Assinar ou financiar? Veja qual a melhor forma para adquirir um carro 0 km em 2023 sem comprometer o bolso

É preciso pesquisar: preço médio de um automóvel no Brasil alcança R$ 129 mil

Giovanna Sutto

Em um momento de grande inadimplência, em que 40% dos brasileiros estão com o nome negativado, comprar um carro não figura como uma prioridade para muitas famílias. Mas, mesmo quem pode considerar uma nova aquisição, vai ter que pesquisar muito para fazer um bom negócio: o preço médio de um automóvel no Brasil é R$ 129.262,92, segundo dados de novembro compilados pela consultoria automotiva Jato Dynamics. Considerando o mesmo mês, o valor é 3,6% mais alto que o observado em 2021; 43,5% maior que 2020 e 64,4% acima do preço médio em 2019.

Nesse cenário, o consumidor deve buscar alternativas para conciliar a necessidade de ter um carro com o orçamento no azul. Além do financiamento do carro, mecanismo já conhecido do brasileiro, uma alternativa que vem ganhando força é o carro por assinatura, modelo em que você paga uma taxa fixa por mês para utilizar o carro zero quilômetro. O consumidor fica responsável apenas pelo custo de abastecimento e eventuais multas — seguro, imposto e manutenção ficam sob a responsabilidade da empresa na qual o serviço foi contratado.

A frota das empresas de locação destinada para o carro por assinatura cresceu 20,8%%, para 110 mil unidades, entre janeiro e outubro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2021, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA).

Os números contabilizam apenas os veículos de empresas de locação, excluindo a frota de montadoras que também já oferecem o serviço. Hoje, das dez fabricantes com maior participação de mercado, segundo a Fenabrave (associação de concessionárias), Fiat, Jeep, Volkswagen, Renault e Toyota já têm seus programas de assinatura próprios. Chevrolet, Honda, Peugeot, Citroen e Hyundai ainda não entraram nesse nicho.

“A assinatura vem crescendo porque atende quem não tem dinheiro para financiar um carro e também quem não quer ter um, quem enxerga o carro como um serviço”, diz Ana Renata Navas, diretora geral da Cox Automotive, grupo dono da Kelley Blue Book (KBB), consultoria automotiva. Segundo dados do Banco Central, a taxa de juros para financiamento de veículos pode chegar a cerca de 60% ao ano, a depender da instituição financeira, além do valor de entrada.

Nessa conta também entra a mudança de comportamento de alguns consumidores durante a pandemia, que repensaram seus custos e mudaram de estilo de vida, com o home office, e hoje entendem que usar um carro de aplicativo ou assinar para ter um quatro rodas à disposição faz mais sentido do que desembolsar dinheiro para comprar um veículo.

“O modelo de assinatura basicamente faz o consumidor pagar pela depreciação do carro no período que utiliza o veículo, que pode variar entre 12 e 36 meses, no Brasil, a depender da empresa que oferta”, complementa a especialista.

Para se ter uma ideia da lógica desse mecanismo, considere um consumidor que assina um contrato de 24 meses por um carro que custa R$ 100 mil, e tem uma depreciação de 20%, por exemplo. O valor dessa depreciação está embutido na parcela mensal fixa, então, seriam R$ 20.000 divididos pelo número de meses de contrato, que daria uma parcela de cerca de R$ 835, mais impostos, taxas de administração e o lucro da montadora.

Por outro lado, a assinatura também vem sendo impactada pela alta dos preços e, a depender do modelo o consumidor, pode encontrar parcelas fixas mais “salgadas”, acima dos R$ 3.500 por mês para SUVs, por exemplo. Antonio Jorge Martins, diretor e coordenador acadêmico executivo da FGV, afirma que há um processo de transformação tecnológico que começou antes da pandemia, e que foi muito acelerado nos últimos dois anos: os veículos vêm sendo anunciados com mais tecnologias e mais meios eletrônicos.

Segundo Martins, é uma tendência, mas que afetou o consumidor diante da escassez de matéria-prima, especialmente de semicondutores, durante o período de pandemia. Fábricas ao redor do Brasil e do mundo chegaram a parar a produção pela falta de peças em vários momentos dos últimos dois anos.

Esse movimento fez também a oferta de carros zero quilômetro reduzir muito, o que gerou alta demanda pelos seminovos e impulsionou o preço deles para cima. “O seminovo deixou de ter uma procura exagerada e a demanda está equilibrando. Aos poucos, o problema com a falta de peças está ficando para trás. Mas a dinâmica mudou do ano passado para 2022”, diz Navas.

Para enfrentar esse momento de incerteza, as montadoras precisaram se adaptar ao longo de 2022. “Deixaram de ofertar carros em grandes volumes e passaram a priorizar a lucratividade reduzindo o número de versões e apostando nos veículos com mais tecnologia embarcada, que são mais caros. Assim, as peças recebidas foram sendo direcionadas para a produção de certos carros, de forma estratégica. As empresas optaram por vender menos, mas vender mais caro”, explica Martins.

Os veículos têm mais tecnologia, porém, como consequência desse processo todo em que o mercado ficou inflacionado, quando comparado com o período pré-pandemia. “O brasileiro gosta da conectividade, mas digitalizar mais os carros onera o produto e faz com que as empresas repassem o aumento de custo para o cliente”, diz o coordenador da FGV.

O conjunto desses fatores dificulta a vida do consumidor. “Não há poder de compra que acompanhe essa elevação de preços de carros”, salienta Martins. De novembro de 2019 até o mesmo mês em 2022, o preço médio do carro no Brasil subiu cerca de R$ 50 mil, ou alta de 63,4%. O brasileiro não viu sua renda evoluir nesse ritmo: o salário mínimo subiu 20,4% entre 2019 e 2022.

É consenso entre os especialistas ouvidos que os preços dos carros não voltarão para um patamar pré-pandemia. “A realidade a partir de agora é de modelos com mais conectividade e mais caros do que o observado há dois, três anos”, analisa Martins. “Não vejo nenhuma marca sendo exceção. O setor vivia sob uma ótica analógica e está passando por essa transformação digital que exige investimentos altos para manter uma evolução contínua de produtos e serviços a um nível competitivo. E, para investir, as empresas precisam de dinheiro e vira um ciclo: carros mais tecnológicos e mais caros para entrar dinheiro e produzir novos carros mais tecnológicos, portanto, mais caros”, explica o coordenador.

Somado a esse processo, a expectativa é que uma normalização da produção de semicondutores aconteça no fim de 2023. “O setor está com o sinal de alerta ligado o tempo todo porque precisa ir se adaptando à sua demanda e à oferta de peças”, avalia Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics.

Considerando todo esse contexto, o que o consumidor deve levar em conta na hora de escolher entre financiar um carro ou assinar? O InfoMoney compilou dicas que vão ajudar você a tomar a decisão.

Como escolher entre assinatura e financiamento?

É importante entender o que cada opção embute em seu preço. Veja a tabela comparativa dessas variáveis: 

Custos que o consumidor vai ter 
Financiamento  Carro por assinatura 
Parcela mensal do financiamento Parcela fixa mensal do plano
Combustível Combustível
Eventuais multas Eventuais multas
Depreciação Franquia do seguro
Seguro e franquia
Manutenção do carro
Revisão em concessionária
Licenciamento, IPVA, Dpvat (impostos)
Pneus

Segundo Navas, a primeira coisa que o consumidor precisa considerar é seu perfil. “Se a pessoa não gosta de carro e entende que o veículo é um instrumento que ajuda no deslocamento e funciona como um serviço mesmo, o modelo de assinatura pode fazer sentido. Se não roda muito com o carro, também funciona como alternativa”, explica.

Geralmente, os contratos de assinatura têm cláusulas de limite de quilometragem: se você ultrapassar 1.000km por mês, por exemplo, paga um adicional na sua mensalidade, que costuma não valer a pena, segundo a especialista. “É muito importante entender as regras do contrato de assinatura antes de fechar o negócio”, diz. Via de regra, há um período de tempo de 12, 24, 36 ou até 48 meses e um limite mensal ou anual de km rodado.

Ela pontua que observa jovens entre 25 e 30 anos se adaptando muito bem ao modelo. “Para os jovens, a ideia é mais sobre consumir do que sobre ter a posse do veículo. A assinatura atende bem essa lógica”.

Na prática, esse valor adicional por km rodado é cobrado porque o cliente está depreciando o carro mais do que o previsto e a montadora cobra sobre isso, diz Kalume Neto, da Jato Dynamics. Ele explica que a média de quilometragem do brasileiro é cerca de 15 mil km em três anos. “Mas, para quem gosta de testar vários modelos, a assinatura pode ser uma opção vantajosa, além de permitir um planejamento mais flexível. É possível renovar os contratos a cada um ano e ir conhecendo novos carros”, diz.

Por outro lado, tem o lado emocional. Muitos brasileiros entendem o carro como um bem e gostam de ter um para chamar de seu. “Se tem o desejo de comprar o carro, de ter a posse e fazer uma aquisição, o financiamento faz mais sentido. A assinatura é um serviço”, explica Navas.

Martins, da FGV, entende que ao comprar o carro, o consumidor tem a vantagem de ter o ativo em mãos e poder vendê-lo quando quiser e receber um valor por isso. “Ao assinar, o cliente utiliza o veículo e depois devolve. Não ganha nada em troca, literalmente só paga pelo carro, sem a chance de ter algum retorno, mesmo que baixo”, explica.

Mas é sempre importante comparar preços e buscar parcelas que cabem no bolso, considerando o patamar de preços atual. “Ao financiar, o consumidor pode dobrar o custo do carro, considerando juros e o período do financiamento. No fim do dia, o segredo é colocar na ponta do lápis e comparar os custos do modelo desejado na versão assinatura e no financiamento”, diz Milad. “Carro não é investimento, é gasto. Nesse sentido, seria ideal a pessoa guardar dinheiro e investir o valor para conseguir comprar o carro à vista daqui a três anos, por exemplo. Mas sabemos que geralmente não funciona assim”.

Navas acredita que o modelo de carro por assinatura está ganhando tração, mas tem um longo caminho a percorrer entre os consumidores. “É um processo. O modelo chegou ao Brasil em 2021. Vem crescendo, mas está longe de se equilibrar na balança com a proporção de financiamentos”.

Simulações de preços

A pedido do InfoMoney, a Jato Dynamics montou uma simulação de custos para comparar preços. Foram utilizados como exemplo o hatch Hyundai HB20 e o SUV Chevrolet Tracker, os dois carros mais vendidos em suas categorias no acumulado do ano. Tanto no exemplo de financiamento, quanto no de assinatura foram excluídos combustíveis e eventuais multas da simulação porque ambos ficam por conta do consumidor.

Financiamento

Na perspectiva de financiamento do carro 0km, a ideia da simulação é dar uma referência de custos para que seja possível comparar os preços com o da assinatura. A depender da versão do veículo e seus acessórios os valores mudam. Para efeito de comparação foram escolhidas as versões de entrada de cada veículo ano 2022/2023.

O levantamento da consultoria não entrega o valor da parcela do financiamento porque varia, por causa da instituição, valor de entrada, perfil do cliente e condições de contrato. A simulação traz o custo mensal ao comprar o carro, considerando os gastos que o cliente tem com a depreciação, seguro, revisões na concessionária, manutenção do carro, troca de pneus e impostos (IPVA, DPVAT e licenciamento no estado de SP) a partir da base de dados da Jato Dynamics, que está no mercado desde 1980. Foram considerados custos somados ao longo de três anos para uma quilometragem de 15 mil quilômetros ao todo.

Para complementar a simulação, o InfoMoney utilizou uma taxa média de juros de 2% ao mês, que foi definida ao fazer a média das taxas de mercado que o Banco Central divulga e utilizou a calculadora do cidadão, recurso do site do BC, para simular a parcela de financiamento em 36 meses, já com os juros embutidos. O consumidor pode encontrar taxas mais baixas e mais altas que esta ao negociar com uma instituição, além de ter outras opções de prazo. Foi mantido 36 meses para ser possível comparar com os exemplos da assinatura, mas é possível diluir o valor em um período maior.

Veja a tabela de custos: 

HB20 (1.0 Comfort 22/23) Chrevolet Tracker (1.0 Turbo Automático 22/23)
Preço do carro para o público R$ 83.790,00 R$ 119.090,00
1. Custo total do financiamento em 36 meses (2% ao mês) R$ 118.343,88 R$ 168.201,00
2. Depreciação R$ 29.393,78 R$ 35.286,25
3. Seguro R$ 10.161,40 R$ 13.429,20
4. Revisões em Concessionários R$ 3.122,52 R$ 2.855,82
5. Manutenção R$ 4.985,73 R$ 5.770,52
6. Pneus R$ 2.016,00 R$ 2.193,22
7. Impostos R$ 9.042,48 R$ 13.164,46
Total em 36 meses (soma 1 a 7) R$ 177.065,79 R$ 240.900,47
Total mensal durante 36 meses R$ 4.918,49 R$ 6.691,68

O resultado vai em linha com a análise dos especialistas: patamares muito elevados de juros e preços dos veículos se traduzem em parcelas salgadas para o bolso. “Estamos em um momento que os bancos estão analisando com cautela o empréstimo ao consumidor: as pessoas estão mais endividadas, portanto, o risco da instituição sobe e ela repassa em juros para garantir seu retorno. Com uma taxa Selic de 13,75% o banco não vai cobrar um juro anual menor que isso, vai buscar seu spread. Hoje a fotografia não é tão atrativa para o consumidor, considerando todo esse contexto”, diz Martins da FGV.

Assinatura

Para comparar com o custo na assinatura, o InfoMoney compilou os preços mensais dos dois modelos nos sites de quatro locadoras que ofertam os carros utilizados no exemplo: Porto Seguro, Unidas, Movida e Localiza. Sobre os requisitos, foram considerados os mesmos 36 meses do financiamento e 1.000 km por mês, que daria cerca de 12 mil ao ano, próximo ao padrão usado na simulação.

A Hyundai e a Chevrolet ainda não lançaram seus programas de assinatura, portanto, os carros podem ser encontrados nessas modalidades apenas nos sites das locadoras. Importante mencionar que nem sempre é possível comparar a mesma versão dos carros porque os sites não oferecem todas as disponíveis no mercado.

Embora as parcelas sejam fixas, é possível que o consumidor enfrente algum reajuste nos valores de ano em ano, a depender do contrato assinado e qualquer alteração no contrato pode elevar o preço também, incluindo mudança de quilometragem.

Veja:

HB20 (versão) GM Tracker (versão) Período de contrato (limite de km por mês)
Porto Seguro Bank  R$ 2.699,00/mês (Comfort 1.0) R$ 3.149,00/mês (1.0 Turbo) 36 meses (1.000 km/mês)
Unidas Livre  não oferece em seu site R$ 3.251,99/mês (Premier Turbo 1.2) 24 meses* (1.000 km/mês)
Movida Zero KM R$ 2.949,60/mês (Comfort 1.0) R$ 3.339,60 /mês (Premier Turbo 1.2) 36 meses (1.000 km/mês)
Localiza Meoo R$ 1.899 (Sense 1.0) R$ 2.999 (Premier Turbo 1.2) 36 meses (1.000 km/mês)

*Tempo máximo de contrato.

Ao consumidor cabe a comparação de preços e custo-benefício para não comprometer o orçamento.

Leia também: Planejamento financeiro: o que é e como fazer

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.