Inflação global: o grande dilema atual do mercado – e seus impactos sobre ações techs como Magalu e Via Varejo

Alta dos treasuries nos EUA tem afetado ações de tecnologia; entenda como o movimento ajuda a explicar a queda de varejistas brasileiras

Priscila Yazbek

(Gearstd/Getty Images)

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SÃO PAULO – Após um 2020 de estímulos sem precedentes impulsionando as economias, sem grandes efeitos sobre os preços, a inflação anda preocupando o mercado em 2021. Dia sim, outro também, as notícias sobre a Bolsa mencionam as altas das taxas dos títulos do Tesouro americano e seus efeitos negativos sobre as ações, especialmente as de tecnologia.

As ações, de forma geral, tendem a perder atratividade em um cenário de alta dos juros, que torna a renda fixa mais atraente. Mas as ações de tecnologia têm sido as mais afetadas porque são empresas com duration longa, ou seja, boa parte do fluxo de caixa delas está no longo prazo. Assim, elas sofrem mais quando esses títulos do Tesouro americano, os treasuries de dez anos, elevam suas taxas (veja mais).

“Muitos consideram o título de dez anos do Tesouro americano como sendo o ativo mais importante do mundo. Além de ser um ativo extremamente líquido, essa taxa define a taxa ‘livre de risco’ na maioria dos modelos de valuation, sendo responsável direta pela precificação de trilhões em outros mercados (ações, commodities, imobiliário, etc.)”, diz Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, em artigo sobre o efeito dos treasuries no mercado.

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No começo do ano, os treasuries de dez anos estavam com taxas abaixo de 1%, mas nas recentes máximas chegaram a atingir 1,75%. Nesta sexta-feira (26), as taxas sobem de 1,63% de ontem para 1,65%.

A dúvida agora, como destaca Ferreira, é se vai prevalecer a recuperação do crescimento econômico com inflação baixa e juros próximos de zero. Ou se bancos centrais e governos podem ter ido longe demais na impressão de moeda e emissão de dívidas e os juros seguirão uma trajetória de alta. “Por enquanto, seguimos vendo essa alta dos juros de longo prazo como uma normalização aos níveis pré-pandemia, por conta da recuperação do crescimento econômico e dos estímulos fiscais e monetários. Ou seja, o aumento dos juros até aqui foi por uma boa razão, a recuperação do crescimento nos EUA e no mundo”, diz o estrategista no relatório.

A inflação global vai subir? O grande dilema do mercado

Com as conversas sobre um novo megapacote de estímulo à infraestrutura no valor de US$ 3 trilhões nos Estados Unidos, porém, crescem apostas de que o mundo pode se encaminhar mais para o segundo cenário citado por Ferreira, de alta dos juros.

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Romero Oliveira, head de renda variável da Valor Investimentos, afirma que o ambiente é propício para um ambiente de inflação acima do esperado por diversos motivos. “A economia americana está voltando mais rápido do que a expectativa e eles podem voltar ao pleno emprego no ano que vem. Com juros baixos, atividade acima do esperado, commodities subindo e ainda esse novo pacote de Biden, se somando aos outros já bem robustos, existe um receio geral de aumento da inflação”, diz.

Alguns analistas, por outro lado, discutem se o efeito do pacote de US$ 3 trilhões já poderia “estar no preço” ou seja, se já teria sido assimilado pelas treasuries.

Mas o estrategista-chefe da XP acredita que não. Ele explica que o novo pacote deve passar por modificações no Congresso americano, em meio a negociações com republicanos e senadores democratas mais centristas. “Dificilmente o pacote passaria ileso pelo Congresso, por isso o mercado ainda não estressou tanto isso nos juros dos treasuries”, diz Ferreira. “Além disso, o pacote muito provavelmente viria com aumento de imposto junto. Então não teria um impacto fiscal de aumento de dívida tão grande porque seria acompanhado de novas receitas”, completa.

Em live promovida pela Ohm Research, Jay Peloski, cofundador da casa de análise TPW Advisory, com sede em Nova York, disse não ver com preocupação um aumento da inflação nos Estados Unidos. Ele afirma que a inflação de maio e junho devem subir com força no ano contra ano, mas porque maio e junho do ano passado foram meses de deflação, por causa da pandemia. Para ele, boa parte da alta dos treasuries já foi precificada e os juros altos são transitórios, conforme o próprio Fed, o banco central americano já destacou algumas vezes.

Analistas apontam que esse é o principal dilema observado pelo mercado no cenário atual: a inflação global sobe ou cede?

Conforme explica Ferreira, se o mercado seguir “contrariado”, deve se intensificar o movimento de rotação dos investidores dos setores de crescimento e de ações “mais caras”, como é o caso das techs, para as empresas de “valor”, que são aquelas “mais baratas”, de setores mais impactados pela pandemia e ligados à economia real, como varejo, shoppings, indústria, commodities, bancos e outros se beneficiam.

Em relatório recente sobre as perspectivas para o Brasil, o banco Morgan Stanley cita os possíveis efeitos do avanço da inflação especificamente para os países emergentes. “Se as preocupações inflacionárias nos mercados desenvolvidos continuarem a aumentar, isso se traduziria em um cenário desafiador para os emergentes, com os movimentos da curva do Tesouro dos EUA potencialmente induzindo mais depreciação da moeda.”

Ações brasileiras afetadas pelos treasuries e outros fatores

No Brasil, não temos ações de big techs, como Facebook e Google. Nossas ações dos chamados “setores de crescimento” ou growth – que são aquelas mais afetadas pelos efeitos dos treasuries na tecnologia – são as varejistas que atuam no comércio online: B2W (BTOW3), Lojas Americanas (LAME3), Magazine Luiza (MGLU3), Via Varejo (VVAR3).

Esses papéis têm sofrido em 2021: Magalu já acumula baixa de 18,63%; Via Varejo tem queda de 25,49% no ano; B2W cai 19,57% de janeiro até agora; e Lojas Americanas é a única que registra alta no ano, de 1,15%, mas puxada pela notícia de que finalmente deve se fundir à B2W, sua controlada.

Para Oliveira, da Valor, o efeito global, de rotação e dos treasuries, tem contaminado as techs brasileiras, mas a exposição dessas ações ao setor de varejo doméstico é o que mais explica as fortes quedas no ano. “Com a retomada lenta da economia, o desemprego elevado e falta de perspectiva clara sobre a vacinação, varejistas que dependem da movimentação de pessoas sofrem mais do que o resto. E não temos os mesmos suportes de antes, em 2020 o auxílio era mais gordo, havia programas de crédito”, diz o head de renda variável da Valor.

Apesar de essas companhias terem sido beneficiadas no ano passado pelas medidas de isolamento, pelo fato de atuarem no comércio online, desta vez a redução do consumo e a crise econômica se sobrepõem à euforia com ações da chamada carteira de working from home (trabalhando em casa). “A percepção em 2020 era de que as pessoas consumiriam por muito tempo, indefinidamente, o e-commerce. Temos um movimento de compras online de novo, mas sem a euforia de antes e agora com mais redução de renda, emprego”, diz Oliveira.

Ferreira, da XP, concorda que o enfraquecimento do consumo no Brasil tem afetado as ações de techs, mas acredita que o contexto global é o principal motivo para as quedas das empresas do setor de forma geral. “A situação do consumidor brasileiro hoje está muito mais difícil do que era no ano passado. Isso impacta, sim, as techs daqui. Mas o fator principal para essa baixa foi essa queda das techs lá fora, isso foi mais importante do que o consumo doméstico”, diz.

Seja qual for o fator mais relevante, local ou externo, fato é que o investidor deve acompanhar tanto se a inflação global deve subir ou não quanto as perspectivas de consumo no Brasil para entender o comportamento das ações de varejistas no curto prazo.

Leia mais: Magalu, Via Varejo e B2W: o que os resultados das companhias trouxeram de sinais para 2021? 

Os estrategistas do Morgan Stanley, por exemplo, cortaram a exposição em Magazine Luiza do setor varejista, em meio ao cenário de aumento da inflação pelo mundo afetando as empresas de tecnologia. “Ainda achamos que faz sentido ter ações de commodities alavancadas para o crescimento global, como Vale, Gerdau e Suzano. Enquanto isso, em meados de fevereiro, começamos a substituir o grupo de crescimento secular [ações de crescimento, como as techs] sobrevalorizado e vulnerável a taxas reais mais altas dos EUA, por nomes cíclicos domésticos, que devem se beneficiar de um real mais estável e uma curva de juros local mais plana, como como CCR e Cyrela.”

Ainda que o Banco Central tenha sinalizado que deve aumentar os juros, os analistas do Morgan avaliam que com a estratégia de aumentar os juros mais rápido e com mais intensidade que o esperado a curva de juros fica menos inclinada mais à frente.

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Priscila Yazbek

Editora de Finanças do InfoMoney.