Setor de geração critica nova regra da Aneel que onera empresas no Nordeste

Medidas aprovadas, no entanto, beneficiam consumidores da região (e do Norte) com reduções no valor da conta de luz; elas entram em vigor entre 2023 e 2028

Equipe InfoMoney

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A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou na terça-feira (20) novas regras para tarifas do uso do sistema de transmissão de energia (Tust), que devem baratear contas de luz no Norte e no Nordeste mas impactar negativamente geradores de energia do Nordeste.

A medida foi alvo de críticas de empresas e do deputado Danilo Forte (União-CE), relator de uma Medida Provisória aprovada na Câmara que tem uma emenda sobre o assunto. A MP está em tramitação no Senado e pode gerar um custo extra de R$ 4,5 bilhões ao ano aos clientes pelas próximas três décadas.

As medidas aprovadas ontem pela Anatel entram em vigor em 2023 e preveem um período de transição ao longo de cinco ciclos tarifários, até 2028. Elas devem onerar geradores no Nordeste, beneficiando consumidores da região com uma redução no valor da conta de luz.

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A aprovação das regras, que tendem a beneficiar também geradores mais perto do centro de carga, como hidrelétricas do Sul e Sudeste, suscitou reações negativas de representantes do setor de energia eólica (que vêm tendo forte crescimento no Nordeste).

O tema tem sido discutido há meses em consultas públicas pela Aneel, e seu avanço desagradou a associação ABEEólica, que já havia entrado na Justiça para barrar a mudança em usinas existentes. A decisão da Aneel pode ainda instaurar um embate com parlamentares, que analisam no Congresso uma proposta sobre o tema aprovada na Medida Provisória 1.118.

O que vai mudar?

As mudanças aprovadas envolvem o chamado “sinal locacional” da Tust, mecanismo que tem duas funções principais:

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  1. Indicar o local mais racional para instalação de novos empreendimentos de energia, de forma a aproximar a geração do consumo;
  2. Assegurar o equilíbrio de custos, alocando maiores encargos para quem mais onera o sistema.

A lógica da mudança, segundo a Aneel, é tornar mais barato consumir energia onde há mais geração, e ao mesmo tempo onerar geradores que fazem maior uso do sistema de transmissão para escoar sua energia aos grandes centros de carga, Sul e Sudeste.

Quem ganha e quem perde

Assim, a nova metodologia deve impactar principalmente geradores e consumidores do Nordeste — região que passou de importadora de energia elétrica a exportadora nos últimos anos, com o forte crescimento da geração eólica e solar.

Para o consumidor de energia do Norte e Nordeste, a Aneel calcula um benefício médio de 2,4% e 0,8% nas tarifas, respectivamente. Já para os geradores, a tendência é de maior ônus nessas regiões, com impacto sobre a competitividade e os custos de usinas novas e existentes.

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Para atenuar os efeitos das novas regras, foi criado um cronograma de transição até 2028. A ideia é “mesclar” aos poucos a aplicação da metodologia vigente com a nova, chegando à proporção de 50%-50% em 2027/28.

O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, defendeu a proposta, dizendo que a metodologia vigente hoje já não dá conta das mudanças recentes na lógica de expansão da geração e transmissão de energia no Brasil.

Críticas (e elogios) à regra

Porta-vozes de grandes companhias setor elétrico, como Eletrobras  (ELET3;ELET6), Casa dos Ventos e Engie (EGIE3), participaram da reunião da Aneel de terça-feira para apresentar suas posições sobre a mudança do sinal locacional.

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Das críticas feitas por agentes como Eletrobras e ABEEólica, a principal trata da aplicação das regras a empreendimentos existentes — o que, em tese, não teriam como “responder” a essa nova regra, uma vez que já têm seus empreendimentos construídos, sem possibilidade de mudá-los de localização.

A Norte Energia, concessionária da usina hidrelétrica de Belo Monte, estimou que a mudança da metodologia poder aumentar o prejuízo da companhia. José Moisés Machado, representante da Norte Energia, diz que a usina teria que elevar em 6,5% o preço da energia (quase R$ 9 por megawatt-hora) para fazer jus ao aumento de custo.

A Engie Brasil se posicionou a favor da mudança do sinal locacional, avaliando que regras de transição são ponderadas e estão na direção correta. A Omega Energia (MEGA3) também avaliou que a transição proposta “suaviza bastante” potenciais impactos aos geradores.

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“Tem impacto, mas não que mude o jogo”, disse à Reuters Bernardo Bezerra, diretor de Inovação, Produtos e Regulatório da Omega. “Até porque vai existir também uma tendência de os preços se acomodarem… O aumento que vai ter no preço de energia não é suficiente para mudar a expansão do sistema para outra região ou outra fonte”.

MP 1.118

Durante a reunião da Aneel, o diretor Hélvio Guerra negou que a decisão sobre o sinal locacional tenha relação com o teor da MP 1.118, que foi aprovada na Câmara com um trecho sobre o tema e agora está no Senado. “Não podemos dizer nem aceitar que alguém diga que estamos acelerando a discussão para nos sobrepor ou ultrapassar as competências da Aneel e do Congresso Nacional”, disse Guerra.

A MP pode ser votada nesta semana no Senado. Na semana passada, o diretor da Aneel fez duras críticas ao trecho da MP que trata do sinal locacional, dizendo que esse e outro “jabuti” incluído são “absolutamente prejudiciais” e devem onerar os consumidores via tarifas.

O texto da MP 1.118 diz que a metodologia de sinal locacional na definição das tarifas deverá considerar a política nacional de expansão da matriz elétrica, “objetivando a redução das desigualdades regionais, a máxima eficiência energética e o maior benefício ambiental”.

Guerra diz que, se aprovada, a MP eliminaria potenciais benefícios com as mudanças em estudo pela Aneel que poderiam reduzir as tarifas para os consumidores do Nordeste.

Deputado critica

O deputado Danilo Forte (União-CE), relator da MP 1.118 na Câmara, reagiu à medida aprovada, dizendo que ela representa uma “afronta ao processo legislativo e à soberania do Congresso Nacional”. “A agência, em um movimento desprovido de razoabilidade, decidiu se antecipar ao próprio Senado”.

“Não foram poucas as tentativas feitas por mim e outros parlamentares por uma solução conjunta, com a participação dos agentes econômicos e a sociedade, construída dentro do Legislativo, que é o ambiente para se discutir políticas públicas”, diz a nota do parlamentar.

Durante a reunião, diretores da Aneel se defenderam das acusações de que o regulador estaria “fazendo política pública”, dizendo que estão meramente aplicando a lei. “A Aneel não faz política pública. A Aneel cumpriu seu rito administrativo. É uma discussão que já estava aqui há 240 dias. [A decisão] precisava ser tomada para que a sociedade conheça a posição da Aneel sobre o tema”, afirmou o diretor-geral.

“Entendo que a decisão da Aneel não interfere em nenhuma instância, nem no Legislativo, nem no Judiciário, pois são completamente independentes. Qualquer decisão que seja tomada, no âmbito Legislativo ou Judiciário, a Aneel vai simplesmente cumprir. Não há nenhum conflito. A Aneel simplesmente cumpriu seu papel”, disse o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa.

(Com Reuters e Estadão Conteúdo)