Como as ações e os setores da bolsa se comportaram na primeira semana do governo Lula?

Desencontros de falas e medidas de impacto trouxeram volatilidade a muitos papéis na bolsa

Rodrigo Petry

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Foi uma largada de ano, literalmente, de altas e baixas para a bolsa brasileira. Apesar de fechar a primeira semana de 2023 e do governo do presidente Lula, em queda de 0,7%, aos 108,9 mil pontos, o saldo final pode até ser considerado positivo – dada tamanha volatilidade que aconteceu em poucos dias.

Após uma série de decretos e medidas provisórias, a bolsa largou a semana com forte perda, chegando a recuar até os 103,9 mil pontos, na mínima da semana, na quarta-feira.

Junto, derrubou a cotação de ações de diversos setores, de combustíveis, bancos, saneamento e estatais.

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Entretanto, a bolsa se recuperou. Isso aconteceu logo após as falas do futuro presidente da Petrobras (PETR3;PETR4), Jean Paul Prates, descartando intervenção nos preços.

A declaração de Prates trouxe alívio ao mercado. Mas não foi a única.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, foi escalado, no meio da semana, para afirmar que o governo não está avaliando a revisão de reformas.

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O comentário aconteceu por conta das falas do novo ministro da Previdência, Carlos Lupi, em sua posse, sinalizando que poderia ser revista a reforma da Previdência, de 2019.

Repercussões

“A reação às primeiras medidas do governo foram muito negativas, levando a uma piora na percepção de risco, com um maior desalinhamento entre o mercado e o governo”, diz João Lucas Tonello, analista de Investimentos da Benndorf Research.

Segundo ele, contribuíram para a piora na percepção sobre o novo governo as “medidas populistas mais ortodoxas”, que minaram a confiança no arcabouço fiscal, além do cancelamento de “medidas positivas realizadas pelo antigo governo”, como os processos de privatização.

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Para Enrico Cozzolino, sócio e head de análise da Levante Investimentos, as medidas e as falas iniciais do governo podem ser classificadas como “catastróficas” e “ruins”, que elevaram a percepção de risco.

“Vimos bastante volatilidade (na semana), com variação muito elevada de muitos papéis”, disse.

“De maneira geral, a percepção dos mercados é negativa”, afirmou Luan Alves analista-chefe da VG Research, acrescentando que, desde o governo de transição, Lula tem adotado “um tom beligerante, diferente daquele praticado durante os seus dois primeiros governos durante os quais quais tratou o mercado financeiro de maneira mais pragmática e amigável”.

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Entretanto, Alves pontuou que, dentro do grande número de sinalizações negativas do governo como um todo, existem alguns ruídos.

Não por acaso esse foi um dos pontos tratados na primeira reunião ministerial do governo nesta sexta-feira: acertar os ponteiros de posicionamento e discursos.

“Comentários e observações de integrantes dos ministério não são condições suficientes para implementação de políticas públicas ou de mudanças regulatórias, que passariam tanto pelo Presidente da República quanto pelo Congresso”, acrescentou Alves.

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Ações

Sobre o desempenho das ações nesta semana, o especialista da VG Research ressalta que o mercado, de maneira geral, já estava em queda, mas as empresas estatais, mais suscetíveis a riscos políticos, registraram uma maior volatilidade no início de 2023.

“A intenção do governo eleito em prorrogar a isenção dos impostos sobre os combustíveis, instituída pelo governo Bolsonaro, tem penalizado, nos últimos pregões, as cotações de empresas que operam o setor de etanol como Cosan, Jalles Machado e São Martinho, por exemplo”, disse.

Enquanto isso, os papéis com bom desempenho nesta primeira semana foram por questões alheias ao governo, como pela demanda externa, de commodities, como papel e celulose, mineração e siderurgia, beneficiadas, seja pelo dólar em alta ou abertura econômica chinesa, após os piores momento da Covid.

“Contamos com muitas empresas de bastante valor, muito descontadas, baratas, como os bancos”, acrescenta Cozzolino, em referência a fatores que podem levar investidores às compras.

Veja agora um resumo de como as primeiras medidas e falas do governo Lula impactaram os setores e as empresas da bolsa:

Açúcar e Álcool

As empresas do setor de açúcar e álcool estiveram entre as maiores quedas da semana, com São Martinho (SMTO3) liderando as quedas, com 14,97% de perdas, seguida pela Raízen (RAIZ4), com menos 13,90%.

“A decisão do recém-empossado governo Lula de estender a isenção do imposto sobre combustíveis por mais 60 dias é a razão por trás disso”, escreveu o Morgan Stanley em relatório sobre o desempenho da São Martinho nos primeiros pregões de 2023.

Na análise, o Morgan ressalta os riscos associados a possíveis políticas do novo governo, como, por exemplo, mudanças no código tributário ou nos regulamentos, o que justifica parte dessa queda dos ativos.

Especialmente nos preços do etanol, a expectativa é de que a medida possa levar à um aumento de sua relação frente aos preços da gasolina, atualmente entre 77% e 78%. Cabe ressaltar que o etanol se torna vantajoso quando vale menos de 70% da gasolina.

A reação aconteceu ainda por parte da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), que externou ao governo seu descontentamento, pediu explicações e ameaçou ir à Justiça.

Bancos

Outro setor que balançou na primeira semana do governo Lula foi o financeiro. Ao assumir o Ministério da Previdência, Carlos Luppi, na terça-feira (3), disse considerar altos os juros do crédito consignado, destinado aos aposentados do INSS.

Presente na posse, o recado acertou em cheio o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, que tratou de se colocar à disposição de Lupi para mostrar o funcionamento do mercado para o ministro.

Para o mercado, a mensagem foi uma manifestação de possível intervenção nas taxas, já que os juros contam com fatores estruturais e técnicos, para formação dos spreads bancários.

No dia seguinte, Sidney já se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em uma visita de cortesia, onde passou ao governo um panorama do mercado de crédito. E, com certeza, manifestou os receios do setor.

Teto rotativo e renegociação de dívidas

Outros dois itens que devem ficar no radar dos investidores são projetos que buscam instituir um teto dos juros no crédito rotativo, além do próprio programa de renegociação de dívidas, que o governo pretende implementar.

Para o Itaú BBA, ainda há um longo caminho até a aprovação do projeto do teto do rotativo, mas, caso aprovado, “teria um impacto negativo para o negócio de cartão dos bancos e impactos indiretos em outras linhas de crédito e serviços”, avaliam.

Índice Financeiro

O índice financeiro da bolsa (IFNC), após cair quase 5%, no meio da semana, fechou o período com queda de quase 1%.

IFNC se recuperou das mínimas do meio da semana

Entre os bancos, o que teve o pior desempenho na semana foi o Bradesco (BBDC4), com menos 0,5%; Santander (SANB11) avançou 3,8%.

Estatais

Mais um conjunto de empresas que balançou foi de estatais. Considerando empresas com fatia do governo, as empresas perderam R$ 31,167 bilhões em valor de mercado no primeiro pregão de 2023.

Veja os desempenhos individuais no dia 2 de janeiro:

Um fator adicional aconteceu para Petrobras e Banco do Brasil. Na virada do ano, o governo indicou mudanças no alto comando das duas empresas e indicou, na Petrobras, o senador Jean Paul Prates; e na Caixa, Tarciana Medeiros.

Ao final da semana, as ações da Petrobras preferenciais encerraram com queda de 3,1%; as ordinárias e preferenciais, respectivamente, da Eletrobras, com quedas de 2,6% e 2,4%; da Caixa Seguridade cederam 3,4%; enquanto as do Banco do Brasil subiram 0,9%.

Petrobras

Especialmente na Petrobras, o humor com as ações da empresa se reverteu após falas de Prates, na quarta (4), afirmando que não haverá intervenção nos preços dos combustíveis da estatal, fazendo as ações da empresa dispararem – após se aproximarem das mínimas da semana.

Conforme ele, o fato de dizer que vai acabar com o preço de paridade de importação (PPI) “não quer dizer absolutamente que você vai se desvincular das oscilações internacionais”.

“Apenas que você vai usar mais o fato de você produzir domesticamente em favor da economia brasileira”, acrescentou.

Veja as variações da ações (PETR4) da Petrobras na semana 

Saneamento

Outro setor com volatilidade na primeira semana do governo Lula foi o de saneamento, após medida provisória que retirava a regulamentação do setor das atribuições da Agência Nacional de Águas (ANA).

Diante das reações do setor e do mercado, a Casa Civil resolveu revisar as medidas anunciadas.

Entretanto, o governo pretende fazer uma discussão sobre o novo marco do setor, aprovado e sancionado pelo governo Bolsonaro.

Mesmo com o recuo e a melhora do valor de mercado das empresas, os principais papéis do setor fecharam a semana em baixa: Sabesp (SBSP3), -3,9%; Copasa (CSMG3), -2,8%; Sanepar (SAPR4), -1,5%.

Armas

Por fim, em um de seus primeiros atos, o governo editou um decreto revogando normas que facilitam o acesso a armas de fogo, como registros para aquisição, transferência e novas concessões para uso de armas.

O decreto acabou acertando a Taurus (TASA4), já que o uso desse mecanismo não era esperado. Em comunicado publicado no último balanço, a Taurus avaliava que “não era uma característica desse governo (do PT) legislar por decreto”.

O que pode amenizar o impacto da maior restrição à venda no território nacional, porém, é o exterior. De janeiro a setembro do ano passado, R$ 1,290 bilhões da receita vinha do mercado exterior e cerca de metade do interno, com R$ 652 milhões.

Apesar da queda inicial, as ações da Taurus recuperaram parte das perdas, mas não o suficiente para terminar a semana em queda, de 6,3%, a R$ 12,5o.

A favor da empresa está o pagamento de dividendos, que pode atingir um dividend yield (dividendo em relação ao preço da ação) de cerca de 15%.