Fechar Ads

5 debates em Brasília que recebem muito menos atenção do que merecem

Separar o relevante do irrelevante tem sido cada vez mais difícil. Afinal, o irrelevante pode gerar cliques e audiência, sem exigir tanto esforço do jornalista
Por  Pedro Menezes
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Cada vez mais leitores criticam a imprensa pelo excesso de fofocas em suas páginas. Declarações de Carlos Bolsonaro, Olavo de Carvalho e Lula recebem mais atenção do que os debates mais importantes em tramitação no Congresso.

O problema é antigo e já foi identificado por Nate Silver em seu best-seller “O Sinal e o Ruído”. No livro, Nate explica o sucesso das suas previsões eleitorais e, de modo mais amplo, por que tantas previsões erram. Sua teoria central: erramos por dificuldade de separar sinais e ruídos.

Sinais apontam novos caminhos, novos futuros e tem impacto real na nossa vida a longo prazo. Ruídos geram confusão, trending topic e treta no Twitter, mas não mudam em nada a vida do brasileiro de 2030. As polêmicas de curto prazo serão esquecidas. Os sinais, não.

Em meio a tanto ruído, acho que vale escrever um texto sobre sinais que vem sendo desprezado. Aqui, apresento 5 projetos que estão sendo discutidos neste momento pelo Congresso e Executivo, em Brasília.

Os 5 projetos aqui descritos tem impacto inegável nos serviços públicos, na economia e em diversos aspectos da vida nacional. Trata-se de assuntos que realmente importam. Inexplicavelmente, todos tem tido menos repercussão na imprensa do que brigas palacianas, gafes de políticos, por diversas notícias que geram cliques e polarização, mas não reflexão.

Como o tempo do leitor é valioso – e as pessoas estão cada vez mais preguiçosas na leitura de textos, deixo apenas 3 parágrafos sobre cada debate. Para focarmos no essencial: o que está acontecendo, como pode mudar sua vida e em quais detalhes vale a pena prestar atenção. Afinal, em política pública, o mais relevante costuma estar nos detalhes.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

1) Novo marco regulatório do saneamento básico

O que está acontecendo: Uma discussão que começou no governo Temer parece estar perto do fim. O Senado já aprovou um projeto do senador Tasso Jereissati para mudar o marco regulatório do setor. Falta a aprovação na Câmara. Entre as mudanças, o projeto diminui o conflito de interesses existente na regulação do saneamento e obriga a realização de licitação nos contratos de água e esgoto.

Como pode mudar sua vida: Expandir o acesso ao saneamento básico muda a vida daquele que recebe o benefício, mas também do resto da sociedade. Há ganhos de produtividade, saúde pública, escolaridade geral e muitos outros que, ao fim das contas, impactam a vida de qualquer brasileiro que esteja lendo esse texto. Não importa se você gosta do projeto ou não, a relevância dele é inegável.

No que prestar atenção: O principal debate se dá em torno dos contratos de programa, permitidos na atual legislação, através dos quais estatais podem assumir os serviços de água e esgoto num município sem licitação. Esse tipo de contrato tem pouca transparência e o novo marco do saneamento prevê o fim deles. Por exigir a realização de concorrências públicas sem prioridade a estatais, o projeto ficou conhecido como um incentivo à privatização, apesar de não prever a venda de empresas. Os governadores já conseguiram, no Senado, alongar consideravelmente o prazo para que a obrigatoriedade de licitação entre em vigor para valer. Alguns ainda tentam derrubar esse trecho do projeto.

Quer investir melhor o seu dinheiro? Clique aqui e abra a sua conta na XP Investimentos

2) Divisão de recursos do pré-sal

O que está acontecendo: Quatro poços do pré-sal serão leiloados no fim do ano e devem render R$ 106 bilhões de reais ao poder público. Além disso, os royalties do pré-sal ganham volume com o crescimento da exploração de novos campos. São quantias muito significativas para qualquer ente federativo. Naturalmente, estados e municípios disputam uma fatia do montante. O leilão está marcado para 6 de novembro.

Como pode mudar sua vida: As contas públicas de todos os entes federativos serão impactadas por esses recursos. São dezenas de bilhões de reais – parte dos R$ 106 bi é da Petrbras – no curto prazo. O valor dos royalties nos próximos anos deve estar na casa das centenas de bilhões de reais. Em resumo: muito dinheiro. O destino desses recursos, definido nos próximos meses, pode ser bem diverso.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

No que prestar atenção: Quanto receberá cada ente federativo e, principalmente, quais contrapartidas a União exigirá para repassar esse valor a estados e municípios. Este valor pode ser atrelado a reformas, para garantir que ele seja bem usado. Já o governo federal, cujo déficit primário de 2019 é estimado em 139 bilhões de reais, pode ter um grande alívio nas contas, caso fique com grande parte do dinheiro. É este o debate que ocorrerá em Brasília até a data do leilão.

3) Novo FUNDEB

O que está acontecendo: O Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) destina bilhões de reais por ano para o ensino infantil, fundamental e médio. É um dos principais mecanismos de financiamento da educação no Brasil. Mas esse fundo tem data para acabar: 2020, também conhecido como ano que vem. Neste momento, o Congresso discute o que fazer com o FUNDEB e quais serão suas novas regras..

Como pode mudar sua vida: Atualmente, a maioria dos gastos federais em educação básica se realizam através do FUNDEB. Além disso, os repasses ao fundo não são considerados no teto de gastos públicos – ou seja, os próximos anos representam uma oportunidade de ouro para aumentar a participação da educação básica no orçamento federal. O resultado das discussões muda a vida de todos, inclusive dos que não estudaram e nem tem filhos em colégios públicos – afinal, o sucesso da política educacional brasileira também impacta a criminalidade, o ambiente político, a qualidade dos serviços públicos e muitos outros aspectos da vida nacional.

No que prestar atenção: Como em todos os debates sobre política pública, o desenho e seus detalhes importam mais do que qualquer coisa que caiba numa manchete. Uma das partes mais importantes é se o novo FUNDEB será permanente, sem uma data de validade, como o atual. Há também discussões importantes sobre o tamanho da participação federal no financiamento da educação básica e a garantia de que mais recursos cheguem às áreas mais carentes. A deputada Tabata Amaral tem defendido a inclusão de mecanismos que incentivem, com dinheiro, a adoção de boas práticas na gestão escolas. Já a especialista Cláudia Costin ressaltou, em coluna na Folha, a importância de garantir repasses para cidades pobres de estados não tão pobres, que seriam negligenciadas pelas atuais regras.

4) Lei das Teles

O que está acontecendo: Assim como no projeto do saneamento, a nova Lei das Teles propõe um novo marco regulatório para o setor de telecomunicações, com amplas mudanças. A maior delas é que o setor deixaria de funcionar como concessão, na qual o serviço é visto como público com operação concedida a algumas empresas, e passaria a operar por um sistema de autorização, de natureza privada. Com o novo regime, as empresas não teriam mais algumas das atuais obrigações, como manter o sistema de orelhões. Além disso, há um substancial ganho de segurança jurídica. Por isso, a mudança regulatória viria acompanhada do compromisso, por parte das empresas, de investimentos bilionários em contrapartida.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Como pode mudar sua vida: Você está lendo esse texto num celular ou num notebook com acesso à banda larga, certo? Não é difícil notar como a lei das teles pode afetar sua vida. Um novo marco regulatório, ainda mais com a abrangência do que tem sido discutido, tem impacto direto nas tarifas e qualidade do serviço – para o bem ou para o mal, a depender sua opinião sobre o projeto.

No que prestar atenção: Primeiramente, na data de aprovação do projeto. Um grande leilão de radiofrequências 5G está marcado para 2020. Quanto mais cedo for aprovada a nova lei das teles (se for aprovada), maior será o impacto neste bilionário leilão. Além disso, é importante observar quão ampla será a redução de obrigações por parte das empresas e como elas compensarão o Estado pelos seus ganhos.

5) Reforma tributária

O que está acontecendo: Marcos Cintra, responsabilizado pela reforma tributária do governo, deixou economistas e empresários de cabelo em pé com suas propostas. Eram vistas como antiquadas e desconectadas do debate de alto nível. Disposto a faturar politicamente com isso, Rodrigo Maia e deputados aliados propuseram um projeto quase idêntico ao de Bernard Appy, um dos especialistas mais importantes do país. O projeto, apresentado por Baleia Rossi (MDB), tranforma cinco impostos que incidem sobre o processo produtivo (IPI, ISS, ICMS, PIS e Cofins) em um novo IVA, que terá alíquota única e acaba com os regimes especiais de tributação. Em termos de simplificação e desburocratização do sistema, os ganhos são imensos. O texto já foi aprovado pela CCJ, está tramitando rapidamente na comissão especial e pode ir à plenário ainda neste ano.

Como pode mudar sua vida: Uma reforma tributária simplificadora tende a deixar o Brasil mais produtivo e, portanto, mais rico. Cada hora de trabalho gasta em navegação pela burocracia tributária poderia ter sido dedicada a produção e inovação. Caso o leitor tenha uma empresa, o pagamento de tributos deve ficar consideravelmente mais simples. Caso não tenha, como a produtividade do trabalho tende a ficar maior, há um impacto também nos salários. Uma reforma tributária tem impacto em todos os setores da economia de modo transversal. É difícil subestimar a importância do projeto, certamente maior do que os outro quatro citados neste texto.

No que prestar atenção: Primeiramente, vale lembrar que outras reformas tributárias já foram tentadas, mas geralmente empacaram por conflito entre prefeitos, governadores e presidente. O projeto em tramitação já foi pensado para resolver esse conflito, com uma longa regra de transição de 50 anos. Por isso, é importante ver se o projeto vai andar no Congresso. Além disso, os debates sobre o tempo de transição (quanto mais rápido, maior o estímulo de curto prazo no PIB) e o fim dos regimes especiais de tributação, que devem ser alvo de intenso lobby do setor privado. Caso o projeto ande e seja sancionado, o Brasil pode passar por uma revolução econômica, negligenciada em meio aos ruídos que tomam a atenção do noticiário político.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

 

Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

Compartilhe

Mais de Pedro Menezes

Pedro Menezes

Guedes ataca a IFI. O Senado aceitará calado?

Paulo Guedes inventa erros que a Instituição Fiscal Independente não cometeu e pede intervenção numa instituição de controle subordinada ao Senado. A IFI tem como missão produzir informações que podem o contrariar o governo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ouviu calado
Real, Brazilian Currency - BRL. Dinheiro, Brasil, Currency, Reais, Money, Brazil. Real coin on a pile of money bills.
Pedro Menezes

A volatilidade do real revela uma economia dominada pela incerteza

Além de ter se desvalorizado ao longo do ano, o Real é uma das moedas mais voláteis entre economias emergentes. O ambiente interno é fonte de diversas incertezas, que colaboram para a volatilidade da moeda brasileira. Portanto, uma dúvida se impõe: a política brasileira vai contribuir para diminuir as incertezas que agitaram o mercado de câmbio em 2020?
Pedro Menezes

Relator do PL 2630 tentou censura generalizada, mas falhou

Substitutivo elaborado pelo senador Angelo Coronel tentou exigir comprovante de residência para cadastro em rede sociais, exclusão de conteúdo após a mera abertura de processo judicial, dentre outros absurdos. A confusão envolvendo o relatório acabou adiando a votação do PL, que era prevista para hoje