Ibovespa cai nesta sexta, mas fecha semestre com alta de 7,61%: veja os fatores que animaram o mercado e o que esperar até o fim do ano

Haddad, resistência da Câmara em algumas pautas e inflação em queda são alguns dos fatores apontados por especialistas

Vitor Azevedo

(Shutterstock)

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O primeiro semestre de 2023 se encerra no fim desta sexta-feira (30) e vai ficar marcado como um bom período para a Bolsa Brasileira. O Ibovespa registrou ganhos de 7,61% no período, aos 118.087 pontos, com gestores destacando o papel do Congresso, do ministro Fazenda Fernando Haddad, o recuo da inflação e a consequente visão de queda dos juros como principais gatilhos para os ganhos no intervalo.

No pregão de hoje, contudo, o índice recuou 0,25%, puxado justamente por uma possível sinalização negativa do lado político. As ações ordinárias e preferenciais da Petrobras (PETR3;PETR4) caíram 5,13% e 4,83% após a notícia de que a estatal reduziu mais uma vez o preço da gasolina, o que foi visto como uma possível sinalização de uso político da estatal, uma vez que aconteceu um dia antes do aumento do ICMS cobrado sobre combustíveis.

A semana também foi de queda, com menos 0,75%, interrompendo uma sequência de nove semanas de alta, mas não impactou, no geral, a performance dos primeiros seis meses do ano. Se não fosse a questão da petroleira estatal, o índice teria mais um intervalo de cinco pregões de ganhos, uma vez que, durante boa parte do dia, houve uma alta considerável puxada pela manutenção das metas de inflação no Conselho Nacional Monetário. Em junho, a alta acumulada foi de 9%, no melhor mês desde o final de 2020.

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“A gente começou o ano com um peso maior da parte política, entrando no mandato de um governo que já tinha uma expectativa de ser um pouco menos pro-mercado. Tivemos uma frustração inicial grande, das pessoas falando que o governo seria pragmático, o que não apareceu na formação dos ministérios e nas primeiras declarações”, lembra Tiago Cunha, gestor da Ace Capital.

No final de 2022 e começo deste ano, o presidente recém-eleito deu sinalizações de que iria rever privatizações, como a da Eletrobras (ELET3), por exemplo, e traçou críticas ao mercado financeiro e a marcos regulatórios, como o do Saneamento. O Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e os atritos com o Banco Central (esses ainda constantes) também foram fatores negativos.

“E aí a partir de março e abril a gente começou a ver um destaque um pouco maior de dois pontos. O primeiro foi o da figura do Arthur Lira, que defendeu vários pontos, principalmente aqueles mais ligados ao mercado e já votados”, fala o especialista da Ace. “E aí, inegavelmente, tivemos a figura do Haddad, que se destacou positivamente, buscando aí uma convergência, diminuindo o atrito com o Banco Central e criando de fato um canal de comunicação com outras visões”.

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Arthur Lira, por exemplo, afirmou que a reestatização da Eletrobras “teria zero chance na Câmara”. Ainda na mesma casa, o governo foi derrotada quanto às suas tentativas de mudanças no marco do saneamento.

No fato mais recente, que aconteceu ontem, o já mencionado CMN, com participação de Haddad e Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, manteve as metas de inflação para 2024 e 2025 em 3%, com tolerância para o descumprimento de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. A decisão foi no caminho contrário dos ataques do presidente Lula – até mesmo dos mais recentes.

Ainda nesses últimos dias do semestre, outra dinâmica elucidou bem o comportamento do governo. Após o anúncio de uma postergação dos estímulos fiscais a montadoras de veículos gerar ruído na quarta-feira, levando a uma queda da Bolsa, uma abertura dos juros longos e investidores temendo uma ida do governo para um lado de pouca responsabilidade com os gastos públicos, a quinta foi de alívio, com especialistas apontando que o ministro da Fazenda destacou de onde virão os recursos para a continuação do projeto.

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“Eles vão lá e dão esses incentivos, mas o Haddad vai do outro lado e fala ‘o dinheiro para isso vai vir daqui’. Então, quando ele sinaliza que vai ter tributação de combustível, ele está explicando de onde veio o dinheiro. Eu acho que isso é um fator novo. Ele aprendeu a ter essa leitura do mercado, de que é necessário dar respostas firmes sobre as coisas”, comenta Cunha.

“Acho que o Haddad começou com bastante desconfiança do mercado, que indagava se ele seria capaz de conduzir essa pasta. E ele se mostrou um cara muito conciliador”, acrescenta Sara Delfim, sócia e gestora da Dahlia Capital. “E a gente teve ao mesmo tempo uma Câmara e um Senado funcionando”.

Outro ponto importante, e que fez peso no Ibovespa, foi a apresentação do arcabouço fiscal – que agora tramita no Congresso – e a sinalização de que a votação da reforma tributária se dará em breve.

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“O arcabouço fiscal foi sendo ajustado ao longo do processo. A gente tem também a reforma tributária que está andando, e que conta com uma boa vontade política. Nenhum dos dois são reformas excelentes, nota 10, mas eu acho que são aí mudanças positivas. Olhando pelo retrovisor, começou sacudindo muito e acabou que as coisas foram caminhando, entrando no trilho”, fala Delfim.

“Embora inicialmente tenha havido uma retórica pouco responsável, o arcabouço fiscal veio razoável, e a proposta está se encaminhando para ser aprovada. Essa responsabilidade fiscal reforça a solvência do país e cria um ambiente mais propício para investimentos”, corrobora Igor Barenboim, economista e sócio da Reach Capital.

Ibovespa também surfa com dados macroeconômicos

O recuo do risco fiscal, vindo do lado político, sem dúvida, foi um dos fatores que puxou o Ibovespa para cima. Mas o índice, e principalmente a curva de juros, também contaram com um empurrão de sinais da economia.

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De acordo com o IPCA-15 de junho, por exemplo, o primeiro semestre se encerra com uma alta de preços acumulada de 3,40%. Os dados nessa frente vêm surpreendendo positivamente analistas de forma sequencial.

“Do ponto de vista macro, eu acho que ao longo do tempo a gente também teve mais surpresas positivas do que negativas. A gente tem visto a inflação desacelerando. Ontem mesmo saiu um fato relevante de uma concessionária de rodovias que o regulador autorizou o repasse do IPCA a partir do dia primeiro de julho, com reajuste de 3,83%”, fala Sara Delfim.

“Estamos fechando o semestre a seguinte cara: no lado político, temos as reformas e o fiscal mais ou menos endereçado; temos o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, meio que deixando a entender que a porta está aberta para eventualmente termos um corte da Selic em agosto; no macro, a inflação está rodando abaixo de 4% e, a atividade surpreendeu para cima”, acrescenta a gestora da Dahlia.

No documento mencionado, divulgado ontem, o Banco Central ainda elevou a sua projeção para o produto interno bruto (PIB) de 2023 e reduziu suas estimativas para a inflação.

Já o PIB brasileiro do primeiro trimestre, publicado no começo de junho, surpreendeu ao trazer crescimento de 1,9%, acima das expectativas de 1,2% – o que, além de sinalizar uma economia mais aquecida, também tira parte da pressão fiscal por conta da maior arrecadação.

Tudo isso levou a curva de juros brasileira a cair forte nesse primeiro semestre. No último pregão de 2022, os DIs para 2024 operavam a cerca de 13,50%, contra 12,84% no fim desta sexta-feira. Os DIs para 2025 saíram de 12,79% para 10,76%, e os para 2027, de 12,75% para 10,12%. As taxas dos contratos para 2029 e 2031 perderam mais de duzentos pontos-base ambas, ficando a 10,44% e 10,62%.

A melhora do cenário interno também puxou as ações ligadas ao consumo doméstico, bem como o recuo da curva deu respiro para as mais alavancadas. Entre as maiores altas do Ibovespa ficaram as ações preferenciais da Azul (AZUL4), com mais 98,55%, as ordinárias da Yduqs (YDUQ3), com mais 94,89%, e as preferenciais da Gol (GOLL4), com mais 79,43%. Isso até o acumulado do penúltimo dia do semestre.

Estados Unidos e China foram – e são – leves incertezas 

O cenário externo também ajudou o Ibovespa a andar, com os temores de recessão, principalmente nos Estados Unidos, sendo postergados e a projeção de que o aperto monetário pode estar caminhando para o seu fim.

Nessa quinta, foi divulgado que o PIB do EUA cresceu 2% entre janeiro e março deste ano, acima do consenso de alta de 1,4% da Refinitiv. Apesar de afastar o temor de um recuo da maior economia do mundo, a alta pressionou um pouco os treasuries yields.

“Hoje grande parte das apostas é mais no que eles chamam de soft landing. A previsão é que os Estados Unidos desaceleram de forma mais moderada, gradual, e aí as coisas vão se encaixando. Esse parece ser o cenário base”, diz a especialista da Dahlia. “Além disso, o mercado já precifica que o Fed vai ter mais dois aumentos na taxa de juros, já está na curva do mercado”, diz, a respeito à fed funds, hoje no intervalo entre 5% e 5,25%.

Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq fecharam fecharam o semestre com altas, mas em diferentes proporções. O primeiro índice avançou 3,81%, o segundo, 15,91%, e o terceiro, 31,73%.

Leonardo Otero, sócio-fundador da Arbor Capital, explica que em parte a alta da Nasdaq se dá por correção da queda do ano passado, mas não apenas por isso.

“Acho que com o lançamento do ChatGPT, que é o modelo de inteligência artificial da OpenAI, os investidores começaram a perceber que a gente pode ter uma grande força de crescimento vindo dai. . E além de ser uma força de crescimento das empresas, da economia, é potencialmente uma grande força deflacionária. E como o mercado do ano passado estava operando muito a questão dos juros, a possível inflação estrutural mais alta, o momento em que você coloca uma hipótese de uma força deflacionária na mesa, eu acho que tirou muita aposta negativa do mercado”, acrescenta.

“A recessão americana que estava para acontecer está sempre sendo adiada”, debate Barenboim. “Fora a China, que está com crescimento menor do que o esperado, as notícias não são tão negativas”.

A economia do gigante asiático é um ponto apontado mais por especialistas como um impeditivo para o Ibovespa não ter ido além. Dados macroeconômicos, por lá, vêm frustrando de forma recorrente, o que pesa consideravelmente nos preços das commodities. É por isso que nomes como Vale (VALE3), CSN (CSNA3) e Gerdau ([ativo=GGB4]) figuram entre as maiores quedas da Bolsa brasileira no ano até então.

Com o cenário interno mais encaminhado, os especialistas apontam que as questões provenientes do exterior podem ser as maiores geradoras de incertezas no segundo semestre.

“A gente começou esperando a reabertura de China pós-Covid. Todo mundo achou que ia ser uma porrada monstruosa, mas não foi. Foi frustrante em diversos aspectos, principalmente no que pega o real state. As projeções de crescimento do PIB chinês eram de 6% e agora estão mais próximas de 5%, fala Tiago Cunha, da Ace. “Junto com isso, você tem um cenário, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, em que a dinâmica de corte de juros ainda não está dada. Não há a certeza de que o pior, no que tange a inflação, passou. Há uma dúvida em relação a qual vai ser a dinâmica dessas duas coisas no segundo semestre”.

Cunha enxerga uma possível alta de juros mais forte do que a esperada nos países desenvolvidos, no caso de a inflação voltar a acelerar, como uma ameaça para um recuo mais forte da Selic no Brasil.

Tom para o segundo semestre é de otimismo

Apesar disso, as sinalizações da maioria das casas é de que ainda há espaço para a Bolsa brasileira avançar.

“Eu acho que a perspectiva para a emerging markets, para o Brasil em específico, é muito positiva. O país está saindo do pior período de inflação, já está começando a flertar com um período de corte de juros, e isso com o crescimento ainda robusto”, expõe Cunha. “Quando você começa, de fato, a cortar juros, a economia melhora e a dinâmica muda. Ai é que vai destravar o índice, o pessoal começa a reprecificar”.

Sara Delfin, da Dahlia, vai no mesmo caminho.

“Se o ciclo de corte não for em agosto, se for em setembro, muda muito pouco. A direção está dada e a gente sabe que o corte será em breve, junto ainda de cenários político e macro favoráveis”, fala a gestora. “A Bolsa está em um nível ainda muito descontado. Tudo isso combinado pode vir a ser algo muito poderoso”.

Igor Barenboim, por fim, talvez seja o mais otimista, destacando, além de toda a questão dos juros, também o avanço do Brasil do lado de produção, principalmente no que tange as commodities e o valuation.

“Atualmente, os preços no mercado refletem a percepção de que o Brasil não é solvente, resultando em ativos que são negociados a valores muito abaixo do seu potencial. Na média histórica, as empresas brasileiras são negociadas a múltiplos de 11 a 12 vezes o lucro, enquanto estamos sendo negociados a apenas 7 vezes. Com a recente valorização, possivelmente chegando a 8 vezes o lucro, ainda há um desconto de cerca de 50%. Isso significa que existe um amplo espaço para uma reprecificação dos ativos”, defende.

Uma visão mais positiva, assim como no caso dos gestores, foi endossada também por diversos especialistas do lado do sell side.

A XP, por exemplo, elevou no começo de junho sua projeção para o Ibovespa para 130 mil pontos, ante 128 mil anteriormente, citando, justamente, os valuations. O Santander, já na reta final do semestre, foi ainda mais longe, apostando nos 140 mil pontos, mencionando que “a recente melhora nos dados macroeconômicos e de sentimento sinaliza que as partes complexas do cenário de investimentos estão começando a se alinhar”. O JP Morgan ficou no meio do caminho, traçando a perspectiva de que o índice fechará o ano nos 135 mil pontos.

O Morgan Stanley para o seu cenário base, que leva em conta a aprovação do arcabouço e o início de uma flexibilização monetária leve, fixou os 130 mil pontos. O banco americano, contudo, traçou ainda um cenário otimista e outro pessimista. No primeiro, que vai aos 145 mil pontos, o Brasil teria gastos fiscais mais limitados, o que permitirá o recuo mais forte dos juros. No segundo, uma guinada política resultaria na deterioração fiscal e levararia o índice aos 100 mil pontos.