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Álcool na madrugada: fugindo da conversa de bêbado

A proposta do ministro Osmar Terra é bem menos ridícula do que seus opositores tentaram pintar. Isso não significa que é uma boa ideia, mas pode ser uma boa oportunidade para discutir o papel da técnica e da ideologia nos debates sobre política pública.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Há muitas questões sem resposta certa quando o assunto é política pública. Isso não significa que tudo vale nesse debate. Parte das conversas, é importante lembrar, deve ser restrita pelo que diz a técnica. Com frequência, as evidências contrariam nossas posições internas.

O caso da proposta do ministro Osmar Terra, que deseja restringir a venda de álcool em determinados locais durante certo período do dia, é muito útil para demonstrar os papéis da técnica e da ideologia no debate público.

Pessoalmente, não tenho grande simpatia pela proposta do ministro. Muita gente concorda comigo e o ridicularizou nos últimos dias. Por outro lado, não concordo com o argumento mais citado sobre a ruindade da ideia. Antes de rejeitar o que propõe Osmar Terra, é importante observar que ele tem boas evidências a seu favor.

Sim, restrições ao álcool provavelmente ajudam no combate ao crime.

O bom argumento de Osmar Terra

Sim, restrições à venda de álcool, pelo que os principais estudos indicam, tem impacto sobre a criminalidade da região. Boas evidências sustentam a efetividade das medidas.

No estudo “Leis Secas e Homicídios”, publicado num períodico da britânica Royal Economic Society, os pesquisadores João Manoel Pinho de Mello, Alexandre Schneider e Ciro Biderman tentaram identificar o impacto de leis municipais restringindo o funcionamento de bares após as 23hs na Grande São Paulo.

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O impacto encontrado não é nada desprezível: uma redução de aproximadamente 10% nos homicídios foi associada à nova lei. É muita vida.

Impacto semelhante aparece também nos índices de acidentes de carros e lesão corporal. Tais resultados levaram Mello e Schneider a citar essas leis secas em artigo na Folha de São Paulo sobre as causas da redução da criminalidade em São Paulo, ainda que como um determinante de menor relevância.

Pequenas leis secas também fizeram parte da estratégia de Bogotá, outro caso de sucesso na redução da taxa de homicídios.

O mais importante é que o estudo de Mello, Schneider e Biderman não é o único a encontrar o mesmo resultado. Marcelo Nakaguma e Brandon Restrepo chegaram à mesma conclusão através de uma estratégia de identificação focada na proibição da venda de álcool em dias de eleições.

Nakaguma e Restrepo encontraram resultados extremamente significativos no front da saúde pública, através da redução nos acidentes automobilísticos.

Nenhum dos resultados, porém, justifica a restrição ao álcool como centro de uma estratégia para redução da criminalidade. Os efeitos não arranham a escala de redução de criminalidade que o brasileiro deseja. E o campo não é dos mais estudados. A evidência a favor do ministro passa longe de encerrar o debate.

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O papel da ideologia e por que a evidência não encerra o debate

Mesmo sendo contra a proposta do ministro, ridicularizar bons argumentos é uma péssima ideia para começar qualquer discussão. O ministro tem um ponto.

Por outro lado, a relação de causalidade entre restrições ao álcool e queda na violência não obriga ninguém a defender restrições ao álcool como política federal.

Ainda no campo da técnica, é possível que os resultados estejam errados, ainda mais pela raridade dos estudos aplicados ao Brasil.

Não há muitos trabalhos especificando em que tipo de cidade a redução tende a ser maior. Características particulares podem levar algumas regiões a uma redução nula com altos efeitos colaterais. Esse tipo de efeito inesperado é clássico na história das políticas públicas.

Ainda que todos esses assuntos técnicos fossem resolvidos, o mais importante deve ser levado em conta: do que estamos dispostos a abrir mão para alcançar uma redução da criminalidade?

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Esse lado do debate, que considera os mundos ideais que racionalizamos internamente, nossas ideologias, é o que importa. Todo debate sobre política pública, ao fim da técnica, deve encarar perguntas de ordem moral. São as mais sérias de todas.

A técnica nos informa quais as relações causais relevantes e as restrições envolvidas. A ideologia é o que transforma as informações da técnica em posição política. Técnica sem ideologia é indecisa. Ideologia sem técnica é contratação de desastre.

Embora não conheça as evidências sobre o assunto, julgo plausível que um toque de recolher seria útil para reduzir a criminalidade. Restrições focalizadas em homens pobres entre 16 e 30 anos talvez tivesse ainda mais impacto. Mas esses resultados não implicariam, de forma alguma, na defesa do toque de recolher ou de políticas discriminatórias de restrição das liberdades.

É possível – e nada absurdo – que uma pessoa considere moralmente ruim a sociedade que lhe impede de comprar álcool em determinados horários. Esse desejo de autonomia individual pode se sobrepor a objetivos coletivos, como reduzir a criminalidade. Ainda mais se a redução for pequena e pouco estudada, como é o caso.

Apesar de toda a variedade de argumentos, essa discussão já começa mal quando ridiculariza o bom contraditório.

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Fugindo da conversa de bêbado: em busca de soluções locais

A conversa de bêbado é aquela onde todos os envolvidos não estão exatamente aptos a ouvir e entender o outro. No Brasil, nosso álcool tem sido a polarização política.

Uma linguagem raivosa e adjetivada costuma dominar o debate sobre propostas do governo. Assim, perdemos o que a boa conversa pode ter de bom.

Os argumentos trazidos do debate sobre Guerra as Drogas, quando a criminalização de substâncias não está em jogo, é um típico exemplo do que só se tornou comum porque muita gente conversa como bêbado sobre assuntos relativos a Bolsonaro.

A proposta de Osmar Terra dificilmente criará novos Al Capones. A menos que o sujeito confunda Al Capone com um vendedor de cerveja no isopor, o que também é coisa de bêbado.

Nesse caso, talvez o melhor seja o ministro esquecer o assunto e o governo cumprir outra de suas promessas. Uma maior autonomia para municípios constava no programa de Bolsonaro e pode ser a resposta adequada ao problema.

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Soluções locais permitem que o debate considere tanto as preferências morais dos cidadãos quanto as especificidades da cidade ou bairro. O lobby de grandes cervejeiras seria menos capaz de influir em decisões descentralizadas, principalmente em cidades pequenas, e os interesses locais de moradores e comerciantes teriam maior importância.

Se for uma demanda legítima em regiões onde a medida pode ter bom impacto que agrade os moradores, a ideia provavelmente ganhará influência entre as autoridade do município. Se for uma bobagem que ninguém quer, será descartada.

A melhor parte é que, nos municípios, a discussão pode ser travada sem tanta influência de símbolos como Bolsonaro ou o PT. Seja qual for a cachaça predileta do leitor, o debate público precisa que ela seja colocada de canto por um momento.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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