Empresas de fachada e tática para lavar dinheiro: o que CPI das pirâmides concluiu sobre a Binance

Os diretores da exchange foram indiciados por crimes contra o sistema financeiro nacional

Lucas Gabriel Marins

(Bloomberg)

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Uso de empresas de fachadas, dissimulação da origem do dinheiro dos investidores, omissão de informações e descumprimento da legislação brasileira. Esses foram os principais argumentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das pirâmides financeiras para indiciar diretores da Binance, maior exchange do mundo em valor de mercado, por crimes contra o sistema financeiro nacional.

De acordo o relatório final de mais de 500 páginas, aprovado por unanimidade pelos parlamentares na segunda-feira (9), Guilherme Nazar, Daniel Mangabeira e Thiago Sarandy de Carvalho (da Binance Brasil), bem como o CEO global, Changpeng Zhao, montaram uma “rede opaca de pessoas jurídicas” no país, todas controladas diretamente ou indiretamente por Zhao, “sem propósito negocial definido e com não outra finalidade que a evasão ao cumprimento da lei”.

“A maioria das empresas listadas têm aparência de empresas de fachada, ou seja, apresentam domicílio físico, mas com patrimônios diminutos, algumas da ordem R$ 100”, escreveram. No total, são sete CNPJs. A Binance, no entanto, diz ser uma empresa internacional sem atividades ou representação no Brasil, e que não está obrigada a adaptar seus serviços à legislação local.

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No relatório, os deputados também mencionaram que a Binance se vale de mecanismos usados por criminosos, como a utilização de uma conta única para receber dinheiro dos clientes (“contas-ônibus”), para dissimular a origem dos recursos e fazer branqueamento de capitais.

O Banco Central exige que instituições de pagamento conectadas ao sistema nacional criem contas individualizadas para o depósito do dinheiro dos clientes. A Binance, no entanto, nunca cumpriu a regra, segundo depoimento dados à CPI por representantes das empresas Capitual, Acesso e Méliuz – que tiveram variados graus de relação com a corretora de criptomoedas.

Segundo o relatório da Comissão, assinado pelo deputado Ricardo Silva (PSD-SP), a utilização desse modelo também permite que a exchange use o dinheiro depositado por um usuário para pagar outro, infringindo a legislação local e aumentando o risco do negócio – em prática que esteve no coração da queda da exchange FTX no ano passado.

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Em depoimento na CPI no mês passado, o diretor-geral da Binance Brasil, Guilherme Haddad Nazar, garantiu que a exchange não usa o dinheiro de um cliente para pagar outro. Na ocasião, ele falou que a exchange é “vítima reputacional” ao ser associada a pirâmides financeiras.

Operação irregular e omissão

No relatório, os parlamentares também mencionaram que a Binance pode estar operando derivativos ilegalmente no Brasil. Há um processo administrativo sancionador aberto na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar o caso, conforme revelado com exclusividade pelo InfoMoney no início deste ano.

No mês passado, o xerife do mercado de capitais recusou uma proposta de R$ 2 milhões da corretora para encerrar a ação, que ainda está aberta. A Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros de São Paulo também investiga a empresa.

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Ainda segundo o relatório, a exchange de criptomoedas oculta os rendimentos para a Receita Federal. “Estimativas aproximadas desta CPI indicam que a Binance deveria, pelo seu volume de participação no mercado brasileiro, estar recolhendo, apenas em tributos corporativos, um valor entre R$ 300 e R$ 400 milhões”.

Os parlamentares também acusam a empresa de omitir informações da CPI. Na oitiva com o diretor-geral da corretora no Brasil no mês passado, eles pediram a lista dos 700 maiores clientes do negócio no país. Na ocasião, Nazar se comprometeu a enviar a informação. Ao responder oficialmente o pedido da CPI, no entanto, a corretora alegou que não havia atendido a questão e não enviou nada.

“Como se vê, a Binance deliberadamente optou por omitir informações da Comissão. Essa postura apenas reforça as muitas suspeitas acerca da atuação da exchange”.

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O que diz a Binance

Em nota, a Binance disse que não mediu esforços para colaborar ativamente para os trabalhos da CPI. Afirmou ainda que rechaça “veementemente” tentativas de transformar a exchange e seus funcionários em alvo com “alegação de más práticas sem nenhuma comprovação” e “em meio a disputas concorrenciais” no Brasil e no mundo.

A exchange informou também que vem “atuando de forma contínua para ajudar proativamente autoridades de aplicação da lei ao redor do mundo e no Brasil para detectar atividades suspeitas e combater crimes e ilícitos financeiros envolvendo o ecossistema de criptomoedas”.

Na mira dos reguladores

Apesar dos supostos esforços junto às autoridades, a Binance entrou na mira de reguladores de outros países. Nos Estados Unidos, a corretora foi processada pela Securities and Exchange Comission (SEC, a comissão de valores mobiliários do país) por quebra de lei de valores mobiliários.

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O regulador norte-americano afirmou na ação judicial que a corretora burlou as regras que impedem a oferta de produtos proibidos (nesse caso, alguns criptoativos) a residentes nos EUA. Na época, a exchange negou as acusações e disse ter ficado “desapontada” com a investida.

A Commodity and Futures Trade Commission (CFTC, a agência reguladora que supervisiona o mercado de derivativos nos Estados Unidos) também está na cola da empresa. O órgão alega em ação judicial que a Binance não cumpriu com a obrigação de se registrar junto à agência. No país, apenas a Binance US, braço norte-americano da exchange, tem permissão para captar clientes.

45 indiciados

Além da Binance, os parlamentares pedem no relatório final da CPI o indiciamento de outras 44 pessoas envolvidas em supostos esquemas no Brasil. A 123Milhas, empresa que suspendeu a emissão de bilhetes em agosto, prejudicando milhares de pessoas com viagens agendadas para o final de ano, tem o maior número de pessoas.

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Em nota, a empresa disse que não é uma pirâmide financeira e que sua atuação não pode ser comparada à de uma instituição financeira. Falou também ser leviana a afirmação de que seus sócios e parentes realizaram movimentações financeiras ilícitas ou ocultação de patrimônio, e que são infundadas as acusações sobre as condições financeiras da empresa nos últimos quatro anos.

Outros dois indiciados pelo parlamentares foram o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho e seu irmão, Roberto Assis. Eles são acusados de envolvimento na promoção da 18K Ronaldinho, um suposta esquema com criptos que oferecia o falso rendimento de 2% ao dia com ativos digitais. A defesa deles não foi contatada pela reportagem para comentar o caso. O espaço fica aberto para o posicionamento.

Os pedidos feitos pelos parlamentares são realizados na forma de recomendação ao Ministério Público Federal (MPF), que é responsável por decidir pela abertura dos inquéritos.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney