As ambições olímpicas do Brasil

Mark Mobius comenta suas experiências com a cultura brasileira no Rio de Janeiro, tendo como pano de fundo os preparativos para os Jogos Olímpicos e sua relação com o desenvolvimento da cidade.
Por  Mark Mobius
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O Brasil tem estado nos holofotes nos últimos anos por razões políticas e econômicas, e também por razões esportivas, já que será o anfitrião dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, em agosto.  O Brasil já está acostumado a ser anfitrião de grandes eventos internacionais, incluindo a Copa do Mundo da FIFA do ano passado, assim como seu famoso carnaval, uma celebração anual que atrai turistas do mundo inteiro. Eu tive a sorte de estar no Rio de Janeiro novamente este ano durante o carnaval e pude medir o humor do povo brasileiro, diante do que tem sido a pior recessão no Brasil em décadas. Eu também pude visitar alguns dos locais planejados para a Olimpíada e ver as preparações que estão sendo feitas para o esperado fluxo de atletas e espectadores.

Celebrando o carnaval

Quando eu cheguei na praia de Copacabana, as festividades do carnaval já estavam em andamento.  Apesar da péssima situação econômica no Brasil (o produto interno bruto encolheu 3,8% em 2015 e um número negativo parecido é esperado para este ano), parecia que todo mundo estava pronto para fazer festa e se divertir. Nas ruas do Rio havia blocos de carnaval, com multidões de pessoas dançando, desde algumas centenas até mais de um milhão de pessoas. As ruas ao longo do trajeto do desfile tinham trios elétricos com dançarinos e cantoras, com imensos alto-falantes tocando música bem alto.

No carnaval, os grupos que desfilam são chamados de “escolas” porque os primeiros praticavam ao lado de uma escola. O Rio tem mais de 70 escolas de samba, que escolhem temas, escrevem músicas e letras, fazem fantasias e carros alegóricos, além de treinarem o ano todo para serem bem sucedidas nos desfiles. Elas são classificadas de acordo com uma rigorosa hierarquia, organizada em diferentes ligas competitivas. Quando um desfile dessas escolas termina, um grupo de garis com uniforme laranja passa com grandes vassouras e varredoras motorizadas, para limpar a avenida para a próxima escola. Os brasileiros são otimistas por natureza, e com frequência conseguem tirar o melhor de uma péssima situação ou de uma tarefa insignificante e sem graça. Houve um ano em que eu vi um dos garis brincando com sua vassoura, dançando em volta dela, fazendo-a ficar em pé e, em geral, se divertindo. A multidão adorou e ele se tornou parte do entretenimento.   Este ano, a ameaça do Zika vírus não parece ter desanimado as pessoas. Havia fantasias coloridas do Zika vírus e eu até vi um carro alegórico com o tema do Zika.  Daquilo que presenciamos, chamar o povo brasileiro de “deprimido” ou “infeliz”, em função do que está enfrentando, não seria correto.

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Tendo dito isso, a atitude feliz e despreocupada que os brasileiros, ou pelo menos os Cariocas (as pessoas do Rio) demonstram pode ser enganosa. Eu também constatei que as pessoas são muito trabalhadoras e dispostas a enfrentarem os desafios.  Quando o Brasil foi selecionado para ser o anfitrião da Copa do Mundo da FIFA, em 2015, muitas pessoas duvidaram que os brasileiros poderiam atender os prazos de construção e se preparar adequadamente para as multidões.  Eu não duvidei por um minuto que eles conseguiriam, porque eu havia visto os desfiles de carnaval no Sambódromo do Rio onde, das sete da noite até as sete da manhã seguinte, milhares de dançarinos, músicos e enormes carros alegóricos passaram em frente aos fãs e torcedores de maneira organizada e disciplinada, seguindo rigorosos limites de tempo. Eu pensei que se os brasileiros conseguem organizar este evento todos os anos, então eles conseguem lidar com os grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas.

Visões, sons — e cheiros — do Rio

O Rio é importante para o Brasil, não somente por causa do famoso carnaval (que, na minha opinião, é o melhor show da Terra), mas também porque é a sede de várias importantes empresas, mesmo que São Paulo seja considerado o centro industrial e bancário do país. O Rio também tem uma história importante, já que foi a capital do país antes deste título ser passado para a ultramoderna Brasília, que conta com prédios exclusivos, projetados pelo famoso arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer.

No início do século XVI, quando os exploradores portugueses entraram na baía de Guanabara, no Rio, e encontraram as enormes montanhas arredondadas, eles as chamaram de Pão de Açúcar.    Naquela época, o açúcar era colocado em moldes de barro de formato cônico para ser transportado em navios, lembrando os picos das montanhas do Rio. A baía de Guanabara tem se tornando um ponto de controvérsia recentemente, por algo um pouco mais desagradável. No fim de semana, estávamos andando de bicicleta no calçadão da linda praia de areias brancas de Botafogo, na baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar ao fundo.  Sentimos um terrível cheiro podre causado pela intensa poluição da baía, razão pela qual não havia ninguém na praia.  Houve vários derramamentos de petróleo na baía e, em um caso, 1,3 milhão de litros vazou de um oleoduto submarino, destruindo grandes áreas do ecossistema dos mangues, na baía.  Além disso, as comunidades próximas estão descartando esgoto na baía. As competições de vela dos futuros Jogos Olímpicos estão programadas para acontecer na baía, e estamos nos questionando se o governo conseguirá limpar tudo, mesmo com a ajuda de especialistas holandeses. 

Apesar disso, existem muitos locais na cidade que são famosos por outras razões e que valem a pena visitar. Dirigindo por aproximadamente meia hora ao longo da costa do Rio, também passamos pelo bairro da Barra, com muitos prédios altos de apartamentos de luxo ao longo de uma larga praia, onde as ondas quebram nas areias brancas que se estendem por quilômetros.  Vimos muitos kitesurfers no mar, voando pelo ar ao pegarem ondas.  Considerando que deve haver milhares de tais apartamentos na Barra, fica óbvio que muitos Cariocas são ricos e desfrutam de um estilo de vida luxuoso.

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Atrás dos prédios de apartamentos havia shoppings com todas as grifes famosas e várias opções de alimentação, desde o fast food até restaurantes de alto nível. Um shopping é chamado de “New York City Center” e tem uma enorme estátua da liberdade na frente. No shopping, assistimos ao filme “Deadpool”, uma sátira de um personagem da Marvel. O filme tinha legendas em português, mas constantemente fazia referência a atores, personagens e momentos da televisão americana, do teatro, dos vídeos games e dos filmes, que eu imaginei que uma plateia estrangeira não entenderia. Fiquei surpreso ao ver que a plateia inteira, basicamente composta de jovens brasileiros, ria às gargalhada durante todo o filme, enquanto eu mal conseguia entender metade das piadas. Isso me fez compreender no que a cultura global tem se transformado, e como os jovens do mundo estão sendo expostos a muito mais do que eu fui exposto na minha juventude.

As ambições olímpicas do Brasil

Do shopping, fomos em direção ao local das Olimpíadas de 2016, a Arena HSBC (cujo nome talvez mude para Arena Bradesco, uma vez que o banco Bradesco recentemente adquiriu as operações do HSBC no Brasil). Dirigimos ao longo de um mar de rodovias, que nos levavam até a vila Olímpica. Havia pelo menos sete estádios e arenas na área.   A arena de handebol tinha uma placa dizendo que ela custou 158 milhões de reais (a moeda brasileira), ou aproximadamente US$ 42 milhões, para ser construída. Obviamente, esse tipo de gasto tem chamado a atenção dos críticos, dadas as péssimas condições da economia brasileira. Em uma cerca de madeira, vimos pichações de protesto onde se lia “Lava Jato Olímpico”, vinculando os gastos com a olimpíada ao escândalo de corrupção da Lava Jato.  Algumas pessoas reclamam que seus impostos estão sendo desperdiçados. Se o Brasil conseguirá recuperar os investimentos voltados à olimpíada com o aumento do turismo, ainda está para ser visto, mas o Brasil terá a oportunidade de brilhar, e com sorte, aproveitar os jogos para gerar mais notícia positiva e uma boa imagem.

Não muito longe da área olímpica, passamos pela Cidade de Deus (“City of God”), uma área de habitações populares de prédios baixos para a população de baixa renda construída em 1960, em um esforço para levar as pessoas pobres das favelas no centro do Rio para os subúrbios. Aproximadamente 40.000 pessoas de baixa renda vivem nesta área. Ela serviu de inspiração para o filme “Cidade de Deus” sobre a violência infantil nas áreas mais pobres do Rio, que eu achei muito doloroso de assistir. Por muito tempo, a área era considerada a parte mais perigosa do Rio, um grande contraste com o bairro litorâneo de alta renda, a uns 15 minutos de carro dali.

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Além de construir instalações olímpicas, o Rio tem se dedicado a um amplo programa de empreendimentos públicos e de embelezamento. Um dos projetos foi o rejuvenescimento da área portuária, na parte antiga do centro da cidade, que estava abandonada e com o acesso impedido por uma feia rodovia elevada. A rodovia foi demolida e o trânsito redirecionado para túneis subterrâneos. A área não obstruída, virada para a baía, é o local do maravilhoso, novo e moderno Museu do Amanhã, projetado por Santiago Calatrava Valls, arquiteto, engenheiro estrutural, escultor, pintor e projetista espanhol neofuturista. Eu tive a satisfação de visitar o seu complexo dramático, a Cidade das Artes e Ciências, em Valência, na Espanha. Ele também projetou a espetacular estação de trens do One World Trade Center em Nova York.   Aberto em dezembro de 2015, o Museu do Amanhã do Brasil é uma aparição branca de aço e concreto, com um telhado branco que parece voar e piscinas para recolher a água da chuva para o sistema hidráulico, além de naturalmente filtrar água da baia.   O museu é bem visitado, e tivemos que aguardar na fila por cerca de meia hora para entrar. Achamos que valeu a espera, pois o museu é cheio de fascinantes exposições interativas sobre a natureza, o ambiente, a população etc. 

Reprimindo a corrupção

Apesar de seus ricos recursos naturais, imenso território e grande população, a excessiva burocracia custa à economia brasileira bilhões de dólares a cada ano e está impedindo que o país alcance seu potencial econômico. De acordo com o líder da maior associação industrial do país, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a corrupção custa para a economia cerca de US$ 32 bilhões por ano.

Tem havido mais repressão à corrupção nos últimos anos, inclusive a apreensão de altos executivos, banqueiros, políticos e outros. Em um caso, um suspeito usou seu jato particular para se entregar, horas antes de sua apreensão em uma suíte de hotel, na praia de Ipanema, no Rio, para evitar o constrangimento de ser levado em algemas. Depoimentos foram gravados em vídeo e postados on-line para todos no Brasil e no mundo assistirem. Obviamente, o setor financeiro foi afetado pelos escândalos e a apreensão do principal executivo de um dos maiores bancos de investimento do Brasil chegou a ameaçar a liquidez do sistema, uma vez que a instituição não apenas era o principal banco de investimento, mas também a principal corretora.

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Arregaçando as mangas no Rio

É importante lembrar que, assim como vários países no mundo, o Brasil está tentando desenvolver uma estrutura política e econômica viável, e esse tipo de transição nem sempre acontece de forma tranquila. Entre 1964 e 1985, o país foi comandado por uma ditadura militar e um de seus legados foi a legislação que deu às empreiteiras brasileiras um monopólio sobre os contratos públicos, eliminando a concorrência estrangeira e oferecendo benefícios fiscais e crédito subsidiado.   Porém, as coisas parecem que lentamente estão mudando, e algumas das empresas que visitamos no Rio pintaram uma imagem mais otimista para o futuro.

As nossas visitas a empresas incluíram a sede de uma grande rede de varejo que atua com mercadoria de baixo preço, como biscoitos, balas, CDs, roupas, brinquedos, eletrônicos e outros produtos de utilidade doméstica. Os diretores da empresa disseram que, apesar do ambiente macroeconômico negativo do Brasil, o seu modelo de baixo preço tem ajudado a empresa a se manter resiliente em termos de vendas, o que acelerou o ritmo de expansão no país. Eles nos falaram com orgulho que não aceitavam desculpas por períodos de baixa performance e não se escondiam atrás de mau tempo ou problemas macroeconômicos como desculpa por vendas fracas. Em vez disso, estavam focados em como aumentar as vendas nas lojas físicas e on-line, e começaram a acrescentar mais produtos de marca própria, o que ajuda a aumentar as margens de lucro, assim como a pressionar os fornecedores para oferecerem preços mais baixos. Também começaram a oferecer a opção do cliente buscar a mercadoria na loja. Também estavam orgulhosos do fato de que todos os atuais gerentes de lojas haviam sido treinados na empresa. Quando abrem uma loja nova, disseram que levam gerentes de nível mais júnior das equipes existentes para a nova loja.

Isso me anima como investidor e é só mais um exemplo de como as empresas continuam trabalhando com seriedade e podem, de fato, superar um ambiente econômico e político negativo.  Eu acredito que o país superará a atual turbulência e emergirá novamente no futuro como um país reformado e de alto crescimento.

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Mark Mobius Possui mais de 40 anos de atuação em mercados emergentes em todo o mundo e atualmente é o presidente-executivo da Templeton Emerging Markets Group. Ao longo de sua carreira recebeu diversas premiações, com destaque para uma das 50 pessoas mais influentes do mundo pela revista Bloomberg Markets, em 2011; e uma das 100 pessoas mais poderosas e influentes, pela Asiamoney, em 2006. Formado pela Boston University, é Ph.D. em economia e ciências políticas pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

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