Posse de Lula: Brasília vira destino turístico igual à praia, e hotéis se preparam para ocupação máxima no Réveillon

Todo efetivo policial da capital federal estará mobilizado para garantir segurança do presidente eleito durante evento

Lucas Sampaio

Esplanada dos Ministérios (Ana Volpe/Agência Senado)

A 3 dias da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Brasília já se prepara para um evento que acontece a cada 4 anos, em 1º de janeiro: a capital federal vira “cidade litorânea” e se torna um dos maiores destinos turísticos do Brasil, rivalizando até com cidades como Florianópolis (SC).

Segundo a Decolar, Brasília é o 8º destino mais procurado para o Réveillon no site, à frente de cidades turísticas e com praia como João Pessoa (PB) e Florianópolis (SC). No Booking.com foi o 7º destino mais buscado por brasileiros em novembro, para estadias entre o Natal e o Ano Novo, à frente de capitais nordestinas cobiçadas como Fortaleza (CE) e Salvador (BA).

Além da posse de Lula em si, no Palácio do Planalto, haverá um festival de música gratuito – o Festival do Futuro –, com shows de artistas como Pablo Vittar, Martinho da Vila, Gaby Amarantos, Baiana System, Zélia Duncan e Paulo Miklos.

A servidora pública Roberta Versiani, de 41 anos, resolveu aproveitar a posse de Lula e o festival para visitar os amigos e vai ficar 11 dias na capital federal. Mineira de Belo Horizonte, ela mora em Florianópolis há 9 anos e trabalha no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT12).

Versiani diz que a eleição “mexeu muito” com ela e que o festival influenciou em sua decisão de ir para Brasília. Disse que “adora a Duda Beat” (que também vai tocar no festival), mas “a causa principal [da viagem] é para rever os amigos”. “Foi uma forma de casar todos os programas”.

Destinos mais buscados
Booking.com Decolar
1. Rio de Janeiro (RJ) Rio de Janeiro (RJ)
2. Ubatuba (SP) Recife (PE)
3. São Paulo (SP) São Paulo (SP)
4. Florianópolis (SC) Fortaleza (CE)
5. Guarujá (SP) Salvador (BA)
6. Balneário Camboriú (SC) Maceió (AL)
7. Brasília (DF) Natal (RN)
8. Bombinhas (SC) Brasília (DF)
9. Fortaleza (CE) João Pessoa (PB)
10. Salvador (BA) Florianópolis (SC)

Mais de 90% de ocupação

O setor hoteleiro já está se preparando desde setembro para a virada (antes mesmo da eleição). “A posse transforma Brasília em uma cidade litorânea a cada 4 anos”, afirma Henrique Severien, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH) do Distrito Federal.

Severien diz que a ocupação na virada costuma ser de 50% ou menos em Brasília, nos anos em que não há mudança de governo, e que neste ano o setor planeja uma virada com ocupação acima de 90%. “Há pelo menos 2 meses e meio o setor já se preparou para esse movimento e adotou as ‘tarifas de balcão’, no patamar máximo – o que já era um forte indicador da expectativa de ocupação acima de 90%”.

Ele diz inclusive que alguns hotéis já não têm quartos disponíveis e outros estão tirando seu inventário de plataformas como a Booking.com, que é uma plataforma intermediária e fica com uma comissão, para fazer a venda direta.

A reportagem procurou também a CVC (CVCB3), o Airbnb (AIRB34) e a rede de hotéis Accor, dona de marcas como Ibis e Mercure, para saber como estava a procura por voos, pacotes e hospedagens na capital federal, por causa da posse de Lula, mas as empresas preferiram não participar da reportagem.

Atos de violência

A segurança do presidente eleito, da cúpula do novo governo e da população que vai à posse ganhou outro patamar devido aos atos de violência que ocorreram em Brasília nos últimos dias. No sábado (24), a polícia prendeu George Washington de Oliveira Sousa, suspeito de colocar uma bomba caseira em um caminhão-tanque carregado com combustível próximo ao aeroporto de Brasília.

Segundo a Polícia Civil, o suspeito tem 54 anos e viajou do Pará para Brasília para as manifestações antidemocráticas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele estava acampado diante do quartel-general da capital federal, onde desde o segundo turno das eleições manifestantes têm defendido ações ilegais de militares contra o governo eleito.

Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, disse em entrevista na segunda-feira (26) à GloboNews que espera haver um quadro de normalidade durante a posse de Lula com a desmobilização, até o dia 31, dos acampamentos antidemocráticos instalados diante dos quartéis do Exército.

“Não se trata de um ‘lobo solitário’, há gente poderosa por trás disso, e a polícia vai apurar. Não vamos permitir terrorismo político no Brasil”, disse. “Vamos apurar as conexões entre agentes privados e agentes públicos e os acampamentos nos quartéis onde estava o suspeito preso”.

No domingo (25), forças de segurança do Distrito Federal localizaram artefatos explosivos deixados em um matagal do Gama, região administrativa a cerca de 35 km da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Na quarta-feira (28), a PM do DF investigou — e descartou — a existência de uma bomba em uma mochila que foi abandonada no setor hoteleiro.

Tiro em hotel

Após essa série de ocorrências, a Polícia Federal e a Polícia Civil do DF deflagraram nesta quinta-feira (29) uma operação contra bolsonaristas suspeitos de envolvimento na tentativa de invasão ao edifício-sede da PF em Brasília e em atos de vandalismo na capital federal em 12 de dezembro.

Os policiais federais e civis cumprem 32 ordens judiciais de prisão e de busca e apreensão em 7 estados (Ceará, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins) e no Distrito Federal. Os mandados foram expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O InfoMoney revelou que um projétil atingiu quarto de hotel com um hóspede dentro, durante o vandalismo de bolsonaristas. O tiro atravessou o vidro e atingiu a parede da acomodação do Grand Mercure Eixo enquanto o hóspede dormia, apurou a reportagem.

A Accor, dona da marca Grand Mercure, confirmou que a acomodação foi atingida “durante os eventos da última noite, na capital federal”, mas disse que o quarto estava desocupado “e nenhum cliente ficou ferido”. Os “eventos da última noite” citados pela empresa são os atos de vandalismo do dia 12.

A reportagem revelou também que as redes de hotéis de Brasília ofereceram quartos para investigadores identificarem os responsáveis pela violência. A proposta foi feita durante reunião entre representantes dos hotéis, secretários distritais e a Polícia Militar, em encontro convocado pela Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Distrito Federal (ABIH-DF), no dia seguinte ao ataque.

Além de tentar invadir a sede da PF, os apoiadores de Bolsonaro depredaram a 5ª Delegacia de Polícia e levaram caos ao Setor Hoteleiro Norte (SHN) e a um trecho do Eixo Monumental, por causa da prisão do indígena José Acácio Serere Xavante, acusado de envolvimento em protestos antidemocráticos.

Projétil atinge quarto do hotel Grand Mercure em Brasília, com hóspede dentro, durante protestos bolsonaristas em 12/12/2022

Segurança para a posse

Em entrevista coletiva na terça-feira (27), em Brasília, que contou com a participação dos futuros ministros da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio, além do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, foi anunciado que todo o efetivo das forças policiais da capital federal estará mobilizado para o esquema de segurança da posse presidencial.

“Não temos mudança na programação da posse, do protocolo. Todo sistema de segurança estará integralmente mobilizado. Nós estamos no planejamento dinâmico. A cada situação nova que se coloca, fazemos uma análise”, afirmou Dino.

Em relação ao tradicional desfile presidencial em carro aberto, Dino reiterou que o planejamento prioriza a segurança do presidente eleito e de todas as pessoas que estarão em Brasília acompanhando a posse — e que também pode ser alterado dependendo das condições meteorológicas da capital.

“Temos toda tranquilidade para reiterar o convite para que a população participe da posse. A posse ocorrerá como programada. Nós estaremos juntos. Queremos transmitir essa segurança e tranquilidade à população brasileira”, afirmou o futuro ministro.

Lula vai decidir apenas no domingo se fará o tradicional desfile em carro aberto em Brasília ou se optará por um veículo fechado. De acordo com Dino, a decisão final, que deverá ocorrer perto do meio-dia, levará em conta questões de segurança e climáticas.

Sobre as ações de desmobilização dos acampamentos bolsonaristas diante dos QGs do Exército, Ibaneis Rocha afirmou que acompanha a situação. “A gente aguarda novas operações até o dia da posse para desmobilizar esse pessoal. O exército vem desmontando parte dos acampamentos diariamente. Isso está acontecendo de forma pacífica. Não consideramos legítimas as coisas que vem acontecendo, como foi esse caso da tentativa de atentado a bomba, com armamento pesado”.

Receio com a violência?

Questionada se tem receio de atos de violência no dia 1º, Roberta Versiani diz que não. “Para mim, não. Porque essas manifestações golpistas já eram esperadas de alguma forma, se o Lula fosse vitorioso. Não esperava [manifestações] no nível de colocar fogo no carro das pessoas, mas não me intimidou a ponto de pensar em não ir”.

A servidora pública acredita que a segurança vai estar devidamente reforçada. “Não tenho receio de violência no entorno do local da posse e do Festival do Futuro porque acho que eles [os órgãos responsáveis] vão fazer uma varredura muito criteriosa”.

Ela diz também que não pretende ficar no meio da “muvuca” — tanto da posse quanto dos shows — e que combinou com seus amigos “de ver primeiro como está a situação, se tem muita gente”. “Não queremos ficar no meio da multidão, queremos participar de forma segura”.

O InfoMoney questionou também a organização do Festival do Futuro, sobre o esquema de segurança e o local onde os shows serão realizados, mas não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.

Estadias curtas, de 1 dia

O presidente da ABIH-DF diz que as estadias para as posses presidenciais em Brasília têm sempre uma característica peculiar: são estadias curtas, de 1 ou 2 dias no máximo, só para o evento em si. “Acabou [a posse], o viajante vai embora. Estamos falando de 1 a 2 dias de ocupação e ponto. Não há nenhum outro fenômeno capaz de segurá-los na virada do ano”.

Severien afirma que o perfil de quem se hospeda em hotéis também é diverso — e não necessariamente são os eleitores “comuns” de Lula que estão fazendo reservas faltando poucos dias para a posse. “Até empresários deixam para a última hora. Isso tem a ver com o tabuleiro que vai se formando em termos ministeriais. Tanto é que alguns hotéis deixam uma ‘reserva técnica’ para atender a essa demanda de última hora, porque geralmente vem um presidente, um diretor ou um CEO de alguma empresa”.

Ele diz também que os clientes também estão mudando a forma de fazer reservas, deixando cada vez mais para a última hora, pois a pandemia “mudou muito esse comportamento. “Não conseguimos mais fazer um ‘forecast’ de longo prazo [previsão], de como vai ser a ocupação daqui a 1 a 3 meses de ocupação. Às vezes estamos com uma ocupação muito baixa e em 3 ou 4 dias essa tendência muda”.

Sobre o perfil das pessoas que estão fazendo reservas, o presidente da ABIH-DF diz que “é muito variado”. “Você tem o eleitor do presidente diplomado, e esse eleitor corresponde a metade da população: então tem o rico, o pobre, o ‘torcedor fanático’. É muito difícil traçar um perfil, pois tem pessoas de todos os poderes aquisitivos”.

(Com informações da Reuters)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.