Hotéis oferecem quartos para polícia localizar responsáveis por atos violentos antes da posse de Lula

Representantes do setor hoteleiro se reuniram com secretários do DF e chefe da PM por reforço à segurança no dia 1º de janeiro

Lucas Sampaio

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As redes de hotéis de Brasília ofereceram quartos para investigadores identificarem os responsáveis pelos atos de vandalismo e violência que atingiram Brasília, na noite do dia 12, quando bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal, queimaram carros e ônibus e levaram caos ao Setor Hoteleiro Norte e a um trecho do Eixo Monumental.

A proposta foi feita durante reunião entre representantes do setor, os secretários distritais de Segurança Pública e Turismo e a Polícia Militar. O encontro foi convocado pelo braço do Distrito Federal da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-DF), no dia seguinte aos atos.

Com a aproximação do dia da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a segurança do evento, que será realizado em 1º de janeiro, ganhou outro status até por conta da prisão, no último sábado (24), de um homem suspeito de “plantar” um artefato explosivo próximo ao aeroporto de Brasília.

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Segundo a Polícia Civil, o suspeito tem 54 anos e viajou do Pará para Brasília para as manifestações antidemocráticas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Ele estaria acampado diante do quartel-general da capital federal, onde desde o segundo turno das eleições manifestantes têm defendido ações ilegais de militares contra o governo eleito.

Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, disse em entrevista nesta segunda-feira (26) à GloboNews que espera haver um quadro de normalidade durante a posse de Lula com a desmobilização, até o dia 31, dos acampamentos antidemocráticos instalados diante dos quartéis do Exército.

“Não se trata de um ‘lobo solitário’, há gente poderosa por trás disso, e a polícia vai apurar. Não vamos permitir terrorismo político no Brasil”, disse. “Vamos apurar as conexões entre agentes privados e agentes públicos e os acampamentos nos quartéis onde estava o suspeito preso”.

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Procurado pela Reuters, o Ministério da Defesa afirmou que a questão sobre retirada das estruturas nas imediações dos quartéis é com o Exército. O Exército, por sua vez, não respondeu até esta publicação.

Atos de violência

No setor hoteleiro, a preocupação com possíveis atos de violência no dia da posse de Lula ganhou atenção especial também pela presença das delegações internacionais que virão para o evento — inclusive o Rei da Espanha (veja mais abaixo).

O InfoMoney revelou que um projétil atingiu um quarto do Grand Mercure com um hóspede dentro, durante os atos de vandalismo. O tiro atravessou o vidro e atingiu a parede da acomodação do Grand Mercure Eixo enquanto o hóspede dormia. Dona da marca Grand Mercure, a Accor confirma que a acomodação foi atingida, mas diz que o quarto estava desocupado e que nenhum cliente ficou ferido”.

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Representantes de cerca de 15 hotéis compareceram à reunião, que foi realizada no próprio Grand Mercure (havia responsáveis de estabelecimentos como Comfort Suites, Ibis, Kubitschek, Manhattan, Metropolitan, Saint Paul e San Marco, entre outros). A reportagem não conseguiu apurar se a oferta foi aceita pelas forças de segurança.

“A maioria dos manifestantes [bolsonaristas] estão hospedados em hotéis, então é possível identificá-los”, afirma uma fonte que estava na reunião e preferiu não se identificar.

Além de atacar a sede da PF, queimar vários veículos e atirar na janela do Grand Mercure, os bolsonaristas também ameaçaram funcionários dos hotéis do Setor Hoteleiro Norte e arremessaram pedras contra os estabelecimentos, além de invadir uma churrascaria e causar o fechamento de um importante shopping de Brasília, que fica entre a sede da PF e o setor hoteleiro.

Segundo relato de um dos presentes na reunião, um funcionário de um dos hotéis foi hostilizado por bolsonaristas por ter pegado um extintor de incêndio e saído na rua para apagar o fogo em um dos carros. Ele desistiu após o grupo ter ameaçado invadir o hotel caso ele tentasse controlar o incêndio.

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Delegações internacionais

Quem esteve presente na reunião diz que o episódio “pode ser considerado um ensaio geral do que pode acontecer [no dia da posse”. “Eram poucas pessoas e deu no que deu”, disse um dos presentes, que destacou a importância da segurança no dia 1º de janeiro, pois mais de 20 delegações internacionais virão para a posse de Lula.

Até o momento, os seguintes chefes de estado já confirmaram presença: os presidentes da Alemanha, de Angola, da Argentina, da Bolívia, de Cabo Verde, do Chile, da Colômbia e do Equador, o rei da Espanha, e os presidentes da Guiana, de Guiné-Bissau, do Paraguai, de Portugal, do Suriname, do Timor Leste, do Uruguai e do Zimbábue.

“O problema é saber se isso foi uma prévia do que pode vir depois ou se eles esgotaram os cartuchos agora”, disse João Roberto Martins Filho, pesquisador de assuntos militares e professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), à Reuters.

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“Faz muito tempo que a gente previa que isso poderia acontecer se o Bolsonaro fosse derrotado. A gente não sabia exatamente o que poderia acontecer, chegamos a pensar até que poderia ser pior do que foi até agora. Pior do que foi até agora é morrer alguém”, afirmou o pesquisador.

O que dizem os hotéis

Responsável por convocar a reunião, o presidente da ABIH-DF, Henrique Severien, afirmou que, “em nome da associação, fiquei muito satisfeito”. “Foi positivo, porque fomos prontamente atendidos pelo secretário de SSP, pelo secretário de Turismo e pelo chefe do batalhão da PM”.

“Fomos recebidos sem ressalva e saímos em um clima de cooperação mútua. Vamos trabalhar juntos porque temos um desafio pela frente”, disse Severien, que não quis se manifestar sobre a oferta que foi feita aos investigadores nem quis responder sobre detalhes da reunião.

“O aprendizado que ficou é que não podemos esperar o dia 30 ou 31. Temos de tomar ações imediatamente”, disse o presidente da ABIH-DF. “Foi um alerta para todo o setor e principalmente para os órgãos de segurança. [A posse] é um evento que tem uma situação potencial de tumultos, por isso é preciso ter uma preparação especial”.

O que dizem os órgãos de segurança

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), que estava presente na reunião do dia 13, além da PF e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão ligado à Presidência da República. Os órgãos foram questionados não só sobre os atos de violência e vandalismo, mas também se (e como) eles tinham mudado o planejamento do esquema de segurança para a posse.

Só a SSP-DF se posicionou, por meio de nota, afirmando que “o plano de segurança pública para o dia da posse presidencial está em fase de elaboração”. “Assim como em todos os eventos deste tipo ocorridos no Distrito Federal, o planejamento está sendo constituído com a participação de instituições locais e federais. Assim que o plano for concluído será amplamente divulgado”.

Flávio Dino afirmou que parte dos manifestantes já foram identificados. A declaração foi dada em São Luís durante coletiva de imprensa para anunciar novos integrantes de sua equipe no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

“Já há a identificação de dezenas de pessoas que atuaram naqueles atos de terrorismo, violência, intimidação, danos patrimoniais e risco à integridade física das pessoas”, afirmou. Ele assegurou que, mesmo que as investigações não avancem neste ano, elas terão continuidade com o novo governo.

(Com informações de Reuters e Agência Brasil)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.