De BDRs a limitação a influenciadores: o último ano agitado para a CVM e o que isso significa para o futuro

Ano foi movimentado para reguladores do mercado brasileiro, e especialistas destacam que aperfeiçoamento deve continuar

Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – O ano de 2020 foi bastante agitado para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que regula o mercado financeiro nacional.

Além das novas regras que foram aprovadas para adaptar o mercado brasileiro à realidade da pandemia de coronavírus, ainda foram realizadas alterações regulatórias como a possibilidade de investidores brasileiros investirem diretamente em Brazilian Depositary Receipts (BDRs), na prática as ações de empresas estrangeiras que agora podem ser negociadas na B3.

Rodrigo Bittencourt, sócio do Warde Advogados, entende que a liberação dos BDRs ocorre em um contexto no qual diversas empresas brasileiras abriram o capital em Nova York em vez de fazê-lo aqui, o que atraiu a atenção dos investidores para a compra de papéis negociados no exterior.

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“Isso abriu as portas para o investidor de varejo comprar ações como Apple, Facebook, etc., o que é interessante porque não há muitas empresas de tecnologia listadas na B3”, explica.

A sócia da XP Investimentos e influenciadora do canal Explica Ana, Ana Laura Magalhães, conta que o brasileiro sempre quis investir em grandes companhias globais, mas que isso era vetado antigamente, pois somente o chamado investidor qualificado (que possui mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras) poderia acessar outras bolsas diretamente.

Para o investidor comum, as alternativas eram comprar cotas em fundos e Exchange Traded Funds (ETFs) que investiam em ativos estrangeiros, mas nesses casos o investimento era passivo. Era impossível escolher ativamente em quais ativos investir, era o gestor do fundo ou a composição do índice seguido pelo ETF que “decidiam” pelo investidor.

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Com a mudança, diz ela, a autonomia do investidor brasileiro aumentou.

Segundo Marcos Roberto de Moraes Manoel, coordenador de Direito Empresarial do Nelson Wilians Advogados, a CVM parece estar dedicada a democratizar e tornar mais acessível o mercado de capitais em um momento no qual cada vez mais pessoas passam a investir em Bolsa.

Segundo dados da B3 divulgados ontem (5), o ano de 2020 trouxe 1,5 milhão de novos investidores para a Bolsa. O número de CPFs cadastrados chegou a 3,2 milhões ao todo, em um crescimento de 92%.

“Tivemos um salto de menos de um milhão, para três milhões de CPFs na Bolsa. Esses movimentos não são uma coincidência”, avalia Manoel.

Outra mudança que deu o que falar foi a que limitou a atuação de influenciadores das redes sociais em assuntos sobre finanças.

No dia 11 de novembro, a CVM elaborou um Ofício-Circular que enquadra nas penalidades por atuação irregular no mercado quem faz publicações de demanda ou oferta artificial de ações em redes sociais, promove esquemas de pirâmide ou age como um analista de valores mobiliários sem ter certificação para isso.

“Há muitos influenciadores que cobram por mês para liberarem o acesso a conteúdo, então a CVM fez esse alerta para esclarecer que se a pessoa cobra para fazer esse papel, ela tem que ter a habilitação como analista”, afirma Alfredo Lazzareschi, sócio do Warde Advogados.

Lazzareschi lembra que os riscos se potencializam no caso dos influenciadores que recomendam compra ou venda em small caps, as ações de empresas que possuem menor valor de mercado e liquidez. “Um influenciador com mais de 100 mil seguidores que comece a fazer uma live para recomendar uma small cap pode manipular o mercado, inflando ou derrubando preços artificialmente.”

Rodrigo Bittencourt ressalta que a preocupação não é só com fraude ou manipulação intencional mas também com pessoas sem conhecimento técnico que façam sugestões de valores mobiliários para o público em geral. A maneira de coibir isso, explica ele, foi alargar a caracterização do que é um relatório de recomendação.

“A CVM precisa questionar se a pessoa sabe do que está falando, pois uma recomendação ruim pode fazer com que investidores se afastem para sempre do mercado de capitais.”

Ana Laura, que faz parte desse mundo com forte presença em plataformas como o YouTube e o Instagram, lamenta que muitos influenciadores estejam mais focados em ganhar visibilidade do que em apresentar um bom conteúdo.

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“O certo é gerar bom conteúdo e obter sucesso como consequência. As pessoas podem ser muito boas em coagir seus seguidores a determinados tipos de investimentos sem alertar sobre os riscos”, revela.

Para ela, ao trabalhar nesse segmento e atrair as pessoas ao mundo dos investimentos em Bolsa via redes sociais os influenciadores precisam expor os riscos envolvidos em qualquer operação de renda variável.

Apesar de comemorarem a regulamentação nova, os advogados ressaltam que a CVM demorou em resolver o problema, porém Alfredo acredita que isso é natural considerando que no direito a lei evolui sempre mais devagar do que a sociedade.

“Ela [a CVM] se atrasou, mas a atividade regulatória é sempre reativa. Esse movimento de influenciadores no mercado de ações é algo novo.”

Pandemia

A realidade da pandemia também obrigou a CVM a adiantar algumas medidas já se esperava que fossem tomadas no futuro. Uma delas é a de permitir as assembleias de acionistas por meio de videoconferência, desobrigando investidores a comparecerem fisicamente nas reuniões que tratam de decisões relevantes das companhias.

“A CVM já vinha em um caminho de possibilitar voto à distância e nada mais natural em um ambiente de pandemia do que permitir a participação em assembleias de acionistas de maneira digital”, diz Alfredo.

Gustavo Dezouzart, sócio de Mercado de Capitais do Costa Tavares Paes Advogados, destaca que sem as assembleias digitais não seria possível aprovar nenhum ato societário. “Foi muito importante normatizar esses assuntos.”

De acordo com Alfredo, a decisão do órgão regulador afetou diretamente a sua vida, pois um dos seus clientes possui uma participação relevante em uma empresa de Caxias do Sul (RS) e seu escritório fica em São Paulo.

“Com as assembleias digitais eu passei a gastar dois terços a menos de tempo para representar meu cliente junto a essa companhia, uma vez que não preciso mais buscar passagens e hospedagem para poder comparecer a essas reuniões.”

Marcos Manoel comenta que além de permitir que as empresas continuassem a aprovar dividendos, aquisições e outras medidas que necessitam de sanção via assembleia em tempos de isolamento social, a instrução foi responsável por reduzir o absenteísmo nessas reuniões.

“Isso ajuda os acionistas minoritários a terem mais voz”, defende.

Acionistas minoritários

Foram justamente os minoritários que foram atingidos por uma das mais importantes regulamentações da CVM em 2020. A Instrução 627 reduziu os percentuais mínimos para que se exerçam determinados direitos de acionistas.

Entre eles está a exibição de livros, a moção de ação derivada contra os controladores, o pedido de informações ao conselho fiscal e a promoção de ações de responsabilidade contra os controladores.

“Isso aumentou o poder dos acionistas minoritários, embora o alcance ainda seja um pouco limitado”, argumentou Marcos Manoel. Na opinião do advogado, agora os minoritários poderão ser mais ativistas, o que seria necessário para a construção de um mercado financeiro mais democrático e atrativo.

Por outro lado, o advogado lembra que, no caso da briga entre Totvs (TOTS3) e Stone pela Linx (LINX3), a CVM atuou na direção contrária à que estava caminhando desde a edição da instrução 627.

“Naquele caso específico, o órgão usou a tese do conflito material e permitiu que os acionistas controladores votassem para que, a posteriori, fosse verificado o conflito de interesse. Acabou contrariando uma sólida jurisprudência que já tinham na matéria”, destaca.

Durante aquele caso, acionistas minoritários da Linx acusaram os controladores da empresa de defenderem a proposta da Stone porque os pacotes de trabalho e as cláusulas de não competição ofereciam um bônus de controle no qual os fundadores da empresa receberiam 35% a mais que os minoritários.

Os acionistas da Linx, então, pediram para a CVM analisar a proposta e a autarquia permitiu que os fundadores da Linx votassem na assembleia que decidiria pela aquisição. O Bradesco BBI apontou em relatório que essa decisão contribuiu para a aceitação da proposta da Stone em detrimento da realizada pela Totvs.

“É uma decisão, no mínimo, curiosa. Foi contrária à jurisprudência sólida da CVM nessa questão e que não favoreceu os minoritários. O voto do controlador e o conflito de interesses fazem parte da defesa dos minoritários”, expressa Manoel.

Procurada pela reportagem, a CVM respondeu que “as decisões do colegiado da autarquia são tomadas a partir da análise dos casos concretos e tomando por base a legislação e os normativos vigentes”.

Além disso, a autarquia ressaltou que as informações públicas sobre as razões que levaram à decisão naquele caso concreto estão disponíveis neste link.

Posicionamento da CVM

A CVM enviou o seguinte texto para justificar sua atuação ao longo do ano de 2020:

“Inicialmente, cabe aqui esclarecer que a CVM está, permanentemente, modernizando a regulamentação, em função de fatores diversos, tais como estruturas inovadoras, experiência da supervisão, demandas de agentes de mercado, entre outros. É papel da Autarquia, dentre outros pontos, promover a expansão e o funcionamento correto, eficiente e regular do mercado financeiro.

Sobre a edição da Resolução CVM 3, que promove alterações nas Instruções CVM 332, 359, 480 e 555, no tocante às regras relacionadas a Brazilian Depositary Receipts (BDR), o assunto estava na lista das prioridades regulatória da Autarquia para o ano de 2019, conforme notícia divulgada em 4/2/2019.

Já a edição da ICVM 622, alteradora da Instrução CVM 481, que dispõe sobre informações e pedidos públicos de procuração para exercício do direito de voto em assembleias de acionistas, se deu como parte das medidas adotadas em resposta à pandemia da Covid-19, na esteira da edição da Medida Provisória 931, de 30/3/20, a fim de estabelecer condições para que as companhias realizassem assembleias inteiramente digitais.

Dessa forma, as alterações regulatórias mencionadas em sua demanda estão de acordo com o escopo de atuação da CVM, conforme previsto na Lei 6.385/76.

Em relação à atuação de influenciadores digitais nas redes sociais, é importante destacar que a manifestação realizada em rede social é como qualquer outra realizada publicamente, sujeita ao mesmo tratamento e restrições.

Da mesma forma, a figura do ‘influenciador digital’, por si mesma, não está descrita expressamente na legislação ou em regras do mercado regulado pela CVM. Porém, caso esse ‘influenciador’ seja participante do mercado de capitais e, assim, esteja sujeito às regras desta Autarquia, ele poderá ser fiscalizado e, se cabível, responsabilizado por seus atos.

Adicionalmente, caso esse ‘influenciador digital’ esteja, sem os registros necessários, exercendo atividade que, por força de regra, necessite de autorização da CVM, tais como as atividades de consultor de valores mobiliários e/ou de agente autônomo de investimento, este ‘influenciador’ estará passível de receber alerta desta Autarquia.

Assim, torna-se de grande importância que o investidor, antes da tomada de decisão de investimento, verifique a veracidade de todas as informações recebidas, desconfie de promessas de retornos elevados com baixo risco e baseie a decisão em questões objetivas.

Além disso, apenas instituições e/ou pessoas autorizadas podem oferecer operações de forma profissional no mercado de valores mobiliários. O investidor pode verificar se tal instituição ou pessoa possui autorização para atuar como participante do mercado de valores mobiliários por meio do site da CVM. E, sempre que necessário, o investidor deve utilizar o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) da CVM.”

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.