Conheça os brasileiros que largaram o mercado financeiro em busca de qualidade de vida

A história de pessoas que tinham carreiras promissoras no mercado financeiro, mas resolveram abrir mão de dinheiro e mudar de rumo em busca dos sonhos e de mais qualidade de vida

Diego Lazzaris Borges

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SÃO PAULO – Os operadores do mercado financeiro estavam tensos naquela segunda-feira de março. Depois de atingir o preço máximo em 12 anos, o dólar registrava forte queda pelo segundo dia seguido e nas corretoras e bancos de investimentos só se falava sobre os possíveis rumos para a moeda americana. A Bovespa também enfrentava mais um dia de forte volatilidade. Enquanto as mesas de operação da av. Faria Lima ferviam, a 7.500 km dali, Leonardo Spencer e Rachel Paganotto tentavam conectar o notebook no wi-fi do Addo Elephant National Park, uma reserva ecológica na África do Sul. “Daqui a pouco estaremos diante dos leões e elefantes”, disse sorrindo o ex-operador de 31 anos. Aquele era o 51º país que o casal visitava desde que ambos pediram demissão do Citi, há pouco mais de dois anos, com o plano de dar a volta ao mundo.

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Os dois tinham uma carreira promissora no banco. Spencer entrou como estagiário em 2004 e depois de uma temporada estudando na Austrália voltou para o Brasil para trabalhar na tesouraria. “Trabalhava com oito monitores à minha frente. Almoçava quase todos os dias da semana na mesa. Eu gostava, mas era uma vida intensa e estressante”, lembra. Rachel também começou como estagiária em 2005 e depois de três anos na mesa de produtos foi contratada para trabalhar na mesa de câmbio. Eles começaram a namorar em 2010. O casamento aconteceu em abril de 2013, um mês antes de colocarem o pé na estrada.

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A ideia surgiu depois que Spencer voltou de uma viagem que fez com amigos para a Costa Rica em 2012. “Cheguei pensando que estava puxado demais no banco e que precisava de um tempo”, conta. A inspiração que faltava veio do livro “Challenging your Dreams – Uma Aventura pelo Mundo”, que ele ganhou de um amigo e que conta a história de um casal de jovens que dá a volta ao mundo a bordo de uma Land Rover. “Comecei a ler e pensei que poderíamos fazer a mesma coisa”, diz.

O plano inicial era sair do banco quando ele fizesse 35 anos – ainda faltavam sete, portanto. Mas a vontade de viver logo uma grande aventura foi maior. “Sabíamos que seria mais difícil fazer uma viagem dessas depois que tivéssemos filhos e resolvemos antecipar.” Os dois começaram a fazer as contas de quanto dinheiro precisariam e tiveram a ideia de alugar o apartamento em que moravam e usar a renda na viagem. Além disso, eles recebiam parte dos bônus anuais em ações do Citi fora do Brasil, o que garantia uma reserva em moeda internacional para a viagem. Decidiram então comprar o carro que os levaria para a aventura: uma Land Rover Defender, mesmo modelo usado pelo casal do livro que os inspirou. Rachel foi para os EUA e de lá trouxe fogão, geladeira e outros acessórios para equipar o jipe. “Compramos primeiro o carro porque se desistíssemos da viagem poderíamos vendê-lo”, conta a jovem. Mas eles não desistiram. Em fevereiro de 2013, pediram demissão do banco. Se casaram dois meses depois e, em abril, iniciaram a viagem que mudaria completamente suas vidas.

Leonardo Spencer e Rachel Paganotto

A jornada começou pelo Sul do Brasil. Depois de uma semana, no dia 16 de maio, eles cruzaram a primeira fronteira, com o Uruguai. Na América do Sul visitaram também Argentina, Chile, Peru, Equador e Colômbia. Nestes quase dois anos, passaram ainda pela América do Norte, Europa e África. Quando tem mar no meio do caminho, o carro embarca no navio e eles pegam um avião. Entre as boas surpresas da jornada, citam a receptividade dos moradores locais. “Dos 700 dias de viagem, dormimos mais de um terço em casas de pessoas que nos convidaram”, conta Spencer. Quando não encontram um “sofá amigo”, os dois rumam para um camping e armam a barraca no teto do carro. Em último caso, procuram um hotel simples. “Nosso orçamento é de US$ 100 por dia.”

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Leonardo Spencer e Rachel Paganotto

Todo o percurso é detalhado no site criado para relatar a jornada, o “Viajo, Logo Existo” (www.viajologoexisto.com.br). A página dos dois no Facebook também é atualizada diariamente e já conta com mais de 480 mil curtidas. No Instagram, os seguidores interagem com comentários e elogiam a coragem do casal. Muitos são do mercado financeiro e sonham em um dia fazer o mesmo que eles. Mas quem pensa que a vida dos dois não tem nenhuma responsabilidade está enganado. “Dedico em média 3 horas por dia para trabalhar”, diz Spencer. Além de atualizar o site e as redes sociais, os dois já escreveram um livro contando a jornada e estão finalizando o segundo. Tudo, desde a edição até a diagramação, foi feito por eles. Ele também tira fotos profissionais e vende para revistas estrangeiras. Todos os gastos e detalhes da viagem ficam disponíveis no site. “Sentimos falta dessas informações quando estávamos programando nossa viagem e resolvemos abrir tudo para ajudar outras pessoas”, diz o jovem.

A jornada também teve alguns momentos difíceis. No Natal de 2013, eles estavam na Guatemala e não havia nenhum lugar aberto para comemorarem a data. Rachel chorou de saudade da família e chegou a dizer que queria voltar. Mas nada que não fosse logo superado. Eles dizem que as brigas são bem raras e normalmente resolvidas na mesma hora. Ela é a copilota do jipe e garante que o marido sempre segue suas orientações de navegação. “Nós dependemos um do outro. Então evitamos brigar por coisas bobas.”

Mais qualidade de vida
Aos 28 anos, Rodrigo Cabral estava com quase 20 kg de sobrepeso. Tinha sintomas de depressão, fobias sociais e vivia desanimado. Apesar de levar uma vida confortável, ter uma carreira promissora e um salário anual que ultrapassava com folga os R$ 100 mil, pouca coisa de seu estilo de vida fazia sentido para ele. Cabral se formou no Ibmec, uma das mais conceituadas escolas de Economia e Administração do país. Ainda na faculdade, foi diretor de marketing do Diretório Acadêmico e consultor da Empresa Júnior. O primeiro emprego foi na área de finanças e performance da Accenture, em 2006. Fazia projetos de consultoria gerencial, focado nos processos e sistemas do ciclo financeiro de grandes empresas.

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Em janeiro de 2009 ele foi contratado por uma consultoria israelense de gestão de riscos. Seu trabalho era focado na blindagem de processos e segurança da informação de grandes empresas. Depois de um ano no cargo, foi convidado para ser gerente de outra consultoria. Ocupou ainda cargos estratégicos em mais duas consultorias até que em 2013 fez uma viagem com os primos para Florianópolis. Ficou hospedado em uma pousada que tinha uma pista de skate e começou a se interessar cada vez mais pelo esporte. Dois meses depois de voltar para São Paulo, pediu demissão do emprego, pegou o carro e partiu rumo ao sul, de volta para Floripa. “Resolvi tirar um sabático. Sentia que precisava ter mais qualidade de vida”, lembra.

Entre abril e dezembro de 2013, viajou de norte a sul do país. Estava mais feliz e finalmente tinha tempo para fazer as coisas que gostava. Começou a namorar e, junto da companheira, passou a procurar locais com pistas de skate para praticar o novo hobby. Emagreceu 16 kg. Os sintomas de depressão e síndrome do pânico sumiram. No ano passado, decidiu voltar para Araraquara, sua cidade natal, para tocar um negócio familiar ao lado do pai. Os dois não se entenderam na empresa e, no final de 2014, desfizeram a sociedade. Agora os planos de Cabral são de se mudar em definitivo para Florianópolis junto com a namorada – eles se casam neste ano. Sua única fonte de renda atualmente é o aluguel de um apartamento que tem em São Paulo, que lhe garante R$ 3 mil por mês. Pretende montar uma pequena empresa para levar e acompanhar skatistas por locais específicos para a prática do esporte na cidade. Mesmo sem um trabalho fixo atualmente e com uma renda bem menor do que tinha antes, o futuro não o amedronta. “Vou chegar aos 50 anos e saber que fiz a coisa certa”, comemora.

 O fujão
Já o guru da análise técnica Odir Aguiar, conhecido no mercado financeiro como Didi, sempre gostou de praia. Ele nasceu no Rio de Janeiro, mas fez carreira e passou boa parte da vida em São Paulo. Ainda jovem percebeu que tinha talento para matemática. Estudou engenharia mecânica e depois de alguma insistência conseguiu um estágio em uma corretora de valores. Logo perceberam seu potencial e ele foi efetivado como “trader”. Em pouco mais de um ano e meio ele já tinha conseguido juntar uma boa quantia. “Operava no mercado futuro e opções. Foi nessa época que comecei a olhar os gráficos”, conta. Com 23 anos, Didi colocou todo o dinheiro que ganhou no bolso, pediu demissão e partiu para o Havaí. Passava os dias curtindo a praia e surfando com amigos. Ficou dois meses e meio na ilha e de lá embarcou para a Indonésia, outro “pico” muito procurado por jovens em busca de boas ondas e vida tranquila. Foram cerca de 10 meses viajando com o dinheiro que tinha ganhado nas operações em Bolsa.

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Com a insistência de sua mãe e o dinheiro acabando, Didi resolveu voltar ao Brasil. Durante alguns anos, a rotina do “trader” consistia em conseguir um emprego nas mesas de operação, acumular um bom dinheiro para então pedir demissão e curtir a vida bem longe do estresse do mercado. “Até que o pessoal parou de me dar emprego porque sabiam que eu ia trabalhar, juntar uma grana e ir embora”, brinca. Em 1999, com a dificuldade de conseguir emprego por causa dessa fama de “fujão”, ele montou a própria empresa, a Doji Star, e começou a prestar consultoria para bancos e corretoras. Ficou conhecido por criar um método de análise técnica conhecido como “as agulhadas do Didi”. Comprou terrenos em várias praias do Brasil. Ganhou muito dinheiro, por exemplo, com a valorização da praia de Itacaré, na Bahia, que atualmente é um dos mais badalados destinos do Nordeste. Em outros locais, os negócios não deram tão certo. Ele pretende vender os terrenos que ainda tem. Entre 2004 e 2009, Didi morou no litoral do Rio Grande do Norte. “Passava o dia todo andando de kitesurf (prancha com uma espécie de ‘pipa’ usada para aproveitar o vento e fazer manobras”, lembra.

Há cerca de um ano, Didi resolveu se mudar para os EUA. Mora atualmente em Austin, no Texas, onde trabalha em uma corretora e está ajudando a desenvolver um algoritmo para fazer a compra e venda de ações automaticamente. “Assim terei mais tempo livre”, brinca. A intenção é se mudar logo para alguma cidade de praia nos EUA, para poder aproveitar as maravilhas do calor e da natureza que ele tanto admira.

O sentimento de liberdade e satisfação pessoal que une Rachel, Leonardo, Rodrigo e Didi serve de inspiração para quem pensa em um dia mudar radicalmente de rumo e seguir em busca dos sonhos e de mais qualidade de vida. Quando completaram seis meses de estrada, Rachel Paganotto e o marido se perguntaram se ficariam felizes se abortassem o projeto naquele momento. “A resposta foi ‘não’. Nosso carro não dá marcha a ré. Nós seguimos sempre em frente” diz Rachel, com um sorriso no rosto de dar inveja.

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 * Esta matéria foi publicada na edição 56 da Revista InfoMoney

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Diego Lazzaris Borges

Coordenador de conteúdo educacional do InfoMoney, ganhou 3 vezes o prêmio de jornalismo da Abecip