Depois de semanas de volatilidade, quais cenários se desenham para o mercado após o 2º turno das eleições?

Maior risco seria vitória apertada de Lula, levando à contestação eleitoral; contudo, mais além, a despeito do resultado, avaliação é positiva para Brasil

Lara Rizério

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A última semana na Bolsa antes de ser conhecido o próximo governante do Brasil nos quatro anos seguintes é de forte volatilidade, com o Ibovespa acumulando perdas de 4,4% entre segunda e quinta-feira.  Isso após uma forte recuperação no penúltimo pregão da semana, quando o benchmark da Bolsa subiu 1,66%, um alívio após acumular queda de quase 6% nos três primeiros pregões da semana. Na segunda, o Ibovespa havia caído 3,27%, seguido por baixas de 1,20% e 1,62%.

Até então, nas três primeiras semanas pós primeiro-turno – que mostrou uma disputa mais acirrada do que o esperado entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) para a presidência e um Congresso mais conservador –  foram de ânimo para o Ibovespa, com o índice acumulando ganhos de 9% no acumulado de outubro.

Só a semana passada, que trouxe pesquisas mostrando Bolsonaro mais próximo de Lula, foi de ganhos de 7% para o Ibovespa, melhor desempenho semanal desde novembro de 2020. Petrobras (PETR3;PETR4) renovou máximas histórias, com alta de 12% para a ação ON e de 13% para PN, enquanto o Banco do Brasil (BBAS3) subiu 14% no período. 

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Há uma indicação mais positiva do mercado levando em conta o perfil econômico do governo Bolsonaro, com menor presença do Estado na economia, mais favorável a privatizações, o que se refletiu em ânimo nos pregões quando o presidente e candidato a reeleição avançava contra o petista – e vice-versa.

Já no início desta semana, os ativos das estatais tiveram um baque, com Petrobras e BB perdendo juntas R$ 62,8 bilhões de valor de mercado apenas na última segunda-feira (24). Muito da queda foi atribuída à prisão de Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, no domingo, com repercussões negativas para o candidato à reeleição em um cenário de disputa eleitoral já bastante apertada.

Mas operadores de mercado e bancos já destacavam ser esperado que grandes investidores desmontassem suas posições e ficassem “mais leves” à espera do segundo turno que, para muitos, ainda mostra um cenário binário.

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O Credit Suisse, que na semana passada cortou a recomendação para as ações da Petrobras negociadas nos EUA de equivalente à compra para neutro, destacou em nota a clientes que a petroleira estatal relembrou os investidores nos últimos dias que vivemos em um período de eleição. “Vários estavam com a estratégia de reduzir (posição em Petrobras) entre quarta e quinta desta semana para chegarem com menos riscos no dia 30 [domingo, segundo turno da eleição], mas o caso Roberto Jefferson mudou toda a dinâmica”, apontaram os analistas em nota a clientes.

Enquanto isso, papéis de empresas que são vistas como beneficiárias no caso de vitória de Lula, como educacionais, após forte queda na última semana, acumulam ganhos, com destaque para Yduqs ([ativo=YDUQ3), com avanço de 18,5% entre segunda e quinta-feira. A expectativa é de que, caso Lula saia vencedor da eleição, impulsione o FIES (programa de financiamento estudantil), que teria YDUQ3 como uma das grandes beneficiárias.

Cenários pós-eleições

Analistas de mercado destacam que a aversão ao risco pós-eleição pode variar, a depender de qual será a margem de vitória do vencedor e as sinalizações que serão dadas ao mercado.

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Em nota de estratégia a clientes, o Citi apontou três possibilidade de curto prazo para o segundo turno eleitoral.

O cenário-base destacado na nota é para uma vitória de Lula com uma diferença de 4 pontos percentuais e sem maiores contestações do resultado entre os apoiadores de Bolsonaro.

Se isso se tornar verdade, “os agentes de mercado vão respirar aliviados e os ativos brasileiros podem operar diante de uma incerteza menor”, avaliaram os estrategistas.

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Para o mercado, com os especialistas destacando o cenário de câmbio, uma outra grande variável será o discurso de Lula (positivo ou negativo para o mercado) em caso de vitória. Se ele fizer acenos para o mercado, o dólar ainda subiria, mas cerca de 1%, enquanto um discurso negativo levaria a um salto de 4%.

Os estrategistas de mercados emergentes se atentarão se Lula, visto como o provável vencedor pelo banco, pode apontar seu ministro da Economia, sendo Henrique Meirelles um dos cotados.

Lula já mencionou que ele começará a discutir potenciais nomes na noite após a eleição caso ele vença. “Então, nós podemos ouvir as primeiras menções concretas de quem Lula está considerando para o cargo em seu discurso de vitória, que deve acontecer na mesma noite que os resultados do pleito presidencial forem divulgados [no domingo, 30]. A indicação é de que Lula favoreceria um nome político, que possa conversar com o Congresso”, aponta a nota do Citi.

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Cabe destacar que a falta de detalhamento sobre o programa de Lula na área econômica tem gerado apreensão no mercado, ainda que o petista tenha recebido apoio de economistas  pilares em termos de formulação da política econômica, como o Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Pérsio Arida. Na segunda-feira, Lula participou de evento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) ao lado de Meirelles, o que foi visto como uma sinalização positiva, mas as dúvidas seguem no radar.

De acordo com matéria da Bloomberg desta sexta, citando fontes, além de Meirelles, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha aparece como aposta forte para liderar a equipe econômica em caso de vitória do petista. Enquanto Meirelles seria o “queridinho do mercado”, Padilha estaria mais alinhado com o pensamento econômico do PT. O vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin, e Wellington Dias, ex-governador do Piauí, também foram citados como possíveis escolhas.

Na véspera, a campanha de Lula publicou a “Carta para o Brasil do amanhã”, que foi compreendida como uma tentativa de responder às expectativas de grande parte do empresariado sobre o plano econômico. O Ibovespa chegou a subir 3% na quinta logo após a publicação do documento, mas logo reverteu os ganhos, com a visão de que a carta não trazia nenhuma novidade para além do que já tem sido dito pela campanha.

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“Com relação à responsabilidade fiscal, não há nenhum detalhe sobre qual poderia ser a nova âncora implementada pelo governo, tampouco como seria coberto o déficit orçamentário previsto para 2023, em função da expansão de gastos. Nas nove páginas da carta, há apenas menção a ‘regras claras e realistas’ e a promessa de uma ‘gestão da economia com credibilidade, responsabilidade e previsibilidade'”, destacou em nota a Levante Ideias de Investimentos. Desta forma, a expectativa pelo discurso de Lula caso ele se saia vitorioso segue alta e pode determinar o rumo dos mercados.

Já o cenário de maior risco, aponta o Citi, é de uma decisão apertada, de 1 a 2 pontos percentuais a favor de Lula, fazendo com que os apoiadores de Bolsonaro causem algum barulho.

“Nesse cenário, haverá um inicial e brutal sell-off [venda de ativos], que pode durar de um a três dias, com os agentes de mercado aproveitando o evento para redefinirem suas posições no Brasil”, avalia. Porém, o Citi acrescenta que, ao falar com alguns clientes, veem que muitos enxergariam esse movimento como uma oportunidade para adicionar posições no portfolio.

Além disso, o Citi vê que qualquer tentativa de descredibilizar o processo será barrada pelas instituições do país, de forma que teria impacto apenas passageiro nos mercados financeiros.

Em entrevista à Reuters, Emy Shayo, estrategista de ações do JPMorgan, também apontou que um evento que adie o desfecho da corrida presidencial no Brasil no próximo domingo é uma preocupação dos investidores, destacando que as pessoas querem virar a página da incerteza eleitoral e começar a discutir outros temas.

“Existe uma apreensão dos investidores se o resultado que for vencedor nas urnas será de fato implementado”, afirmou, acrescentando que esse tem sido um dos questionamentos mais proeminentes de investidores estrangeiros – “a repercussão do resultado das eleições após o anúncio”.

Na visão de Emy, a simples conclusão do processo eleitoral, com a definição de quem estará à frente do Palácio do Planalto a partir de 2023, seja Lula ou Bolsonaro, encerra uma incerteza e tende a ser um “super condicionante” de arrefecimento de volatilidade no mercado.

Assim, o ambiente é de tensão para o domingo. Lula tem aparecido com uma distância de Bolsonaro entre 4 e 6 pontos percentuais nas pesquisas de opinião mais tradicionais, mas ainda à sombra dos erros dos levantamentos que, às vésperas do primeiro turno, subestimaram a votação do atual presidente.

Nesta semana, também houve crescente escalada de declarações de Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a autoridade eleitoral, a quem acusa de ser parcial. O quadro eleva temores de adversários e de observadores internacionais de que Bolsonaro siga Donald Trump e conteste o resultado das urnas, em caso de derrota.

O último cenário destacado pelo Citi é no caso de uma vitória de Bolsonaro que, considerando os preços atuais dos ativos (em que embute uma proteção maior por vitória de Lula e temor por turbulência política) e tomando o pós primeiro turno como guia (em que o Ibovespa subiu 5,54% e o dólar caiu mais de 4%), o banco esperaria um desempenho forte dos ativos brasileiros no pós-eleição, com queda de 4% do dólar nesse cenário. Apesar de seguidos ajustes para cima no teto de gastos, além de medidas mirando  a eleição com viés mais populista, a equipe comandada por Paulo Guedes –que seguirá à frente do Ministério da Economia se quiser, segundo Bolsonaro– dispõe de certa confiança para os próximos anos.

Destravando valores

O Citi destaca que, olhando o comportamento dos investidores, notam os locais mais preocupados com o anúncio do ministro da Economia (podendo assim reagir mais fortemente ao anúncio), enquanto os estrangeiros estão atentos a questões macroeconômicas mais abrangentes, sendo que preocupação fiscal segue em destaque.

Cabe destacar que, mesmo na última segunda-feira (24), em dia de sell-off na Bolsa, o investidor estrangeiro ingressou com R$ 245,33 milhões da B3, somando até aquele dia, no mês, saldo positivo em R$ 8,71 bilhões e, no ano, R$ 78,78 bilhões.

Em nota da mesa de operações, o Goldman Sachs apontou possíveis cenários de entrada de capital no Brasil pós eleições para as ações. A despeito de cenários bastante díspares, veem um potencial para destravar US$ 15 bilhões a US$ 30 bilhões de estrangeiros e US$ 20 bilhões de locais no médio prazo após as eleições. Isso supondo que as condições macro não se deteriorem muito e que haja uma transição suave de poder, o que levaria a uma entrada de estrangeiros, com os locais provavelmente aumentando os aportes à medida que o ciclo de flexibilização da política monetária se materializa (com cortes da Selic projetados para o ano que vem).

B3 (B3SA3): como o desfecho das eleições pode destravar valor para a ação da Bolsa

Em relatório do último dia 19, o JPMorgan destacou estar positivo com o Brasil, com fatores como crescimento econômico e a chance de queda da Selic no ano que vem apoiando uma visão construtiva para a Bolsa, independentemente do resultado da eleições. Isso ainda que não descartando “possíveis contratempos, considerando as muitas incertezas remanescentes no cenário político”.

No podcast Stock Pickers da última quinta-feira (veja abaixo, a partir de 1h11), Bruno Cordeiro, sócio e gestor da Kapitalo, destacou que o Brasil não está tão barato mas, na comparação com os outros países emergentes, está bem mais atrativo e conta com uma posição geopolítica muito favorável.

Um outro ponto que traz otimismo ao gestor é o fato de que os fundos não têm uma grande posição em Brasil. Assim, acredita que, com uma agenda “decente”, com arcabouço fiscal desenhado, os ativos do país têm uma assimetria positiva.

Cordeiro avalia a questão fiscal como desafiadora do ponto de vista macro, assim como o cenário inflacionário: “o investidor não gosta de país emergente com a inflação muito alta”. Contudo, a última leitura do IPCA-15 de outubro, com uma desaceleração dos núcleos, mostrou uma leitura boa para os preços o que, associada a uma agenda positiva do próximo presidente, pode levar os ativos brasileiros a registrarem um bom desempenho.

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Sobre possíveis fortes oscilações no dia seguinte pós-eleição, Cordeiro avalia que não tem pressa em “capturar” movimentos pontuais do mercado, uma vez que a relação risco-retorno pode ser melhor passado o momento inicial de euforia ou queda dos ativos no calor dos acontecimentos.

Dito isso, com uma fotografia do país melhor e uma baixa alocação de fundos no Brasil, a Kapitalo já fez uma posição tática no país. “Não é que achamos [o Brasil] muito barato no absoluto, mas em relação aos pares está com um bom aspecto, mesmo o cenário externo não ajudando”.

Rodrigo Glatt, sócio da gestora GTI Invest, destaca que, a despeito da volatilidade de curto prazo do cenário eleitoral, tem um cenário positivo para a Bolsa ao longo dos próximos meses, dado que há empresas com valuations extremamente descontados.

O gestor destaca que a taxa básica de juros pode começar a ser cortada no segundo trimestre do ano que vem, o que pode impulsionar papéis ligados à economia doméstica. Entre os papéis visto como baratos, Glatt cita a holding de logística e concessões Simpar (SIMH3), da varejista Guararapes (GUAR3) e da operadora de shoppings brMalls (BRML3).

Desta forma, a visão para o Brasil é majoritariamente positiva, ainda que se espere fortes emoções na próxima segunda-feira. As atenções estarão voltadas para temas como o discurso do vencedor e impacto para as ações de empresas específicas na Bolsa, com destaque para as estatais Petrobras (PETR3;PETR4) e Banco do Brasil (BBAS3) e para as educacionais, que foram destaque de volatilidade nos últimos pregões, com as primeiras se beneficiando com o cenário de Bolsonaro eleito e o segundo grupo com maior potencial com Lula.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.