Lula critica mercado e volta a cobrar Banco Central por juros altos

Presidente diz que fará reunião com empresários e bancos para discutir juros e sinaliza possível mudança na autonomia do BC após saída de Campos Neto

Marcos Mortari

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a levantar, na última quinta-feira (2), queixas ao mercado financeiro e questionar a política monetária adotada pelo Banco Central. Em entrevista à RedeTV!, ele criticou o nível elevado de desigualdade de renda no país, disse que investidores já “ganharam demais” e deveriam se preocupar em “ajudar a economia a crescer”.

“O mercado tem que entender que o mercado já ganhou demais. Seria muito importante que o mercado estivesse preocupado em ajudar a economia a crescer, não apenas eles crescerem”, disse. Na avaliação de Lula, há uma espécie de indiferença de agentes econômicos com problemas envolvendo a parcela mais pobre da população.

“Eu não estou nervoso, é que fico indignado com coisas que vocês não ficam: com a fome. Passa embaixo da ponte, você vê mulher com criança dormindo lá. Aquilo é culpa do governo? Não. Aquilo é culpa do Estado brasileiro. E o mercado faz parte do Estado brasileiro. O problema é que eu passo na [Avenida] Faria Lima, está lá todo mundo bonito, de terno e gravata, todo mundo com ar condicionado, ganhando muito dinheiro, gritando na Bolsa de Valores. E aí, quando eu passo na Praça Roosevelt, eu vejo as pessoas envolvidas com drogas, com crack, com fome, eu vejo pessoas pedindo esmola, eu vejo criança pedindo esmola, que era coisa que a gente não via mais nesse país. É isso que me incomoda”, continuou.

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Na entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, Lula também criticou o que entende como aplicação de dois pesos e duas medidas pelo mercado no caso envolvendo o caso da varejista Americanas – que entrou com pedido de recuperação judicial em meio à crise gerada pela revelação de “inconsistências contábeis” e uma dívida que chega a R$ 40 bilhões.

“O que fico chateado é que qualquer palavra que você fale na área social, que você fale ‘vou aumentar o salário mínimo em R$ 0,10’, ‘nós vamos corrigir o Imposto de Renda’, o mercado fica nervoso, o mercado fica muito irritado. E agora um deles joga fora US$ 40 bilhões de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta, e esse mercado não fala nada. Ele fica em silêncio. Por que tanto amor pelos grandes e tanto desinteresse pelos menores?”, questionou.

Desde que foi divulgado o fato relevante que deu início à crise, há três semanas, as ações das lojas Americanas (AMER3) acumulam queda de mais de 80% na B3 e uma série de ações judiciais têm sido movidas por bancos contra a companhia.

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Lula chamou o caso de uma “motociata fiscal”, em analogia ao termo “pedalada fiscal” que ganhou notoriedade no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e criticou o empresário Jorge Paulo Lemann, um dos maiores acionistas da companhia, ao lado de Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

“Esse Lemann era vendido como suprassumo do empresário bem-sucedido no planeta Terra. Ele era o cara que financiava jovens para estudar em Harvard, para formar um novo governo. Era o cara que falava contra a corrupção todo dia. E depois ele comete uma fraude que pode chegar a R$ 40 bilhões? E agora parece que está chegando a Ambev também. Ou seja, vai acontecer o que aconteceu com Eike Batista. As pessoas vendem uma ideia que elas não são na verdade”, disse.

As críticas ao empresário também se estenderam ao campo político. Por meio de sua fundação, Lemann financia bolsas de estudo em universidades de ponta no exterior a jovens, com o objetivo de formar novas lideranças no país. Alguns dos contemplados por seus programas hoje ocupam cadeiras no Congresso Nacional e em outras esferas do setor público.

Lula alega que a postura adotada pelo empresário e por parte do mercado financeiro teriam contribuído para o crescimento de Jair Bolsonaro (PL) e sua vitória nas eleições presidenciais de 2018. Apesar de ter derrotado o adversário no último pleito, o petista diz que ainda é preciso enfrentar o bolsonarismo.

“Quantas vezes o sr. Lemann criticou a política? Quantas vezes eu vi ele tentar dar lição de moral na política? É isso. Então, quando se critica a política, o que acontece é um Bolsonaro. O que acontece é um genocida. O que acontece é uma pessoa que vendeu ódio durante quatro anos nesse país”, disse Lula.

Banco Central segue na mira

Na entrevista, Lula voltou a questionar a política monetária adotada pelo Banco Central, sob o comando de Roberto Campos Neto – nome não citado por ele em nenhum momento da conversa. E disse mais uma vez que a independência da autoridade monetária é “bobagem”.

“Eu estou muito respeitoso com o Banco Central”, disse. “Vivi oito anos com o Banco Central nas mãos do [Henrique] Meirelles, e a gente tinha uma política de controlar a inflação, mas a gente também tinha no BNDES dinheiro para investir e contrapor o aumento dos juros. O que acontece é que o presidente do Banco Central tem que explicar por que 13,5% [na verdade, a Selic hoje está em 13,75% ao ano]. E por que qualquer perspectiva de voltar a aumentar se nós não temos inflação de demanda”.

Lula disse, ainda, que irá organizar uma reunião com empresários e banqueiros para “discutir com muita seriedade” a taxa de juros praticada no Brasil. “Não existe nenhuma razão para a taxa de juros estar em 13,75%. Nenhuma razão. Nós vamos começar a cobrar”, afirmou.

“Esse cidadão do Banco Central foi eleito por quem? Foi eleito pela Câmara. Portanto, ele tem responsabilidade”, continuou.

O presidente indicou, ainda, que pode rever a autonomia do Banco Central a partir de dezembro de 2024, quando termina o mandato de Roberto Campos Neto, indicado para o comando da autoridade monetária pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“De que serviu a independência? Eu vou esperar esse cidadão terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse. Mas depois desconversou ao afirmar que a questão era “irrelevante” para ele. “O que está na pauta é a questão da taxa de juros”, disse.

“Esse país com 4% de inflação, com a economia crescendo, vai embora, cresce. É que o presidente do Banco Central nunca viveu a inflação que eu vivi de 80% ao mês. Então, ele quer chegar a inflação padrão europeu? Não. Nós temos que chegar a uma inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5%, de 4% é de bom tamanho se a economia crescer”, afirmou.

“Você com 4% de inflação, com a economia crescendo, é uma coisa extraordinária. Agora, você faz uma meta que é ilusória, não a cumpre, e, por conta disso, fica prejudicando o crescimento do país. Isso é normal? Em nome de quem? Vamos perguntar ao presidente da Câmara e do Senado se eles estão felizes com a atuação do presidente do Banco Central. Eu acho que eles imaginavam que, fazendo o Banco Central autônomo, a economia ia voltar a crescer, o juro ia baixar e tudo ia ser maravilhoso. E não é”, prosseguiu.

As falas de Lula indicam pressão política crescente sobre o Banco Central – posição que põe à prova a recente autonomia concedida à autoridade monetária.

O movimento também ocorre em momento de elevado capital político do mandatário, com pouco mais de um mês de governo e após a vitória dos dois candidatos que apoiava para a presidência da Câmara dos Deputados – Arthur Lira (PP-AL) – e do Senado Federal – Rodrigo Pacheco (PSD).

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.