Elena Landau, economista da campanha de Tebet: “Mercado de capitais consegue mais do que compensar desembolso menor do BNDES”

Em entrevista, economista fala sobre privatizações, preservando Petrobras e BB, sobre reformas tributária e administrativa, e novas regras ao Auxílio Brasil

Anderson Figo

Retomar a agenda de reformas e contar com o setor privado para os investimentos em infraestrutura é um dos objetivos do plano de governo de Simone Tebet, que concorre à Presidência da República pelo MDB. Em entrevista ao InfoMoney, Elena Landau, economista que auxilia a senadora em sua campanha, disse que “o mercado de capitais privado já mostrou que consegue mais do que compensar a redução do desembolso do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]”.

A entrevista faz parte de uma série de sabatinas com os assessores econômicos dos candidatos ao Planalto nas eleições 2022 que o InfoMoney publica a partir desta segunda-feira (26) no site e no canal do YouTube. Os convites foram feitos às campanhas dos seis candidatos que tiveram ao menos 1% das intenções de voto em levantamento realizado pelo Ipec entre os dias 9 e 11 de setembro.

São eles: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo). Apenas a campanha do presidente Bolsonaro não designou um representante para falar sobre as propostas do candidato.

Durante a entrevista, Landau falou sobre privatizações e por que Simone Tebet preservaria a Petrobras e o Banco do Brasil como estatais, sobre reformas tributária e administrativa, sobre meio ambiente e um “revogaço” de medidas aprovadas na atual gestão do país, sobre foco em educação e programas sociais, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 mensais, mas com outro nome e regras diferentes para o recebimento do benefício.

Veja abaixo os principais trechos da sabatina e assista, na íntegra, pelo player acima, ou clique aqui.


InfoMoney: Vamos falar sobre ajuste fiscal. O teto de gastos foi um marco importante, criado no governo de Michel Temer. Foi um arcabouço fiscal que conseguiu conter a evolução das despesas públicas e a trajetória da dívida/PIB, mas ele foi, ao longo dos últimos anos, flexibilizado e foi violado em algumas medidas. Qual é o papel que o teto de gastos vai ter num eventual governo de Simone Tebet?

Elena Landau: Eu sabia que essa pergunta iria ser a primeira, inevitavelmente. A gente queria desviar um pouco disso porque, no nosso programa, a gente considera que a questão fiscal, a responsabilidade fiscal, é pressuposto. Sem ela, a gente não conseguiria atingir os objetivos principais do programa, que é a questão social e a questão ambiental. A sustentabilidade sócio-ambiental do país. Mas [falar sobre fiscal] se tornou inevitável, e a Simone já tinha me avisado.

Logo na nossa primeira reunião, em fevereiro, que nós começamos a discutir orçamento, novas regras orçamentárias e não de teto, para tornar mais claro para o Brasil o que que o governo pretende do seu orçamento, no planejamento, a Simone me disse assim: Elena, nós vamos precisar sobreviver a 2022. Eu não podia imaginar que fosse tão caótico esse ano de 2022. Então, quando a gente começou a fazer o programa, o teto estava vivo. Meio esburacado, mas vivo. Então, a gente iria simplesmente tapar os buracos e retomar daí para frente.

Hoje, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, destruiu o teto. Destruiu até a simbologia do teto, porque tudo agora é uma excepcionalidade, tudo é extra-teto. Quer dizer, a ideia exatamente de uma restrição de despesa se perdeu.

O que a gente precisa retomar é, de fato, uma âncora fiscal. Se vai ser com esse nome teto, a gente não sabe. Evidentemente, você vai precisar de uma emenda constitucional em cima da 95.

Só o Auxílio Brasil, que todos os candidatos já se comprometeram [a mantê-lo em R$ 600 mensais], demanda um pouco mais que R$ 50 bilhões no ano que vem. A ideia inicial era você abrir um espaço [no teto de gastos] apenas para o Auxílio Brasil. Uma coisa transitória, e retomar a ideia de uma âncora para as despesas, de um teto para as despesas, e, de 2024 em diante, com controle orçamentário, reorganizar as contas públicas no Brasil.

Infelizmente, o buraco no orçamento que este governo [de Jair Bolsonaro] vai deixar para 2023, torna qualquer discussão de teto em cima dessa realidade orçamentária inútil, porque você tem hipóteses totalmente ficcionais para chegar numa coisa que é quase o equilíbrio do primário, tem um déficit nominal elevado, de 6% a 8% do PIB. Até os analistas mais rigorosos do ponto de vista de despesas, que eu considero o mais rigoroso deles, o Marcos Mendes [do Insper], já acham que é praticamente inevitável você ter um déficit primário acima de 1%, podendo chegar a 2% do PIB.

Então, a realidade que a gente vai ter que enfrentar em 2023 é em cima disso. Para responder objetivamente a pergunta: é receber esse orçamento, olhar para ele e colocar as prioridades no devido lugar. Por exemplo, não tem sentido desoneração para tornar combustível, gasolina, para a classe média, alta, subsidiado. Não tem sentido manter um Auxílio Brasil desfocado. Se é para manter em R$ 600, nós vamos focalizar. Vamos fazer essa revisão orçamentária. Desistimos da ideia do waiver [uma espécie de autorização para gastar mais] porque na hora que você fala em waiver tudo vai para dentro do waiver. Hoje o relator do orçamento já queria colocar o teto de enfermagem dentro do waiver, então o waiver vai ficar sem limite.

A ideia é ser o mais rigoroso possível, rever o orçamento numa base de prioridades sociais claras. Fazer uma revisão orçamentária no sentido de a gente trazer para quatro anos de governo.

A gente quer retomar o planejamento neste país, retomar a ideia de que o orçamento simboliza o que o governo quer fazer em seus quatro anos de mandato. O orçamento secreto não está aí por acaso. O orçamento secreto está por aí porque o governo há muito tempo abriu mão de fazer planejamento e de fazer orçamento. Ele não tem clareza para onde ele quer ir.

Nós vamos retomar a ideia de um orçamento anual com bases plurianuais, revisão de despesas muito rigorosa, análise de políticas públicas para rever gastos tributários — se bem que gastos tributários ajudam na despesa, mas não vão liberar receitas — e fazer análise de impacto fiscal a priori. Quando a gente tiver uma discussão sobre piso de enfermagem, piso de categorias, a gente tem que mostrar para a sociedade os dilemas do conflito distributivo. Essa era a função primordial do teto, além de estancar as despesas do governo Dilma [Rousseff], deixar claro o conflito distributivo.

Quando você tem o próprio governo abrindo mão de negociar com o Congresso, da economia política de mostrar as restrições orçamentárias, e furando o teto para todo tipo de gasto eleitoral, você perde o sentido de uma discussão de escolhas numa sociedade. E a gente precisa retomar isso.

IM: A ideia de limitar despesas, de limitar os gastos do governo pela inflação do ano anterior, seria mantida?

EL: É, [a ideia] seria manter. Mas para trazer isso de volta precisa ter um orçamento crível. Precisa ter uma base onde as pessoas possam ter credibilidade de que aquela despesa vai ser minimamente respeitada. Se você começa com um orçamento feito esse que o governo Jair Bolsonaro entrega, você já sabe que qualquer coisa que você fizer em cima dele não tem credibilidade nenhuma.

Mas a sua pergunta é importante porque se a gente lembrar, a discussão do teto iria acontecer em 2026, porque exatamente depois de dez anos se esperava que o Brasil tivesse atingido superávits primários e que, com isso, pudesse flexibilizar despesas. As pessoas querem flexibilizar despesas antes de atingir superávits primários de forma consistente, sem que tenham havido as reformas que poderiam liberar mais recursos para despesas discricionárias, ou seja, querem acabar com o teto sem ele ter cumprido totalmente sua função.

Uma discussão de algum tipo de indicador que vai permitir que no futuro você tenha flexibilização de despesas vai ter que ter. Esse é o objetivo. Ninguém quer manter despesas limitadas para sempre. Mas a gente quer ter redução da dívida pública, a gente quer ter o superávit primário de forma consistente e permanente. Agora, não adianta desistir de uma regra e não ter nenhuma outra no lugar, e voltar ao que foi o país em 2015, 2014. Não dá para aceitar isso. Tem inflação, juros altos, tudo o que a gente já viu no passado.

IM: Vamos falar sobre reforma administrativa. Como é possível reduzir de forma significativa as despesas do governo com essa reforma sem que isso traga insegurança jurídica e uma enxurrada de processos judiciais com isso?

EL: Em primeiro lugar, eu acho que vocês leram o programa certamente para a gente estar debatendo aqui. A nossa ideia de reforma administrativa é muito mais que recursos humanos. Você tem lei de governança pública, todo um novo impacto de gestão dentro do governo, porque o que se perdeu no país hoje em dia, independentemente da qualidade ou do custo da folha de pagamento, é a capacidade de gestão. As noções básicas de governança e gestão foram perdidas.

Desde você ter um ministro falando uma língua, outro ministro falando outra língua, que é diferente da língua do presidente da República, que não é ouvida no Congresso Nacional. Quer dizer, a gente tem hoje uma babel onde quem grita mais alto, ou quem tem mais poder de lobby, leva. Não é exatamente isso que é uma forma de governar. Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer é um choque de gestão, por isso o programa da Simone tem essa pegada do meio ambiente, do clima, da descarbonização, do social e gestão.

É preciso retomar a qualidade de governança, as agências reguladoras, a preparação dos servidores públicos, fazer cursos da ENAP [Escola Nacional de Administração Pública]. Tudo isso para melhorar a qualidade da prestação de serviço público. Tudo no programa da Simone é matricial. Quando a gente fala em melhorar a qualidade da prestação de serviço público, a gente está pensando num serviço público lá na ponta. A qualidade da moradia, do saneamento, da água, da educação, da saúde, do ambiente doméstico.

A gente não pode mais permitir que o Brasil não tenha condições de dar apoio à população de baixa renda, como vimos por exemplo quando chegou a pandemia.

Então, a gente quer uma boa prestação de serviço público porque o pobre fica mais pobre se ele não tem serviço público. Nós aqui, podemos apelar para escolas privadas, serviços privados. A ideia da reforma administrativa é a ponta, é a sociedade.

Dito isso, a gente obviamente bebeu na fonte dos trabalhos já avançados feitos pelo Carlos Ari Sundfeld, Ana Carla Abrão, Armínio Fraga e no nosso programa está trabalhando a Vera Monteiro, que também é uma especialista em administração pública. Eu acho que há muito tempo está claro que você não precisa fazer uma emenda constitucional. Este é o primeiro erro que esse governo [de Jair Bolsonaro] fez. É gastar tempo montando uma emenda constitucional desnecessária, porque se a estabilidade é para esse governo fundamental — e não é, porque a estabilidade já está de alguma forma flexibilizada na Constituição, só falta regulamentar — no nosso caso, a estabilidade não é a finalidade da reforma administrativa.

O que a gente tem que ter são critérios de avaliação de desempenho. E esses critérios são onde a gente pode dar bônus, onde a gente possa ter progressão de carreira, onde as progressões não sejam automáticas, é preciso fazer uma mobilidade de mão de obra dentro do setor público, às vezes você tem concursos desnecessários com mão de obra sobrando. Para a gente chegar para você e dizer qual é o número que a gente vai ter de economia [com uma reforma administrativa], é muito difícil de dizer. Certamente não é um número de impacto de curto prazo. Impacto de curto prazo tem congelamento da folha de salários, que de cara você tem esse ‘ganho’. Mas não é por aí que a gente quer fazer.

Mas a gente quer abrir espaço também com a digitalização, com a maior eficiência do governo, com a redução das empresas estatais. Tudo isso é uma parte da reforma administrativa. De fato, a gente precisa abrir espaço de despesa discricionária. Voltando ao orçamento deste ano, nunca se viu um nível tão baixo de investimento público, ainda que fosse o minimamente necessário, como se está vendo agora. Investimento público equivalente ao tamanho do orçamento secreto, isso é um absurdo. O país não pode continuar desse jeito.

A nossa preocupação é bastante qualitativa. Eu vi outro dia uma projeção que dizia que poderíamos conseguir R$ 400 bilhões em dez anos com uma reforma administrativa, feita por uma consultoria especializada em contas públicas, mas é muito difícil eu me comprometer com um valor. Certamente vai haver uma redução do tamanho da folha e um aumento da qualidade, esse é o nosso objetivo. Estimular o bom servidor, não é simplesmente jogar uma granada no bolso de ninguém, a gente quer estimular o bom servidor. Já trabalhei no governo, conheci inúmeros servidores da melhor qualidade. A gente quer trazer essas pessoas, com mais ânimo, com mais disposição, com mais reconhecimento.

IM: A grande questão que os economistas colocam são os gastos obrigatórios. Você falou em privatizações, você falou em reforma administrativa, em desonerações, uma série de fatores que poderiam mexer um pouco do lado de despesas e receitas, nesse equilíbrio. Quais outros pontos que podem ser fontes de recursos para que as diversas medidas do programa da Simone Tebet sejam factíveis?

EL: Em primeiro lugar, a gente acredita que, com o governo de Simone Tebet, a gente vai conseguir uma âncora de credibilidade, de tranquilidade no país, tanto política e institucional quanto econômica, que a gente abre um caminho para retomar o crescimento, os juros futuros caírem, uma menor volatilidade do dólar. A mudança na agenda ambiental vai trazer novos investimentos. Então, acho que a gente tem espaço para crescimento, o que nos ajudaria de um lado importante, que é o crescimento do PIB. Afinal, toda política tem o objetivo de crescer.

O que nos define diferentes dos candidatos populistas é que a gente sabe que dá trabalho para chegar ao crescimento. Tem que fazer reforma tributária, tem que fazer reforma administrativa, abrir a economia, investir em capital humano, para que a gente possa chegar nessa agenda de crescimento e não simplesmente usar o Estado para induzir.

Não vamos abrir teto para investimento em infraestrutura. Para isso, nós faremos parcerias com o setor privado, dando estabilidade. O mercado de capitais privado já mostrou que consegue mais do que compensar a redução do desembolso do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].

Então, a primeira questão é, sim, essa discussão. Obviamente que a gente precisa voltar ao tema das reformas. O tema das reformas sempre avança no primeiro ano de governo se você souber usar. Então, a gente teve um ciclo de reformas muito importante no governo Fernando Henrique. Depois o Lula fez uma continuidade no início de seu primeiro mandato. Abandonou as reformas. A Dilma nem tentou. Fez alguma coisa ou outra muito fraca, mas nada na direção da liberalização, da modernização. O Temer retomou, deixou quase tudo pronto para o governo Bolsonaro, que desperdiçou a oportunidade. Não fosse o Rodrigo Maia, nem a Reforma da Previdência a gente teria.

Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer é voltar, completar o ciclo de reformas. Reforma tributária, tenho certeza que com a simplificação tributária a gente vai melhorar a arrecadação, vai melhorar a produtividade e a eficiência. Ao mesmo tempo combatendo a regressividade. A gente já está com o lado social, que é a diminuição da regressividade através dos regimes especiais. Mas, como você falou, gastos tributários ajudam a gente em metas de primário, em metas de dívida, ele não vai liberar espaço no teto no primeiro momento. Mas ele ajuda a melhorar os indicadores.

E se, de alguma forma, a sociedade tiver um acordo para que a gente possa vincular teto de despesas com resultados fiscais, isso acelera uma possibilidade de a gente ampliar investimentos públicos. Vai depender muito do, como a gente chama, o goodwill do presidente que ganha no primeiro ano conseguir passar essas reformas e fazer o Congresso entender que é preciso fazer escolhas. Não dá para continuar com o orçamento secreto, onde os gastos são totalmente dissociados das necessidades da população.

A segunda questão é que a gente está vendo cada vez mais uma reação política e jurídica, e dos tribunais de conta, contra o orçamento secreto. A gente tem aí um espaço orçamentário de utilizar parte desse orçamento secreto que não vai precisar nem de negociação, simplesmente uma decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] para que a gente acabe com a falta de transparência com esses recursos de R$ 20 bilhões, como eu falei, que é o tamanho do investimento público pensado para o ano que vem.

IM: E as privatizações? Quais devem ser feitas?

EL: Vamos falar da desestatizacão. Vamos falar francamente sobre desestatização. Ela não vai dar grandes ganhos num primeiro momento. A gente vai deixar de gastar com um avanço de privatização, revendo empresas dependentes do Tesouro, fechando algumas empresas que não têm necessidade de existir, fundindo outras empresas. Mas você não vai ter nenhum ganho porque a Simone já se comprometeu a não privatizar a Petrobras nem o Banco do Brasil, que são as duas empresas [estatais] de fato que poderiam gerar algum caixa para o governo.

De qualquer forma, no nosso programa de privatização, os recursos de privatizações serão todos dedicados a programas sociais. Quando eu fiz privatização no governo de Fernando Henrique [Cardoso], o objetivo era abater dívida. Havia um desarranjo nas contas públicas enorme, uma falta de credibilidade no governo na administração das contas públicas. Teve toda uma reorganização no Tesouro Nacional etc, que hoje, apesar de a relação dívida/PIB estar elevada, a gente não tem essa sensação de desarranjo completo. A gente sabe que se a gente retomar a responsabilidade fiscal, fazer as regras claras serem cumpridas, a gente pode utilizar os recursos da privatização para políticas sociais.

Há muito tempo que eu não faço lista. Eu parei de fazer lista em 2018, porque eu mudei completamente a minha visão sobre privatização. Há uma cultura no Brasil de que a presença do Estado é regra e não exceção. Na realidade, a presença do Estado na atividade econômica é exceção pela Constituição Federal, e não regra. Ela é prevista para imperativo de segurança nacional ou alguma política pública muito bem definida em lei.

As empresas estatais foram fundadas no Brasil, foram criadas em outra época, onde já existia esse comando mas com uma visão de que o Estado era indutor de crescimento. Agora não. Então, a minha ideia é de que se faça um grupo, pode ser PPI [Programa de Parcerias de Investimentos], pode ser PND [Plano Nacional de Desenvolvimento], pode ser dentro do BNDES, ainda não pensamos, pode ser através de uma secretaria executiva ligada à presidência, onde a gente reveja todas as empresas estatais do Brasil. Depois da venda da Eletrobras, são 47 estatais e 133 subsidiárias.

A gente vai rever todas elas. E aí vamos fazer uma espécie de sala de espera. Depois a gente vai ver aquelas que encaixam na Constituição Federal, as que têm uma função pública muito clara, como por exemplo todo mundo sempre cita a Embrapa, que é dependente do Tesouro e continua. Aquelas que a [candidata a] presidente já disse que não vai privatizar, que é a Petrobras e o Banco do Brasil. Aí, a gente começa a ver o que sobra.

Eu não fiz lista, mas eu posso dar exemplos para você. Valec não tem sentido nenhum de existir. EPL pode ser absorvida pelo BNDES. Telebras, totalmente atrasada na questão de telecom, tem que pensar alguma coisa pra satélite, mas para que banda larga na Telebras se temos agora o 5G, tem uma disputa muito mais avançada. Correios, que o governo perdeu o prazo. É uma discussão interessante. Vai existir cartas no futuro? O que você faz com uma atividade que está entrando em extinção? O problema dos Correios é que você não pode sair privatizando sem pensar numa solução para 90 mil funcionários.

São 90 mil pessoas que podem ser reeducados, no sentido de retreinamento para outras funções. Por que que os Correios não podem ajudar os assistentes sociais com visitações para entender o perfil de cada família? Para recuperar o atraso da pandemia, o atraso na capacitação, vai ter que ter um aumento enorme da visitação familiar para ver o atraso no aprendizado, qual é a capacitação daqueles adultos naquela casa, por que que o jovem saiu da escola. Os Correios já têm aquelas pessoas que chegam na sua casa. Simplesmente não dá para esquecer que tem 90 mil funcionários.

Tem a Hemobrás, que foi criada há pouco tempo porque plasma é monopólio da União. O que a gente vai fazer com a Hemobrás? Só dá prejuízo, foi pega em corrupção, o sujeito que era presidente da Hemobrás jogou dinheiro pela janela, acho que foi no governo Dilma [Rousseff] ainda. A própria Embrapa, está na maior eficiência possível? Precisa de choque de gestão? A gente precisa discutir isso.

As duas vedetes a gente não vai mexer agora no momento [Petrobras e Banco do Brasil] porque elas têm uma função que a gente precisa discutir. Como a gente vai mexer no crédito agrícola neste momento no Brasil? Não vai. E Petrobras é a última das prioridades, porque é uma empresa estatal que está funcionando superbem, que está entregando centenas de milhões para o Tesouro, nós vamos manter a paridade de preços [PPI], porque é assim que a Petrobras funciona, é assim que a Petrobras cumpre sua função social.

Que fique claro que função social não é fazer política pública de subsídio tarifário. A Petrobras tem que cumprir com seu estatuto social, que é exploração, produção, tecnologia e isso ela faz. Se o governo não gasta bem o que recebe, é uma outra questão.

Então, a Petrobras é a última opção. E mesmo que se pensasse em privatizar a Petrobras, tem que fazer exatamente o oposto ao que foi feito na Eletrobras. E o oposto do que o governo está prometendo agora, que é simplesmente fazer uma capitalização. Você deixou a Eletrobras, que é uma empresa com domínio no mercado, uma empresa que está indo para o mercado livre de energia, que tem 24% do mercado, não aproveitou a privatização para avançar com a modernização do setor, ao contrário, o projeto de lei 414 que faz a modernização ficou para trás, enquanto os ‘jabutis’ entraram.

E se você for fazer com a Petrobras isso agora seria a mesma coisa. Como é que você vai simplesmente fazer uma capitalização e deixar um ‘quase monopólio’ na mão do setor privado? Tem que terminar a venda das refinarias, tem que terminar a venda de transporte, tem outras subsidiárias para vender, então a Petrobras é um longo processo. Não é um ataque midiado de nenhum governo que queira fazer redução de despesas neste momento.

IM: A senhora falou em utilizar o dinheiro de privatizações na área social. O programa da Simone Tebet foca bastante em programas sociais, inclusive com um seguro ao trabalhador informal e na criação de um novo programa de transferência de renda perene que substituiria o Auxílio Brasil, com regras mais justas. Como encontrar recursos para manter tais programas?

EL: Esses programas perenes estão todos dentro da lei de responsabilidade social. Eles não são desvinculados do valor do que hoje é chamado Auxílio Brasil. Quando nós começamos a estudar esse trabalho, quem está participando do programa é o Fernando Veloso, ele fez um trabalho junto com Marcos Mendes e Vinicius Botelho, que deu origem à lei de responsabilidade social. A ideia era focalizar os benefícios do Bolsa Família para que você pudesse ter maior eficiência nos gastos sociais no Brasil, porque a gente sabe que eles representam 27% do PIB. Não é pouco.

A ideia era focalizar esses gastos, juntando os quatro benefícios do Bolsa Família, repensando seguro defeso, abono salarial, essas coisas. Quando a gente começou a fazer as contas, e foi mais atrás, a gente fez as contas em cima do Bolsa Família, que era um tíquete muito menor, um terço do que seria o tíquete do Auxílio Brasil, só que era focalizado. Junto com isso, durante a pandemia, a gente percebeu duas coisas importantes: a volatilidade do trabalhador vulnerável, seja formal ou informal, de uma hora para outra ele ficava sem segurança, principalmente os informais, e a grande evasão escolar no ensino médio.

Então, se juntou nesse programa de responsabilidade social dois programas independentes que fazem parte dos R$ 600: o Poupança Mais Educação — que é esse programa que está dando polêmica, que as pessoas estão achando que o governo vai dar R$ 5 mil para qualquer pessoa que terminar o ensino médio, e não é isso, é um depósito do governo mensal para famílias que estão dentro do escopo do Auxílio Brasil; os filhos matriculados vão receber uma mensalidade desde o primeiro ano do ensino fundamental e se, e somente se, o jovem terminar o ensino médio, ele recebe a poupança que foi depositada em títulos do Tesouro, o que daria, quando o valor [do Auxílio Brasil] era R$ 200, uns R$ 3 mil; quando o valor subiu para R$ 600, daria em torno de R$ 5 mil, mas isso depois de ele completar todo o ciclo educacional; e com esse recurso, ele pode dar início à vida dele — e o seguro Salário Família, que é a pessoa faz uma autodeclaração de renda e o governo faz uma poupança de 15% dessa autodeclaração para que ela tenha uma poupança em caso de perda repentina de renda.

IM: Vamos falar de reforma tributária. A programa da Simone foca numa proposta que seja neutra, sem aumento de carga. Qual das PECs [Proposta de Emenda à Constituição], a 110 ou a 45, é a que a campanha tem apoiado mais? Quais são os ajustes necessários para essas propostas? Como resolver o problema dos estados e municípios?

EL: Primeiro, eu queria contextualizar a reforma tributária, porque ela faz parte da nossa agenda de aumento da produtividade. O Brasil precisa aumentar sua produtividade, a gente perdeu o bônus demográfico, a gente não tem outra opção de crescer e incorporar pessoas se a gente não aumentar a produtividade. E a agenda de produtividade não é simples. Ela não é um choque de curto prazo. Ela tem tanto o choque de gestão do governo, a privatização, a abertura comercial, melhoria da infraestrutura, capacitação do capital humano e reforma tributária.

A principal delas, de curto prazo, é a reforma tributária. A Simone já se comprometeu em dizer que seria a primeira reforma que ela levaria ao Congresso. Está na nossa equipe a Vanessa Canado, que foi uma das autoras, junto com Bernard Appy, da PEC 45. Então, a gente gosta muito da PEC 45, mas a Simone tem uma posição pragmática, tendo passado oito anos no Congresso, ela diz: Elena, se estiver avançado em alguma das Casas a PEC 110, a gente vai conseguir que no Senado, a Casa revisora, a gente avance e faça os destaques e as emendas necessárias. Não dá para adiar a reforma mais. Se nenhuma das duas tiver avançado e puder retomar uma delas do zero, eu acho que a melhor é a PEC 45.

Obviamente que a nossa reforma tem o objetivo de ser neutra. Neutra em todos os sentidos, não só da questão da carga tributária não se elevar, mas neutra também no sentido de alocação, porque o Brasil tem um sistema tão complicado, tão cheio de regimes especiais, tão cheio de detalhes, que você afeta a alocação eficiente da economia. Uma empresa tem determinado tamanho porque ela precisa estar num regime simplificado, ela está em um determinado estado porque ela ganhou um incentivo do ICMS e não porque aquele estado tem a melhor logística ou a melhor mão de obra para o seu negócio, e por aí vai.

Você é um profissional liberal, você escolhe de que forma você vai pagar seu imposto. Isso não pode mais acontecer. A gente tem que ter uma neutralidade e a base é a renda. Não importa de que forma você auferiu a renda, você tem que pagar o mesmo imposto, independentemente de onde você estiver. Daí a discussão sobre lucros e dividendos. A reforma tributária da gente tem dois pés, a simplificação, o fim da guerra fiscal, e obviamente para ser neutra você tem que fazer ajustes: tem setores que hoje já pagam mais do que deveriam e outros que pagam menos. Todos mundo quer pagar menos, mas não é possível. Essa discussão do setor de serviços é normal, ela faz parte.

Estava bastante avançado na PEC 45, mas o governo perdeu a oportunidade quando o [ministro da Economia] Paulo Guedes quis colocar CPMF, que é um imposto muito ruim, e aí atrapalhou toda a discussão da PEC 45 e nós perdemos quatro anos de discussão. Da mesma forma, a proposta sobre o Imposto de Renda começou de um jeito e virou um Frankenstein. Então, a gente tem que retomar a ideia de simplificação, e alguns setores vão ter que pagar mais que outros.

A grande preocupação da Simone era ter certeza que haveria os fundos de compensação dos estados e municípios. Lógico, você tem que ter um período para que essa compensação aconteça. Isso já está decidido que entra, se for a PEC 110, já tem um compromisso com o relator, e aí não sabemos quem vai estar no ano que vem. E na parte de Imposto de Renda, é toda a discussão de regressividade. Não dá mais para rico não pagar imposto no Brasil.

Eu sempre uso meu exemplo, eu caio em todos os regimes especiais possíveis regressivos do Brasil, eu tenho fundo fechado, eu não tenho limite para despesa médica, a minha alíquota é de PJ [pessoa jurídica], eu sou sócia na distribuição de lucros e dividendos, então é um absurdo que pessoas da minha classe de renda paguem tão pouco imposto.

A gente não vai conseguir mexer no Simples. Acho que o importante é não aumentar o limite do Simples. Para o nível de renda que o Brasil tem, o Simples está muito bem no seu tamanho. A gente tem uma preocupação que o MEI [microempreendedor individual] está tendo muita inadimplência na questão de seguridade, tem que entender o que acontece com o MEI porque não podemos deixar essas pessoas sem cobertura. Eu acho que regimes especiais como o dos fundos privados, por exemplo, que a gente tem. Despesas médicas não terem limite enquanto despesas com educação têm limite, mas os dois são fundamentais, então se tem limite em um poderia ter no outro.

São todas essas discussões e a revisão de regimes especiais que foram introduzidos numa época de desenvolvimento, de modelo de crescimento completamente diferente da atual. Hoje, a indústria é outra. A demanda de industrialização é outra. A gente quer a industrialização do futuro, verde, descarbonização, tecnologia, inovação, e não uma proteção de indústrias antigas que já são maduras. Tudo isso vai ser revisto, com uma análise de impacto da política pública junto.

Uma coisa importante do nosso programa é a devolução do imposto de consumo de baixa renda. Isso também é importante, fazer com que as pessoas de baixa renda que pagam imposto em bens no seu consumo, recebam de volta [o valor pago].

IM: Vamos falar de meio ambiente. Qual é a importância do tema na campanha de Simone Tebet? Como resgatar a imagem do Brasil numa área que hoje é fundamental para o mundo?

EL: Nosso programa tem o socioambiental em cima e embaixo o programa econômico. Então, o meio ambiente tem uma importância crucial no nosso programa. Por que? Primeiro, porque a gente não pode continuar contribuindo com queimadas, com desmatamento da Amazônia, a gente tem que contribuir, não só o Brasil, mas a humanidade, em reduzir a emissão de carbono. Isso é um compromisso ambiental e humanitário.

Mas fora isso, o Brasil tem a Amazônia e os biomas, e a proteção é uma obrigação de qualquer governante. Temos que retomar o controle que foi perdido na fiscalização, no monitoramento e na punição do uso ilegal, seja garimpo, seja madeira. O desmatamento ilegal tem que ser zero. Vai ter o ‘revogaço’ do governo atual. A boiada do Salles [ex-ministro do Meio Ambiente] vai ser revogada e você retoma a importância da Funai, do Chico Mendes, do Ibama e de outros órgãos de cooperação.

A gente vai fazer uma secretaria executiva do clima ligada provavelmente à Casa Civil, para organizar essas retomadas das políticas de fiscalização e monitoramento. Mas a gente viu no passado que só a fiscalização e o monitoramento não adiantam, porque o desmatamento voltou a crescer em 2012.

Você tem que criar condições econômicas para as pessoas que vão ser deslocadas da ilegalidade. Essas pessoas precisam ter uma ocupação legal. Junto com toda a discussão da Amazônia, do verde, da floresta em pé, da transição climática, a gente tem que ter o social. A conectividade na Amazônia, saneamento, educação. Os índices de evasão escolar são os maiores na Amazônia, a violência é maior, falta saneamento. E o mesmo a gente também vê em outros biomas, onde a área desmatada também tem um impacto social muito negativo.

A descarbonização vai ser a alma da política industrial e ciência tecnológica do governo da Simone Tebet. A gente tem que avançar. O Brasil tem essa possibilidade. E, por fim, o Brasil vai mudar toda a sua diplomacia, vai ser uma diplomacia climática. Nós temos todas as condições de usar nossas vantagens competitivas para ser agente mundial dessa transformação. O Brasil vai ser um exportador líquido de carbono.

A gente tem que implantar rapidamente um mercado de carbono no Brasil. A gente já está avançando na tecnologia de hidrogênio verde, a gente sabe fazer transição energética, temos uma matriz limpa, a gente aprendeu que o Brasil tem aumento de produtividade sem o aumento de área desmatada, então a gente tem que avançar com essa produtividade para as zonas familiares e para a agricultura de menor escala. Eu acho que a gente pode ser uma grande potência ambiental no mundo.

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.