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Segundo juiz, regra da nova Previdência caracteriza confisco fiscal

Juiz federal considera inconstitucional a cobrança de alíquotas maiores para servidores de alta renda. Se o mesmo critério for aplicado a outros países, o sistema tributário das maiores economias do mundo seria considerado confiscatório
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Nota: Uma versão anterior deste texto trazia a manchete: “Juiz beneficia a si mesmo. E sabota a reforma da previdência”, sem esclarecer que o juiz Renato Borelli não é associado à AJUFE e não é beneficiado diretamente por sua decisão. Mudamos o título e também essa parte do texto. Também retiramos a expressão “poder de lobby” e o verbo “anula” do texto para evitar interpretações imprecisas.

Com a pandemia do novo coronavírus, boa parte dos outros assuntos foram esquecidos. Lembra de quando discutíamos a reforma da previdência? Por um bom tempo, foi o tema central do debate público brasileiro. Todos discutíamos a importância do combate aos privilégios e de reformas que tornassem mais eficientes as políticas sociais do estado brasileiro. Nos últimos meses, esquecemos o assunto – e grupos privilegiados, como a AJUFE, se aproveitaram disso.

AJUFE é a Associação de Juízes Federais do Brasil. Um grupo cujos membros integram o 1% mais rico da população brasileira, além de possuírem um invejável poder de influência. Recentemente, uma  liminar concedida pelo juiz federal Renato Borelli dispensou seus associados de arcar com uma das mudanças da reforma da Previdência.

A reforma aprovada no ano passado previa um regime de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária dos servidores. Traduzindo do economês para o português, isso significa que quem ganha mais contribuiria mais para a previdência. Quanto maior o salário do servidor, maior a alíquota de contribuição.

Antes da reforma, a contribuição dos servidores era equivalente a 11% do salário integral, no caso de quem entrou no serviço público antes de 2013, ou 11% do teto do INSS, no caso de quem entrou depois. Após a reforma, cada faixa de salário paga uma alíquota diferente, que começa em 7,5% e chega a 22% na faixa de salário que exceder R$ 40797,20.

Vale lembrar que as novas alíquotas funcionam de maneira similar ao Imposto de Renda. Isto é, apesar da alíquota marginal máxima ser de 22%, esta porcentagem não incide sobre todo o salário – ou seja, não é esta a alíquota efetivamente paga pelos servidores de alta renda.

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Por exemplo, um servidor com salário de R$ 22 mil teria uma alíquota marginal máxima de 19%, mas a alíquota efetivamente paga por ele (o valor da contribuição total, dividido pelo salário) está ao redor de 15%. O gráfico abaixo apresenta a alíquota efetiva paga pelo servidor (eixo vertical) conforme o salário dele (eixo horizontal).

 

Segundo decisão liminar do juiz federal Renato Borelli, esse sistema de alíquotas progressivas representa “confisco” da remuneração. O efeito da liminar é restrito aos associados da AJUFE. Eis o que diz a sentença em seu argumento principal:

Em alguns casos, a carga tributária, considerando a soma da alíquota efetiva da contribuição previdenciária com o imposto de renda incidente sobre o vencimento ou o provento, ultrapassa o percentual de 40% (quarenta por cento) da renda mensal. Feitas estas ponderações, (…) não se pode considerar razoável uma tributação que alcança quase a metade dos vencimentos ou proventos dos servidores e pensionistas.”

De acordo com o critério do juiz Renato Borelli, os seguintes países possuem um sistema tributário de caráter confiscatório: Suécia, Japão, Dinamarca, França, Áustria, Grécia, Canadá, Holanda, Israel, Finlândia, Irlanda, Alemanha, Portugal, Austrália, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido, Islândia, Estados Unidos, Espanha, Coreia do Sul, Itália, Eslovênia, Suíça, Noruega, Turquia e Letônia.

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Dados da OCDE indicam que todos os países citados aplicam alíquotas que superam 40% na soma do imposto de renda com a contribuição previdenciária. Ou o mundo inteiro adota práticas tributárias absurdas, ou a decisão liminar de Renato Borelli é absurda.

Não há posição no espectro ideológico que comporte a visão do juiz neste caso. Para um cidadão de inclinação socialista, a decisão cria uma jurisprudência que pode até inviabilizar reformas que cobrem maiores impostos dos trabalhadores de alta renda. Para um liberal, a decisão aumenta as transferências do Estado para servidores privilegiados e favorece a irresponsabilidade fiscal.

Durante muitas décadas, o Brasil teve um sistema previdenciário que transferia aos servidores de alta renda muito mais do que eles contribuíram ao longo da carreira. Tais desequilíbrios levaram a uma situação na qual o financiamento de todas as outras políticas públicas era sufocado por uma previdência descontrolada. Estranhamente, o Judiciário jamais viu tal injustiça como confisco. Como cidadão, tenho direito de indagar por que o senso de justiça da AJUFE floresceu apenas agora, em benefício dos juízes federais.

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Também é importante notar que a decisão monocrática do juiz Renato Borelli se sobrepõe à decisão colegiada do Congresso Nacional. A reforma da previdência foi aprovada por maioria qualificada em dois turnos das duas casas parlamentares. Deputados e senadores possuem a legitimidade do voto. Não é razoável que um magistrado, sem apoio de pelo menos um colegiado, tenha o poder de questionar o que foi decidido pelos legítimos representantes do povo brasileiro. Concurso público não é eleição.

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A decisão já está sendo contestada em instâncias superiores, como o STF. De todo modo, o caso demonstra alguns dos grandes defeitos do Judiciário brasileiro, com decisões monocráticas que violam a separação de poderes e geram insegurança jurídica, sem qualquer punição para magistrados que causam grandes danos ao país.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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