. “Nesse momento de estresse de crédito, prefiro papéis com vencimento até 2031 emitidos por boas empresas, de nomes conhecidos”, diz.

Marília, da Nord, por sua vez, acredita que o momento pode ser interessante justamente para o movimento contrário: o investimento em papéis de prazo mais longo. “É difícil encontrar no mercado normalmente taxas muito boas. Nesse caso, como são empresas sólidas, também pode valer a pena travar a rentabilidade pelo período máximo que conseguir”, avalia.

Entre as empresas que Marília considera “boas” estão Vamos, Simpar, Movida, Localiza e Cosan, do setor sucroalcooleiro. Marcatti também tem Vamos, Simpar e Movida no seu rol de preferências.

Uma análise criteriosa dos emissores é o ponto de partida para a escolha das debêntures para investir. “O risco de crédito está diretamente ligado à possibilidade de o emissor não cumprir com as suas obrigações e não devolver os recursos para o investidor”, diz Murilo Sibrão Bernardini, consultor de investimentos da Luz Soluções Financeiras.

Situações de default – ou calote – como a da Americanas não acontecem da noite para o dia, nem com muitas empresas simultaneamente, defende Bernardini. “No entanto, desencadeiam uma série de consequências e afetam o comportamento de outros ativos e a própria decisão de investimentos de muitos gestores”.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney