Servidores do BC anunciam ‘operação padrão’ a partir de segunda; movimento já afeta novidades no Pix

'Operação padrão' foi aprovada com mais de 95% dos votos dos presentes na assembleia do sindicato; veja o que já é afetado

Lucas Sampaio

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Os servidores do Banco Central (BC) decidiram intensificar a pressão contra o governo federal e anunciam nesta sexta-feira (30) o início de uma “operação padrão” já a partir de segunda-feira (3). A medida tem o potencial de atrasar ainda mais novidades do Pix, como o Pix automático, e até afetar a regulamentação do mercado de criptomoedas.

O Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) afirmou em nota que os servidores vão intensificar medidas como a remarcação da reunião plenária do Fórum Pix e “atrasos ou interrupções em diversos outros serviços do BC”, sem detalhar o que seria prejudicado. A “operação padrão” foi aprovada com mais de 95% dos votos dos presentes na assembleia do sindicato na quinta-feira (29).

O Pix automático, uma espécie de “débito automático” para viabilizar pagamentos recorrentes automatizados com o consentimento do pagador, já foi adiado para abril de 2024. Mas, nesta semana, Mayara Yano, associada-sênior do BC, disse que a data pode inclusive ser adiada novamente, devido ao movimento dos servidores.

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A agenda é considerada importante pelo BC para aumentar a competição, já que hoje o débito automático depende de convênios bilaterais entre empresas e instituições — o que favorece os “bancões”, que têm uma base maior de clientes.

regulamentação do mercado de criptoativos também é uma das candidatas a andar a passos lentos, sem corpo funcional suficiente. Além disso, departamentos da instituição já entraram em contato com instituições financeiras ressaltando possíveis atrasos em outras áreas.

A insatisfação dentro do BC está tão grande que técnicos e até servidores dos escalões mais altos passaram a tratar o assunto de forma aberta — e inédita — em todas as oportunidades públicas possíveis. Considerados parte da elite do funcionalismo, os servidores do BC tradicionalmente não costumam fazer reivindicações públicas, mas agora têm destacado o “desmonte” da instituição (veja mais abaixo).

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Paralisações e greve (em 2022)

Os servidores têm feito paralisações pontuais neste ano, por algumas horas e alguns dias da semana, pela reestruturação da carreira (um pleito que já resultou na maior greve da história da autarquia em 2022, no governo anterior). Mas o movimento não resultou em ganhos reais para a categoria nem em medidas concretas tanto da gestão Bolsonaro (PL) quanto Lula (PT).

A greve do ano passado causou diversos atrasos em publicações do BC, como o Boletim Focus, o movimento de câmbio no Brasil e as operações cambiais do BC e até o Relatório de Poupança, que é publicado mensalmente.

A insatisfação cresceu ainda mais neste ano após o governo regulamentar o bônus de eficiência dos auditores fiscais da Receita Federal, e agora os servidores do BC acusam o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) de “arrogância sem limites”. “É inaceitável o descaso dado pelo atual Ministério da Gestão e Inovação”, afirma o presidente do sindicato, Fábio Faiad.

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Segundo o sindicato, “por mais uma vez” integrantes do MGI negaram  o avanço reestruturação de carreira da categoria, “bem como apresentaram todo tipo de dificuldades em relação às outras demanda — em contraponto evidente ao tratamento amistoso e favorável dado aos servidores da Receita Federal”.

“Não há motivos para que os excelentes quadros do BC, servidores públicos de estado, concursados que fizeram o Pix, o Open Finance, o Sistema de Valores a Receber [SVR] e que atuam com excelência em áreas tão relevantes como supervisão do sistema financeiro, inclusão financeira, políticas monetária e cambial e similares, continuem a ser tratados de forma desigual ou mesmo inferior a outras carreiras do Executivo Federal”, afirma Faiad.

“O sucateamento a olhos vistos da carreira de especialista do órgão, que vem ocorrendo na última década, com reajustes abaixo da inflação, sem novos concursos e com as crescentes assimetrias em relação a outras carreiras congêneres, coloca em risco as entregas da autarquia à sociedade”, continua o presidente do Sinal. “Põe em risco o cumprimento de sua missão institucional, incluindo seu papel de regulador e fiscalizador do Sistema Financeiro Nacional e como gestor do STR, Selic e Pix”.

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Manifestações públicas inéditas

A insatisfação dentro do BC está tão grande que técnicos e até servidores dos escalões mais altos passaram a tratar o assunto de forma aberta — e inédita — em todas as oportunidades públicas possíveis. Considerados parte da elite do funcionalismo, os servidores da autarquia tradicionalmente não costumam fazer reivindicações públicas, mas agora têm destacado o “desmonte” da instituição.

O mau humor não é de hoje. Há um desgaste com o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, desde o ano passado, quando a categoria fez a maior greve de sua história sem grandes vitórias. Agora, a avaliação é a de que a piora do ambiente de trabalho está tão grande — e contrastante com outras categorias, que têm promessas de bônus salariais e concursos —, que profissionais buscam alternativas para suas carreiras. A mudança de postura se dá porque há a percepção de que a situação “degringolou”.

Uma das reclamações é de que não há equipes suficientes para tocar os projetos considerados essenciais pelo Banco Central, como desenvolvimentos do Pix, o real digital e o Open Finance. O último concurso foi em 2013, e de lá pra cá áreas foram reduzidas à metade.

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Alguns profissionais já têm buscado vagas no setor privado, alegando que “do outro lado da rua” está bem melhor para trabalhar. O setor de tecnologia, segundo relatos, é o que mais tem se adiantado ao movimento. A avaliação interna é a de que estão “indo de graça” para outras empresas privadas. Os pedidos para funcionários serem cedidos para o mercado ou para organismos internacionais estão ocorrendo “a quilo”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.