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As ameaças de bomba-relógio na energia em 2021 seguem presentes, mesmo após discurso de Silva e Luna

Apesar do discurso conciliatório de Joaquim Silva e Luna, militarização da Petrobras e falas recentes de Bolsonaro acendem o alerta sobre represamento de preços na energia
Por  Adriano Pires -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Entra governo, sai governo e a tradição de se criar bombas-relógio no setor de energia continua em cena. Agora não poderia ser diferente, ainda mais com a aproximação das eleições presidenciais de 2022.

As bombas-relógio ganharam força durante a pandemia diante da necessidade de combater o crescimento da inflação. Segundo os dados mais recentes do IBGE, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulou alta de 2,05% no ano de 2021 até março e de 6,10% nos últimos 12 meses encerrados em março. Os principais impactos vieram dos aumentos nos preços de combustíveis, que subiram 11,23% só no terceiro mês do ano, e do gás de botijão, com alta de 4,98%.

Ao observar o acumulado de 2021 até março, o preço médio ao consumidor do diesel subiu 18%, o da gasolina 23% e o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), 11%.

As tarifas de energia elétrica também vão pesar no bolso dos consumidores neste ano. Os reservatórios hídricos do Sudeste estão encerrando o período úmido, do final de março, com um nível de 35%, o menor dos últimos 90 anos. No ano passado, o nível era de 52% no fim de março. Isso indica que as térmicas deverão ficar ligadas durante boa parte do ano e a probabilidade de termos bandeira vermelha prevalecendo é muito grande em 2021. Sem falar no gás natural, que vai ter um aumento dado pela Petrobras (PETR4) de 39% a partir do início de maio.

Diante desse cenário, aumenta o risco de ingerência nos preços da energia. Algumas medidas já foram tomadas, como a isenção de PIS/CONFINS no diesel por dois meses (março e abril). A mesma medida foi aplicada ao preço do botijão de gás, mas por tempo indefinido. No caso do setor elétrico, foi publicado um Decreto que difere a tarifa da Usina de Itaipu, que está atrelada ao dólar. Também vai ajudar a represar os aumentos a “conta Covid”, criada no ano passado para as distribuidoras de energia, e agora vamos ver qual será a solução para os reajustes das distribuidoras que têm o IGP-M como indexador.

O fato real é que as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre os preços da energia têm assustado o mercado. A mais recente foi a de que o aumento de 39%, anunciado pela Petrobras para o gás natural a partir do início de maio, seria “inadmissível”. O presidente fala da necessidade de previsibilidade para a política de preços da energia e sempre que pode acusa os estados de terem uma ¨sanha arrecadatória¨ – ao mesmo tempo em que sempre garante que não vai interferir nos preços.

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Na realidade, tudo vai depender, no caso dos combustíveis, do comportamento do preço do petróleo e da taxa de câmbio, que neste início de 2021 pressionaram – e vêm pressionando -, o preço dos combustíveis no mercado doméstico. No caso do setor elétrico, tudo dependerá do nível dos reservatórios das hidrelétricas e do crescimento da economia.

O temor é de que a velha história de intervenção nos preços da energia, criando bombas-relógio, principalmente com a aproximação do calendário eleitoral, se repita. Entre 2011 e 2014, a intervenção do governo da ex-presidente Dilma Rousseff na política de preços da Petrobras causou um rombo no caixa na companhia de cerca de US$ 40 bilhões, além de uma multa de US$ 3 bilhões aplicada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

A intervenção nos preços não se restringiu aos combustíveis. O setor elétrico até hoje sofre os efeitos da Lei 12.783/2013, oriunda da conhecida MP 579/2012. Na ocasião, a Lei obrigou as empresas de geração e transmissão de energia a antecipar a renovação de suas concessões, condicionado a antecipação à redução de 20% nas tarifas de eletricidade. Ao reduzir as tarifas de forma artificial, a medida sinalizou erroneamente uma abundância de recursos hídricos, resultando nos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que não se recuperaram até hoje. Isso causou um rombo de R$ 100 bilhões e o “tarifaço de 2015”.

Entretanto, apesar de quase quebrar o setor elétrico e a Petrobras com essas políticas populistas, a ex-presidente Dilma se reelegeu em 2014.

As recentes ações do atual governo, bem como as declarações do presidente Bolsonaro ampliam as preocupações com o futuro do setor. Tudo está levando a crer que as medidas do governo estão se espelhando no que aconteceu em governos anteriores, na busca da reeleição. E aí a aposta poderá ser no represamento dos preços, criando bombas-relógio que em algum momento vão estourar.

A posse do novo presidente da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna, chamou atenção por três pontos. O primeiro é pela simbologia da foto de posse com a presença de quatro militares: Silva e Luna e os almirantes Bento Albuquerque, Eduardo Barcelos e Rodolfo Saboya. Ela representa a volta da militarização do setor de óleo e gás natural.

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A segunda é quando o novo presidente fala em reduzir a volatilidade e dar previsibilidade aos preços dos combustíveis. Quem determina a volatilidade é o preço do barril no mercado internacional e o câmbio. Ambos não estão no controle da Petrobras.

Quanto à previsibilidade, talvez ele esteja considerando a ideia de fixar períodos para os reajustes a cada 15 dias ou 30 dias. Isso pode cheirar a intervenção. Imaginem se ao longo desses intervalos ocorrerem movimentos de elevação do barril e/ou depreciação do real. A Petrobras vai conseguir repassar aos preços dos combustíveis? Como ficam os importadores privados?

Por fim, falar de conciliar os interesses dos acionistas com o dos consumidores me parece um equívoco. O papel do presidente da Petrobras é defender os interesses exclusivamente dos acionistas. Quem tem de olhar para os consumidores é o governo, criando politicas públicas como, por exemplo, um fundo de estabilização para o diesel e uma tarifa social para o botijão de gás, preservando a autonomia da Petrobras.

Mas a tentação da intervenção e a falta de políticas públicas que separem os interesses do governo acionista da Petrobras do governo preocupado com a sociedade nos a leva crer que empresas de economia mista nunca darão certo no Brasil.

Adriano Pires Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), é um dos maiores especialistas do setor de energia no Brasil, com atuação de mais de 30 anos na área. Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980).

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