A janela vai reabrir? Conheça as gestoras que mais investiram nos IPOs de 2021 e o que elas esperam para o próximo ano

Posição dos fundos nos IPOs de 2021 era de R$ 23,6 bi no fim do 1º semestre. Com volatilidade do mercado, gestoras equilibram perdas e ganhos

Mariana Segala | Bruna Furlani

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – Enquanto esteve aberta, a janela para as ofertas públicas iniciais (ou IPOs, na sigla em inglês) rendeu frutos no mercado brasileiro. Foram 45 operações, dois terços delas realizadas durante o primeiro semestre. Quem aproveitou para participar foram os fundos de investimentos: as gestoras brasileiras terminaram junho com uma posição líquida consolidada de R$ 23,9 bilhões em papéis de empresas listadas na B3 neste ano, segundo levantamento exclusivo da Economatica para o InfoMoney.

Entrar nos IPOs, no entanto, nem sempre proporcionou os resultados esperados para os fundos. A volatilidade que se abateu sobre o mercado de meados do ano para cá, além de desencorajar novas ofertas, também atingiu com especial impacto as ações das empresas mais recentes do pregão.

Dentre as ações das 45 empresas que abriram o capital em 2021, três quartos acumulam queda desde que foram listadas, com números muito ruins em alguns casos. Os papéis da Westwing (WEST3) e da Oceanpact (OPCT3), por exemplo, recuam cerca de 74%, enquanto os da Mobly (MBLY3) caem mais de 70%. Apenas 11 ações – de companhias como Vamos (VAMO3), Intelbras (INTB3) e Boa Safra (SOJA3) – estão no positivo.

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Como consequência, as gestoras que mais investiram nos IPOs realizados neste ano se equilibram entre perdas e ganhos. Ao final do primeiro semestre, a maior parte delas – 17 das 20 mais ativas – tinham posições maiores em IPOs com desempenho positivo (ações em alta) do que em operações com performance negativa (ações em queda). Em alguns casos, a diferença era pequena.

Confira abaixo a lista das gestoras que mais alocaram recursos de seus fundos em IPOs ao longo do primeiro semestre, segundo a Economatica. O levantamento abrange o período até 30 de junho de 2021 porque as gestoras têm até 90 dias para informar as posições de suas carteiras à Comissão de Valores Mobiliários – fonte primária dos dados. Assim, embora as gestoras possam ter alterado a alocação desde então, os números do primeiro semestre são os mais precisos disponíveis no mercado atualmente (veja outros detalhes metodológicos do levantamento ao fim do gráfico).

Três gestoras tinham posições maiores em IPOs com desempenho negativo do que positivo. Os fundos da Caixa Econômica Federal, que investiram fortemente na abertura de capital da Caixa Seguridade (CXSE3), ação que cai perto de 1% desde a estreia, são um exemplo. A M8 Partners, por sua vez, tinha posições concentradas na Cruzeiro do Sul Educacional (CSED3), ação que acumula perda de mais de 50% desde que chegou à B3. Já na Kapitalo as apostas eram mais diversificadas, incluindo Infracomm (IFCM3), Petro Recôncavo (RECV3) e Westwing.

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As preferências das gestoras

De modo geral, a leva de IPOs realizada neste ano permitiu que as gestoras ampliassem os horizontes de investimento. Muitos segmentos, embora representativos na economia, tinham presença pequena – quase nula, em alguns casos – no mercado acionário. Com as operações deste ano, o cenário começou a mudar.

Um exemplo é o agronegócio, segmento que protagonizou diversas ofertas – e acabou sendo um dos mais acessados pelos fundos da BB DTVM. Ao fim de junho, as carteiras administradas pela gestora do Banco do Brasil mantinham uma posição líquida de R$ 496 milhões em ações lançadas nos IPOs desse ano, com destaque para os papéis do agro.

O setor gira em torno de 25% do PIB do País, mas a presença na bolsa era mínima. Agora, com os IPOs, há várias novas empresas listadas

Maurício Schuck, head de gestão de fundos de ações ativos da BB DTVM

Graças à chegada de novos nomes ao mercado, a BB DTVM conseguiu aumentar a diversificação de alguns dos seus fundos setoriais – como o BB Ações Agro, lançado em fevereiro deste ano, por meio do qual a gestora do Banco do Brasil participou de “praticamente todos” os IPOs relacionados ao segmento, segundo o gestor. Foi o caso das operações de Boa Safra (SOJA3), 3Tentos (TTEN3) e Vittia (VITT3), por exemplo.

Bioeconomia, agronegócio
Getty Images

“Até o ano passado, apenas a Heringer (FHER3) era listada no segmento de fertilizantes. Agora, há mais duas ou três empresas. Essa janela de ofertas nos permitiu diversificar dentro do agro”, explica. O fundo do BB, que na época do lançamento tinha cerca de 30 ativos, entre ações e BDRs (recibos de ações estrangeiras negociados no pregão da B3), atualmente possui cerca de 40.

Em ofertas como a da Boa Safra, que teve demanda no mercado algumas vezes superior à quantidade de papéis disponíveis, a alternativa da BB DTVM foi seguir comprando mais papéis no pregão para completar a posição almejada. Em outros casos, a gestora já reduziu ao menos parcialmente a exposição aos papéis. “Às vezes, as histórias de crescimento vendidas nos IPOs não se concretizam tão facilmente”, diz Schuck.

Nos fundos da Equitas Investimentos, alguns dos IPOs favoritos deste ano foram os do setor de saúde – e o histórico de investimentos da gestora ajuda a entender a preferência. Um dos maiores casos de sucesso entre as aplicações da casa foi a participação na abertura de capital da Notre Dame (GNDI3), em 2018. Com o tempo, a saúde se tornou uma das suas áreas de maior expertise.

Não à toa, neste ano, a Equitas participou das estreias na Bolsa da rede de hospitais Mater Dei ( MATD3), da Viveo (VVEO3) e da Oncoclínicas (ONCO3). “Gostamos bastante do setor de saúde porque ele depende menos dos ciclos econômicos e porque ele deve ser impactado positivamente pelo envelhecimento da população brasileira, que vai precisar de mais serviços na área”, diz Luis Felipe Amaral, fundador e gestor de fundos da Equitas Investimentos. A posição líquida da gestora nos IPOs realizados em 2021 era de R$ 666 milhões no fim de junho.

Além da Mater Dei, a 3tentos e a Eletromidia ( ELMD3) estão entre as maiores apostas da Equitas em IPOs deste ano. A 3tentos, por exemplo, chamou a atenção da gestora por atuar em diferentes frentes e em vários pontos da cadeia agropecuária, do fornecimento de insumos e sementes até o crédito. “É uma solução quase completa para o cliente. A proposta de valor é interessante e a companhia tem forte presença no Sul, o que vemos como um diferencial. Além disso, é uma empresa de dono, do que gostamos”, observa Amaral.

Outras empresas que também entraram para o portfólio da Equitas foram Westwing, Oceanpact, Intelbras, Orizon (ORVR3), Armac (ARML3), Clearsale (CLSA3) e Mosaico (MOSI3). No caso da Mosaico, no entanto, a casa preferiu se desfazer dos papéis após a valorização das ações.

A chegada da tecnologia à Bolsa

Outro segmento que passou a ter maior representatividade no pregão da B3 com as aberturas de capital deste ano foi o de tecnologia, atraindo até mesmo gestoras que não se identificam necessariamente como casas focadas em IPOs. É o caso, por exemplo, da Neo Investimentos, que encerrou o primeiro semestre de 2021 com uma posição líquida de R$ 383 milhões em ações de empresas estreantes na Bolsa.

Desde 2010, a gestora montou posições em apenas quatro IPOs que considerou atrativos, segundo Matheus Tarzia, gestor dos fundos Neo Navitas. Foram as operações de Hapvida (HAPV3), Rede D’Or (RDOR3), Petz (PETZ3) e, em 2021, da empresa de tecnologia ClearSale (CLSA3), da qual participou com forte alocação.

Segundo o gestor, a razão é o fato de a ClearSale ter um negócio mais bem estabelecido e tangível, com geração de caixa — característica que nem todas as companhias de tecnologia que abriram capital na Bolsa brasileira possuem.

Danilo Vitti, analista dos fundos da Neo Navitas, reforça que a empresa é líder no segmento antifraude no País e atua com autenticação de identidade, segmento que vem sendo bastante demandado por bancos e varejistas. Além disso, segundo ele, o negócio está se movimentando para expandir internacionalmente. “Seu diferencial é ser a única que oferece todas as soluções de forma integrada, atuando desde o reconhecimento facial até a identificação de documentos. As demais empresas atuam de forma fragmentada”, destaca.

Os fundos da BB DTVM também apostaram no setor, de forma mais pulverizada. Segundo Schuck, a gestora entrou em “muita coisa interessante e boa”, como Intelbras, Mosaico, Dotz (DOTZ3) e Getninjas (NINJ3), além de já ter participado no ano anterior das operações de Méliuz (CASH3) e Locaweb (LWSA3), por exemplo.

Divulgação

Muitas dessas empresas tiveram suas ações alocadas em um fundo setorial, o BB Ações Tecnologia – que, no passado, chamava-se BB Ações Telefonia. “De um tempo para cá, conseguimos diversificar a carteira e, por isso, até alteramos o nome do fundo”, explica o gestor. “Só as empresas provedoras de serviços de internet temos três novas listadas: Unifique (FIQE3), Brisanet (BRIT3) e Desktop (DESK3)”.

Schuck destaca que uma parte das empresas ligadas à tecnologia chegou ao mercado quando a turbulência já estava se instalando. “Como elas têm múltiplos mais esticados, são as primeiras que sofrem diante da volatilidade. Muitas ainda não estão entregando o que visualizamos nelas”.

O gestor destaca que o desempenho das empresas que chegam à Bolsa “com a promessa de se tornar” costuma ser muito diferente da performance daquelas que estreiam depois “que já se tornaram” – e a maior parte das techs está incluída no primeiro grupo. “Algumas empresas fazem o IPO, pegam o dinheiro e saem comprando [outras empresas], como Locaweb e Ambipar (AMBP3). O mercado gosta disso”, diz. Nem todas, no entanto, conseguem concretizar planos de consolidação tão rapidamente. “A Méliuz fez isso, mas a Mosaico, por exemplo, não. Ficou parada”.

Está caro? Está barato?

Na visão de José Tovar, sócio-fundador e CEO da Truxt Investimentos, os IPOs realizados ao longo de 2021 vieram, de modo geral, com preços equilibrados. “Em 2020, achamos que as operações estavam saindo muito caras, pois a liquidez era absurda. Resolvemos não participar de vários”, diz. Neste ano, segundo ele, o mercado “ganhou racionalidade maior”. Em junho, a Truxt tinha uma posição líquida de R$ 609 milhões nos IPOs realizados em 2021.

Entre alguns dos IPOs de que a gestora participou recentemente estão o da GPS (GGPS3), prestadora de serviços de limpeza e segurança, e da rede de academias Smart Fit (SMFT3), além da operação da empresa de tecnologia VTEX, realizado na Bolsa de Nova York. Segundo Tovar, a Truxt tem por hábito acompanhar companhias com potencial para realizar uma abertura de capital desde muito antes da operação ser concretizada. “Nos últimos anos, fomos procurados por algo como 160 empresas, das quais 60 fizeram IPO. Participamos de cerca de 20”.

Alguns gestores reconhecem que pagaram caro demais em certas operações. É o que Amaral, da Equitas, pensa hoje da abertura de capital da Oceanpact, realizada em fevereiro. “Nos apoiamos na premissa de que a companhia estava muito bem estruturada em seu processo de planejamento, o que se provou uma decepção, a partir das revisões de expectativas após o IPO”, diz.

O desafio da empresa daqui para frente, segundo o executivo, é reconquistar a credibilidade do mercado. O problema, diz, é que o caminho para alcançar isso deve ser longo. Desde o seu IPO até ontem (22), as ações da prestadora de serviços de suporte marítimo apresentaram queda de 73,81%. Durante o mesmo período, o Ibovespa recuou 14,40%.

Loja da Westwing (Divulgação)
Loja da Westwing (Divulgação)

Amaral identifica situação semelhante no caso do IPO da Westwing. Ele admite que tinha dúvidas sobre o potencial de crescimento da companhia em um cenário pós-pandemia – e a questão segue presente. “Enxergamos hoje que a pandemia teve um impacto positivo desproporcional para esse segmento [comércio eletrônico]”, observa. “A Westwing terá um desafio grande de expandir seu mercado para além do nicho de compradores de alta renda, o que sugere um crescimento futuro bem menor e a um custo mais elevado”.

A janela vai reabrir?

Depois de uma janela de grande liquidez no começo do ano e entre maio e julho de 2021, dezenas de empresas desistiram de seguir adiante com operações que tinham previsto realizar ainda neste ano. “Vimos ofertas que chegaram a ter valuation, reuniões, road show e acabaram não saindo”, diz Schuck, da BB DTVM. Também houve casos de pedidos de descontos de 15% a 20% nos valores estimados das ofertas.

A expectativa de Tarzia, da Neo Investimentos, é de que o mercado fique ainda mais seletivo neste fim de ano e começo do ano que vem. Seletividade, aliás, é o termo mais repetido entre as gestoras ao se referir à possibilidade de novos IPOs nos próximos meses.

A janela nunca fecha totalmente. Um setor diferente e com uma tese mais específica pode voltar a chamar a atenção do mercado

Matheus Tarzia, gestor da Neo Investimentos

Tarzia, no entanto, ressalta que volumes como os verificados no primeiro semestre não devem se repetir tão cedo.

Tovar, da Truxt, avalia que o apetite para o risco diminuiu, dadas as crises sequenciais que o País têm vivido – seja no campo econômico, político ou fiscal – e o aumento da taxa básica de juros. Com as metas sendo satisfeitas pela remuneração dos títulos públicos atrelados à inflação, é difícil que fundações de previdência, por exemplo, se animem a participar de novas ofertas. “Nós topamos participar de IPOs no preço que achamos correto. E a racionalização aumentou”, diz.

Para Schuck, quanto mais 2022 se aproxima, mais a janela para IPOs se fecha. “Anos de eleição trazem muita volatilidade para a Bolsa. Historicamente, são muito fracos para IPOs”, avalia. “Algumas empresas estão acelerando para tentar lançar ações ainda nesse ano, mas pouca coisa deve sair”.

Além do peso das eleições sobre o mercado, há outro fator que pode desestimular algumas empresas a se movimentarem rumo a um IPO: a concorrência com os BDRs. Se até pouco tempo atrás ser único em um setor era um ponto a favor para uma empresa candidata a abrir o capital, hoje os recibos de ações estrangeiras cumprem um papel de prover acesso a segmentos pouco representados na Bolsa brasileira. “A concorrência deixou de ser apenas interna”, diz Schuck.

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Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney