MP sobre incentivos fiscais, fim do JCP e efeito Carf afetam mercado: como a proposta do governo impacta as empresas da Bolsa?

Analistas apontam impactos das diferentes medidas para várias empresas da Bolsa, mas destacam que muitas podem ser mudadas pelo Congresso

Lara Rizério

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Na última semana, o governo apresentou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, prevendo um conjunto de medidas com impacto fiscal de R$ 168 bilhões para cumprir a meta de zerar o déficit primário no ano que vem.

Além de haver dúvidas sobre se essas medidas podem levar à arrecadação pretendida, elas em si causaram um impacto negativo no mercado logo após a sua apresentação, fazendo com o Ibovespa caísse 1,53% no pregão do dia 31, pós-apresentação da PLOA, ainda que se recuperando na sessão seguinte, do dia 1 de setembro.

Nos próximos meses, o impacto da Medida Provisória (MP) 1.185, da proposta do fim dos juros sobre capital próprio (JCP) e da retomada do voto de desempate pró-governo nos  julgamentos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) serão observados de perto pelos investidores, assim como seus impactos para as diferentes empresas da Bolsa.

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Confira os principais pontos e as empresas mais afetadas:

Medida Provisória (MP) 1.185 e o impacto negativo nas empresas

Na última quinta-feira (31), o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) 1.185, alterando a tributação federal dos incentivos fiscais.

A proposta amplia a base de cálculo e esclarece como serão cobrados o imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ e CSLL = Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e o PIS/Cofins sobre os incentivos fiscais, incluindo benefícios de ICMS. Com as mudanças, o Governo espera arrecadar R$ 35 bilhões já em 2024 com essa medida, mas não são esperados efeitos retroativos.

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A XP aponta que, essencialmente, o novo regime tributário impõe uma forte limitação à isenção de imposto de renda para as subvenções de ICMS, considerando que: (i) não há distinção entre os incentivos de ICMS (crédito presumido, isenção/redução/diferimento); (ii) subvenções de custeio não tem direito a isenção de IR e (iii) subvenções de investimento tem direito à isenção de IR, mas em menor grau.

A equipe de análise da Ágora Investimentos destacou as sete principais alterações, listadas a seguir:

(i) revogação da isenção de PIS/Cofins sobre incentivos fiscais;

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(ii) criação de um mecanismo de crédito tributário federal, estabelecendo regras rígidas para que as empresas deduzam seus incentivos fiscais de sua base tributária;

(iii) a partir de agora, apenas incentivos fiscais para investimentos podem gerar créditos fiscais;

(iv) necessidade das empresas solicitarem à Receita Federal o reconhecimento dos créditos fiscais;

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(v) limitação dos créditos fiscais ao valor da depreciação e amortização dos investimentos desembolsados (e não com base no valor do incentivo fiscal) e calculados usando a alíquota de 25% do IRPJ. Assim, há uma limitação dos incentivos apenas ao IRPJ (25%) versus IRPJ e CSLL anteriormente (34%);

(vi) um ano após a Receita Federal reconhecer os créditos fiscais, as empresas poderão usá-los para reduzir o pagamento de impostos federais ou receber os créditos em dinheiro quatro anos depois; e

(vii) créditos fiscais terminarão em 2028 (antes do fim dos incentivos fiscais do ICMS, em 2032).

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A XP aponta ainda que, com o novo regime tributário que foi instituído pela MP 1.185, não há distinção entre os diferentes tipos de incentivos de ICMS, com as mesmas implicações para créditos presumidos, isenção fiscal, redução fiscal e diferimento fiscal; a remoção dos incentivos fiscais de imposto de renda para subvenção de custeio e os critérios mais rígidos para caracterização de subvenções para investimentos, com a receita federal precisando aprovar qualquer subvenção antes que a empresa comece a reconhecer o crédito.

Além disso, haverá o prazo mais amplo para reconhecimento dos créditos, dado que as empresas só vão reconhecer os benefícios de acordo com o período de depreciação do ativo, o que se compara com um reconhecimento integral anteriormente.

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A Ágora destaca ser válido notar que essa MP expira em 120 dias e precisa ser aprovada pelo Congresso por maioria simples de votos em cada casa (Câmara e Senado), para entrar em vigor a partir de janeiro de 2024.

A casa aponta que essa MP foi uma surpresa negativa e inesperada pela maior parte dos investidores. “Nosso entendimento anterior estava alinhado com a última decisão do Supremo Tribunal de Justiça [STJ], que se baseava na suposição de que a tributação federal dos incentivos fiscais estaduais violava o ‘pacto federativo’, onde o Governo Federal não seria autorizado a interferir nos assuntos na esfera estadual”, avalia.

Essa mudança na regulamentação, segundo a casa, obviamente acrescenta incerteza aos resultados das empresas, embora ainda pareça que este caso está longe de ser resolvido, pois: (i) o Congresso poderia alterar substancialmente o conteúdo da MP ou até mesmo não a aprovar (tributação federal é uma disputa de longa data entre o Congresso e o Governo Federal); e (ii) as empresas poderiam litigar a questão, potencialmente alegando que a MP é inconstitucional no STF.

Mas, como não descartam pressão adicional sobre os preços das ações nas próximas semanas em função dessa notícia, os analistas destacaram análise preliminar da magnitude do impacto sobre os resultados de algumas empresas de sua cobertura.

As empresas farmacêuticas (exceto a Blau BLAU3, que não tem benefício de ICMS) podem ser significativamente impactadas se esta nova regulamentação for aprovada.

Segundo estimativa da casa, por exemplo, 21% do lucro líquido da Hypera (HYPE3) em 2024, 17% da Viveo (VVEO3) e 10% da RD (RADL3), na pior das hipóteses.

Os analistas acreditam que, no entanto, dado que todo o setor deverá ser atingido, as empresas poderão procurar compensação – elevando os preços, por exemplo. Nesse cenário, a Ágora vê a RD como a mais bem posicionada, e a Pague Menos (PGMN3) e a Hypera como as piores, dada a menor margem líquida e incentivo de ICMS acima do mercado, respectivamente. “Em suma, vemos as notícias como negativas para as empresas farmacêuticas, especialmente Pague Menos e Hypera, devido ao risco”, apontam.

No entanto, reforçam que a visibilidade é baixa neste momento, visto que o MP precisa ser aprovada pelo Congresso. E, mesmo depois disso, não está claro se impactará as empresas dado que os créditos presumidos não podem ser considerados como incentivo e, portanto, uma tributação seria inconstitucional, contra o pacto federativo.

No caso das empresas de roupas e estilo de vida, varejo de alimentos e bens de consumo olhando para a mudança proposta, à primeira vista o impacto pode ser bastante significativo também.

Até agora, as empresas aplicavam um benefício fiscal de 34% sobre as receitas recorrentes relacionadas com incentivos fiscais.

O novo mecanismo proposto aplicará CSLL e imposto de renda (sem benefício fiscal) sobre as mesmas receitas e limitará o crédito fiscal (destinado a compensar o fim do benefício fiscal) sobre os investimentos de implementação/expansão desembolsados (geralmente não recorrentes).

Por exemplo, há casos na cobertura da Ágora em que o valor de um ano de benefícios fiscais estaduais é cerca de 7 vezes o tamanho de um investimento de expansão significativo.

Além disso, o novo crédito tributário aplica apenas uma alíquota de imposto de renda de 25% em seu cálculo (sem incluir CSLL), que também é inferior ao benefício fiscal anterior de 34%, e as empresas precisarão de aprovação da Receita Federal para obter esse crédito, enquanto o mecanismo anterior era automático.

A Ágora aponta que, em uma análise preliminar, a Vulcabras (VULC3) seria claramente a mais impactada das empresas no setor, com 62% do lucro projetado para 2024 em risco, seguida do Grupo Soma (SOMA3), com 45% do lucro líquido.

Alternativamente, a Lojas Renner (LREN3) e o Carrefour Brasil (CRFB3) seriam os nomes menos impactados pelas mudanças propostas pela MP, com 11% e 4% do lucro projetado em 2024, respectivamente.

“Relembramos que esse é um tema em construção, com diversas incertezas e partes móveis ainda presentes –motivos pelo qual, na última sexta-feira (1), praticamente todas as ações do Ibovespa se valorizaram, a despeito desse fluxo de notícias mais negativo”, concluiu o banco.

A XP ressalta que, se as varejistas perderem todos os benefícios fiscais (incluindo o fim dos JCPs e aqueles não discutidos neste momento), o lucro líquido de 2024 diminuiria entre 10-35%. No entanto, a equipe de análise também acredita que a medida do ICMS deve enfrentar uma grande resistência no Congresso e, portanto, é improvável que ele seja aprovado sem ajustes.

Proposta de fim do JCP

O governo federal publicou um projeto de lei (PL) a ser encaminhado para o Congresso Nacional prevendo a extinção dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) a partir do ano que vem. Com a proposta de fim do JCP, a expectativa do governo é arrecadar R$ 10 bilhões em 2024.

O texto propõe o fim da dedução do JCP pago na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, ou seja, retira o benefício tributário da distribuição de via JCP.

Atualmente, há a incidência de uma alíquota tributária de 15% nos proventos distribuídos via JCP para o acionista, no entanto o valor bruto é abatido do lucro operacional da empresa como despesa antes de compor a base de cálculo do lucro tributável pela companhia, o que reduz a incidência efetiva de impostos de renda e contribuição social sobre o resultado gerado pela companhia, uma vez que esta alíquota gira em torno de um patamar médio de 34% (excluindo benefícios tributários e variando entre setores), chegando no 45% no caso do setor bancário.

O PL não impede a dedução dos juros apurados para determinar o lucro real e a base de cálculo da CSLL referente ao ano de 2023, ainda que pagos ou creditados no ano de 2024, ou seja, não haverá interferência prática no resultado gerado neste ano-fiscal.

A Guide Investimentos destacou em tabela os maiores pagadores de JCP de 2022 e 2023. “Como pode ser visto, os bancos, empresas de siderurgia e mineração e também empresas do setor elétrico estão entre os maiores pagadores”, destaca o banco. Confira abaixo:

Bancos, empresas de siderurgia e mineração e também companhias do setor elétrico estão entre os maiores pagadores de JCP.

O JCP é uma despesa para as empresas (o provento pago como JCP é tratado como despesa financeira e reduz a base de tributária da empresa no cálculo do imposto de renda) e não há impacto “direto” para os investidores. O impacto do fim da JCP é indireto: o fim deste benefício fiscal aumenta a tributação dos lucros das empresas e consequentemente reduz o valor das ações.

Já o impacto final depende de diversos fatores, entre eles se haverá algum tipo de compensação. O fim da JCP implícita em aumento da tributação das empresas e é possível que alguma redução nas alíquotas de imposto de renda (IR) e CSLL seja discutida como forma de reduzir o impacto do fim da JCP.

Além disso, depende também da disposição das empresas em distribuir os lucros: ainda que o benefício da JCP estivesse disponível para todas as empresas, nem todas utilizavam. Em parte, isto se deve ao fato de algumas empresas preferirem reinvestir os lucros a distribuir.

A Guide também aponta que o benefício da JCP está limitado a 50% do lucro líquido: ou seja, apenas empresas que tenham lucros elevados e recorrentes conseguiam se beneficiar da JCP. Isto explica porque os bancos, Ambev (ABEV3) e Multiplan (MULT3) estão entre as maiores pagadoras.

Sobre a Ambev, uma das possíveis mais afetadas com o fim do JCP, o Bradesco BBI fez uma pesquisa com os investidores locais sobre os possíveis impactos.

Eles avaliam que, em média, cerca de metade do impacto negativo total da remoção do benefício fiscal já está precificado para a Ambev. A pesquisa do banco foi feita com 25 investidores locais no dia 31 de agosto, após a publicação do projeto de lei do governo brasileiro que propõe o fim desse benefício fiscal.

“Na nossa estimativa, o impacto total implicaria uma perda estimada de valor de mercado de aproximadamente 20%. Assim, no pior cenário, segundo os investidores, ainda poderá haver uma desvalorização adicional de aproximadamente 10%”, apontam.

Os analistas observam, no entanto, que os investidores locais têm sido historicamente mais cautelosos em relação à Ambev do que os investidores internacionais, o que poderia resultar em algum viés negativo na pesquisa.

“Além disso, se o JCP for removido, a Ambev, assim como outras empresas brasileiras, provavelmente encontrarão formas de mitigar o impacto potencial que não está sendo considerado pelo mercado (alavancagem, créditos fiscais, entre outros)”, apontam.

O Goldman Sachs aponta que a companhia de bebidas é a mais exposta ao JCP entre as ações de sua cobertura.

Caso o governo extinga o benefício fiscal do JCP, a estrutura de capital da Ambev (em 0,3 vez o caixa líquido) se tornaria ineficiente, e a administração já comentou que buscaria alternativas para realavancar o balanço.

“Neste contexto, acreditamos que reinvestir dinheiro na operação (orgânica e inorgânica) parece mais plausível do que anunciar um grande dividendo único, como um pagamento mais elevado”, aponta.

Para os analistas, o pagamento de um dividendo único: 1) não se enquadraria bem estrategicamente na desalavancagem contínua do acionista controlador AB InBev; 2) a liquidez do mercado de capitais de dívida pode ser um gargalo (ou seja, alavancagem de 1,0 vez é igual a R$ 24,4 bilhões, versus a posição de caixa bruto de R$ 12,3 bilhões, isso apenas para a Ambev) e 3) a reforma tributária em curso também poderá contemplar um novo imposto sobre dividendos. O banco tem recomendação equivalente à venda para os ativos ABEV3.

Em relatório, o Citi aponta os impactos para alguns outros setores.

Bancos estão entre os mais afetados pelas medidas, mas não serão os únicos, com setores como saúde, varejo e bens de capital também sendo potencialmente impactados.

Considerando os lucros previstos para 2024 dos bancos sob cobertura da equipe do Citi liderada por Rafael Frade, o fim do JCP vai gerar um efeito negativo de 23% para Bradesco (BBDC4), 22% para ABC Brasil (ABCB4), 21% para Santander Brasil (SANB11), 17% para Banco do Brasil (BBAS3) e 16% para Itaú Unibanco (ITUB4) e BTG Pactual (BPAC11).

Os analistas do Citi observam que, apesar do potencial abalo no resultado, notícias recentes sugerem que o projeto ainda pode ser ajustado durante a discussão no Congresso. Além disso, acrescentam que, na explicação do governo sobre o projeto de lei, o argumento foi que regimes tributários semelhantes em outros países levam em conta uma taxa de juros mais baixa – atualmente o JCP usa TJLP a 7% – e apenas o capital emitido pela empresa, e não todo o patrimônio.

“Nós acreditamos que a discussão poderia propor algum novo tipo de JCP, baseado apenas em patrimônio tangível e com uma nova taxa de juros, com impacto menor nos lucros dos bancos do que o fim completo do JCP”, afirmaram Frade e equipe. “Contudo, este ‘overhang’ deverá continuar nas ações dos bancos até que tenhamos uma melhor visibilidade sobre o mesmo.”

No setor de bens de capital, o BTG Pactual aponta que, ao avaliar os benefícios vinculados ao JCP, algumas empresas se destacam, como Marcopolo (POMO4), Localiza (RENT3) e Iochpe-Maxion (MYPK3).  A Embraer (EMBR3) também aparece na lista, embora seja importante notar que seu lucro líquido tem sido mais volátil.

O Goldman Sachs também apontou que uma potencial redução ou remoção do benefício fiscal traz novamente à tona um fator de risco chave para Vivo (VIVT3) e TIM (TIMS3) – em contraste com os fortes ventos favoráveis ​​do lado operacional para ambas as empresas.

“As empresas de telecomunicações são os principais usuários do benefício fiscal de JCP. Uma remoção direta, sem fatores atenuantes, impactaria nossas estimativas de ganhos para 2024 em aproximadamente 20% para Vivo e em cerca de 15% para TIM”, avaliam os analistas do Goldman.

Contudo, os analistas não veem um impacto nas ações tão grande quanto nos lucros no curto prazo. Isso  porque os riscos sobre o tema provavelmente já estão precificados, até certo ponto, e porque uma readequação da estrutura de capital poderia compensar grande parte ou a maior parte do impacto.

Em relatório do começo do mês, o JPMorgan divulgou uma projeção de impacto negativo de cerca de R$ 30 bilhões ao ano nos lucros das empresas brasileiras de sua cobertura (num total de 134 empresas cobertas) e também apontou cerca de R$ 10 bilhões em receitas fiscais adicionais para o governo.

Em um estudo anterior, a XP destacou um impacto para o lucro médio das empresas de sua cobertura entre 4% e 6%.

A equipe de análise da XP avaliou ainda que os setores mais impactados com o possível fim do JCP são: Saneamento, Bancos, Saúde, Varejo e Bens de Capital.

As companhias mais impactadas seriam: Ambev, Bradesco (BBDC4), BTG (BPAC11), Guararapes (GUAR3), Hypera (HYPE3), Lojas Renner (LREN3), Multiplan (MULT3), Rede D’Or (RDOR3),  Sanepar (SAPR11) e Vivo (VIVT3).

Na avaliação do BTG, um efeito colateral potencial do término dos benefícios fiscais do JCP é que as empresas podem optar por priorizar as recompras de ações em detrimento da distribuição de caixa.

“Também poderíamos ver algumas empresas, especialmente aquelas com estruturas de capital ineficientes, alavancando seus balanços para reduzir sua renda tributável. Além disso, um imposto sobre dividendos poderia levar as empresas a reduzir seus pagamentos de dividendos e reinvestir partes maiores de seus lucros (ou talvez aumentar seu apetite por fusões e aquisições). Por fim, as empresas poderiam optar por pagar dividendos extraordinários antes da implementação de um imposto sobre dividendos”, ponderam os analistas do banco.

Contudo, analistas de diversas casas reforçam que dificilmente o Congresso aprovará a medida da forma de envio pelo governo. Além disso, caso haja ambiente político para aprovar alguma alteração no JCP ainda este ano, a medida deverá ser bastante desidratada, prevendo exceções e prazos de transição suaves.

A Genial Investimentos avalia ainda que, claramente, a simples extinção do JCP traria um aumento substancial de impostos para algumas empresas e consequentemente um impacto negativo nos lucros.

Nesse cenário, uma alternativa que ganhou espaço é uma substituição do JCP pela criação de um outro benefício fiscal substitutivo, uma versão brasileira do Allowance for Corporate Equity (ACE), podendo trazer um certo alívio, mesmo que parcial, para as indústrias mais impactadas numa eventual extinção do JCP.

O sistema ACE procura a neutralidade para escolhas de financiamento, sendo um incentivo fiscal usado em alguns países europeus para empresas que escolhem capital em vez da dívida. Em tese com o ACE, as empresas seriam indiferentes entre financiamento de dívida e de capital próprio, pelo menos no que diz respeito às implicações fiscais corporativas.

Ainda existem incertezas quanto ao modelo final a ser considerado no ACE. Um dos pontos a ser discutido é se o capital social considerado vai ser o total ou apenas aquele integralizado após a promulgação da lei, por exemplo.

Carf: os setores mais impactados

Na última semana, o Senado aprovou o projeto de lei que retoma o voto de qualidade em casos de empate nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Partindo da recuperação da base fiscal, a volta do voto de desempate favorável à União nos julgamentos do Carf deverá ser responsável por impacto positivo de R$ 54,7 bilhões nos cofres públicos.

De acordo com os analistas do JPMorgan é negativa para o setor financeiro, uma vez que bancos e empresas do segmento têm ações judiciais relevantes e alguns desses casos podem ser priorizados à medida que o governo busca mais receitas fiscais.

A proposta, que restaura o voto de desempate a favor do governo em decisões do órgão que julga litígios tributários, tinha sua tramitação acompanhada de perto pelo Executivo por avaliar que ela possibilitará um importante reforço nos recursos do governo federal para o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos estimados em R$ 1,7 trilhão, considerando recursos da União, de estatais e do setor privado. O projeto agora segue à sanção.

“Notavelmente, Itaú ITUB4, Bradesco BBDC4, Banco do Brasil BBAS3, Santander SANB11, BTG BPAC11 e B3 B3SA3 têm mais de R$ 110 bilhões em processos ou aproximadamente 10% do total de R$ 1,1 trilhão em processos fiscais no Carf”, afirmaram Yuri Fernandes e equipe do JPMorgan, conforme relatório enviado a clientes da última quinta-feira (31).

De acordo com os analistas, o Itaú Unibanco tem a maior exposição, de R$ 72,7 bilhões. “Mas notamos que a empresa tem um único caso concentrado que o Itaú venceu no primeiro nível de discussão. B3 B3SA3 aparece em seguida com R$ 12,2 bilhões. Bradesco tem R$ 12,5 bilhões, BTG Pactual R$ 9 bilhões e Santander Brasil SANB11 R$ 6,6 bilhões. Banco do Brasil é o menos exposto, com R$ 2,2 bilhões, acrescentam.

Na visão de Fernandes e equipe, contudo, embora os valores sejam elevados, as empresas não chegarão perto de pagar este montante total por uma série de razões, incluindo que poderão ganhar todos os casos restantes, assim como mais de 90% dos casos não exigem voto de qualidade. Também destacaram que as decisões do Carf não são definitivas, cabendo recurso nos tribunais judiciais.

Os analistas ainda citam que, historicamente, o governo concedeu programas especiais de anistia para acordos que normalmente diminuem substancialmente o valor devido, enquanto o projeto de lei aprovado prevê benefícios de liquidação em casos vinculados.

A equipe do JPMorgan ressalta que desde 2020 empate significava voto de qualidade ao contribuinte, geralmente menos favorável ao governo, enquanto hoje é o contrário.

“O voto de qualidade pode ser relevante e olhando para o caso da B3 em relação às formalidades em torno da amortização do ágio da fusão BM&F + Bovespa, vemos que em três ocasiões o voto de qualidade foi útil”, acrescentaram. Os analistas ressaltaram, contudo, que normalmente mais de 90% das decisões do Carf são baseadas em consenso ou maioria, embora afirmem não terem certeza se os votos expressos são mais frequentes em casos maiores do que em casos menores.

Em outro relatório, o JPMorgan aponta que a Petrobras (PETR4) é ré em R$ 64,7 bilhões de disputas fiscais (estimativa baseada no Formulário de Referência 2022), dos quais R$ 5,7 bilhões e R$ 18 bilhões foram decididos contra a estatal (em dois julgamentos diferentes, em fevereiro e março).

“Como os casos da Petrobras são relevantes, acreditamos que provavelmente serão priorizados, sinalizando também que, além de litígios públicos, poderão haver disputas não públicas somando esse valor. Reconhecemos que é altamente improvável que a Petrobras pague esse valor total, pois pode ganhar esses casos ou recorrer a um tribunal superior em caso de derrota. Mas isso poderia criar ruído para o papel no curto prazo”, aponta o banco.

Por outro lado, se o “efeito Carf” pode ter um impacto negativo para a estatal, o Bradesco BBI avaliou que há um sinal positivo para a Petrobras no Orçamento, uma vez que ele inclui R$ 41,5 bilhões em pagamentos de dividendos ao governo federal provenientes de empresas estatais.

O BBI aponta que, dado que a Petrobras é a maior pagadora de dividendos ao governo federal,  a empresa poderia representar R$ 20-25 bilhões desse valor. Se for considerado o ponto médio dessa faixa (R$ 22,5 bilhões) e dividido pela participação do governo federal (28,7%), chegaria a um pagamento total de dividendos de R$ 78 bilhões para a Petrobras em 2024 (rendimento de 18%).

(com Reuters e Estadão Conteúdo)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.