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Mais liberdade, toda a liberdade

Direito à liberdade de expressão enfrenta desafios complexos nos tempos modernos - e se "um pouco" de liberdade de expressão é perigoso, não é menos dela que há de curá-la
Por  Rodrigo Tannuri
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A liberdade de expressão permite que as pessoas divulguem suas opiniões sem medo de retaliação ou censura.

Ao longo da história da democracia, a liberdade de expressão nasceu, cresceu, morreu e renasceu, num ciclo infinito.

Na Grécia, berço da democracia ocidental, Sócrates ficou conhecido por sua defesa intransigente da liberdade de expressão, mesmo quando isso lhe custou a vida. Condenado à morte sob a alegação de corromper os jovens, e mesmo lhe sendo permitido fugir, o filósofo aceitou o seu destino, justificando que “uma vida sem crítica não vale a pena ser vivida”, enfatizando a importância de desafiar as ideias dominantes.

Durante o Iluminismo, no século XVIII, seguiram-se Voltaire, John Locke e Jean-Jacques Rousseau na defesa fervorosa da liberdade de expressão, influenciando profundamente os movimentos democráticos que se seguiram, incluindo a Revolução Francesa.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a liberdade de expressão aparece como um direito inalienável, e, desde então, ocupa lugar em praticamente todas as Constituições democráticas do mundo.

O filósofo John Stuart Mill, em seu livro Sobre a Liberdade, nos ensina que:

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Se toda a humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas um indivíduo fosse de opinião contrária, a humanidade não teria maior direito de silenciar essa pessoa do que ela teria de silenciar a humanidade

Esse direito, no entanto, enfrenta desafios complexos nos tempos modernos. A ascensão das mídias sociais e o aumento da polarização política levaram a preocupações sobre a disseminação de desinformação, discurso de ódio e censura online. Metade da raça humana gosta de emitir opiniões sobre tudo, enquanto a outra metade gosta de lê-las.

Ultimamente, assistimos a uma intrigante contraposição de ideias entre Elon Musk e o Ministro Alexandre de Moraes, discutindo-se ao lado de quem a liberdade de expressão, se pudesse, escolheria se sentar.

Já se afirmou antes – e com razão – que a liberdade de expressão não dá o direito de alguém falsamente gritar “fogo!” num teatro lotado. Também não se permite o sequestro da liberdade de expressão a pretexto de utilizá-la para atassalhar a honra alheia. Para a surpresa de muitos, a própria Anistia Internacional admite restrições à liberdade de expressão.

Ninguém discute – ou deveria – que cabe ao Poder Judiciário o dever de coibir qualquer excesso, num delicadíssimo equilíbrio entre a garantia da livre manifestação do pensamento e a vedação à agressão pública, ao ódio e à desinformação. Historicamente, no entanto, em qualquer equilíbrio entre liberdade de expressão e seus limites, o único equilíbrio existente é o equilíbrio de interesses, ditado pelo interesse atual e dominante. Assim, equilíbrios sempre serão definidos e redefinidos, de tempos em tempos.

Na prática, esse equilíbrio é estabelecido pela forma como a Suprema Corte de cada país interpreta a sua Constituição Federal, sempre afetada pelos valores morais de seus integrantes. Nos EUA, por exemplo, desde 1971 é permitido algo moralmente impensável por aqui: atear fogo à bandeira americana, desde que como uma forma de expressão simbólica do pensamento, em protesto contra atos do governo em exercício.

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Para que a sociedade não dependa de interesses morais e casuísticos, a melhor solução para o discurso prejudicial não é a censura, mas sim o diálogo aberto e o amadurecimento da alfabetização midiática. Defenestrar toda a ideia imperfeita ou defeituosa desrespeita, inclusive, a autonomia do leitor.

Na Inglaterra, por exemplo, a evolução civilizatória permitiu ao povo discernir sozinho que os seus tabloides nem sempre dizem a verdade. Também aqui, em última análise, é ao povo brasileiro a quem deveria caber a decisão de ler, acreditar e julgar o que lê.

Ou seja, se um pouco de liberdade de expressão é perigoso, não é menos liberdade que há de curá-la, e sim mais liberdade, toda a liberdade.

Rodrigo Tannuri Advogado, mestre em Direito pela Universidade Columbia e sócio fundador da Tannuri Advogados

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