Sem citar Mantega, ministro nega que Lula tenha tratado de sucessão na Vale

Alexandre Silveira (PSD) disse que presidente "nunca" se disporia a interferir em uma empresa com capital aberto

Lucas Sampaio

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O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), negou nesta sexta-feira (26) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tratou sobre sucessão na Vale (VALE3) e disse que o presidente “nunca se disporia a fazer uma interferência direta em uma empresa de capital aberto”.

As declarações do ministro ocorrem após diversos veículos de imprensa terem publicado que Lula buscava colocar Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), no comando da mineradora — ou ao menos uma vaga no conselho de administração.

O IM Business mostrou na semana passada que Mantega não queria “apenas” uma vaga no conselho, mas sim ser o CEO da mineradora. Diante da reação negativa à indicação, o jornal Folha de S.Paulo publicou hoje que o ex-ministro deve divulgar uma carta abrindo mão de um cargo na mineradora.

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“O presidente Lula nunca se disporia a fazer uma interferência direta em uma empresa de capital aberto, listada em bolsa. Uma corporation [empresa que não tem um controlador] que tem a sua governança e a sua natureza jurídica que deve ser preservada”, afirmou Silveira a jornalistas, em Brasília. “Até porque o Brasil é um país que respeita contrato, um país que tem regulação estável”.

O ministro não citou o nome de Mantega e também negou a informação de que teria ligado para conselheiros da empresa para defender a indicação o ex-ministro (a mineradora tem 11 membros em seu conselho de administração). “Eu, em nenhum momento, fiz uma referência de indicação do governo a nenhuma vaga da Vale. Nenhuma. Nenhuma”.

A pressão que o governo nega tem sido feita porque o atual CEO, Eduardo Bartolomeo, tem contrato até 31 de maio. Pelo estatuto da empresa, o executivo deve ser comunicado com quatro meses de antecedência se terá seu mandato renovado ou se o conselho abrirá um processo para contratar um novo presidente. Como o prazo se encerra na quarta-feira (31), os conselheiros devem se reunir antes disso para deliberar sobre a sucessão na mineradora.

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O nome de Mantega não é bem quisto por parte do mercado financeiro devido à sua atuação como ministro da Fazenda durante o governo Dilma, quando o Brasil enfrentou a maior recessão da sua história. Apesar de avaliarem a indicação como pouco provável, analistas alertavam sobre o risco de o governo usar poderes como a liberação de licenças ambientais ou maior tributação para retaliar a mineradora.

Críticas à Vale
Em meio à guerra de versões, Lula fez duras críticas à mineradora ontem, no dia em que se completaram 5 anos da tragédia em Brumadinho (MG), enquanto a presidente nacional do PT (e deputada federal pelo Paraná), Gleisi Hoffmann, defendeu a indicação de Mantega para o conselho de administração.

Gleisi disse que “pouquíssimos brasileiros são tão qualificados quanto Guido Mantega para compor o conselho da Vale”. A presidente do PT disse também que a companhia é “estratégica para o país” e que o governo “tem participação e responsabilidades” nela, “mesmo depois de sua privatização danosa ao patrimônio público”. Disse ainda que o ex-ministro é “um dos brasileiros mais injustiçados de nossa época” e qualificado “para esta ou qualquer outra missão importante”.

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Lula afirmou que a Vale “nada fez para reparar a destruição” causada pelo rompimento da mina Córrego do Feijão, que deixou 270 mortos (e 3 corpos ainda desaparecidos) em 25 de janeiro de 2019. Apesar da declaração, a mineradora assinou um acordo de reparação em 4 de fevereiro de 2021.

Com um valor estimado de R$ 37,7 bilhões, o acordo não foi assinado pelo governo federal, mas pelo governo de Minas Gerais, pelos Ministérios Públicos Federal (MPF) e estadual (MPMG) e pela Defensoria Pública mineira. O documento define as obrigações da empresa para fazer a reparação socioeconômica e socioambiental da tragédia.

O ministro de Minas e Energia também aproveitou a coletiva de hoje para externar críticas à mineradora e disse que, nas conversas específicas que teve com Lula sobre a empresa, o presidente limitou-se a cobrar que sejam efetivadas as reparações de Mariana e Brumadinho.

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Silveira disse que tem “críticas conhecidas e contundentes à gestão da Vale” e que a empresa precisa melhorar sua gestão e sua interlocução com o governo e com a sociedade. O político afirmou ainda que, em conversas com dirigentes e conselheiros da empresa, tem cobrado o compartilhamento da sua logística com outras mineradoras, o que reduziria o número de carretas nas estradas e poderia dar vida mais longa à malha viária.

De Brumadinho a Mariana
Lula citou não só a tragédia em Brumadinho em sua declaração, mas também o desastre ambiental em Mariana (MG) — que também envolve a Vale. “É necessário o amparo às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para não termos novas tragédias como Brumadinho e Mariana”.

O desastre em Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015, com o rompimento da barragem de Fundão, e também envolve a Vale porque a Samarco é uma joint venture da mineradora brasileira com a anglo-australiana BHP Billiton. O rompimento matou 19 pessoas, destruiu os distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, deixou milhares de desalojados e causou um impacto ambiental jamais visto no país.

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O mar de lama que desceu da barragem atingiu 39 municípios em 2 estados (Minas Gerais e Espírito Santo) e depositou rejeitos de minério por 650 km do Rio Doce, até a sua foz no Oceano Atlântico. Também ontem, a Justiça Federal mineira condenou a Samarco, a Vale e a BHP a pagarem R$ 47,6 bilhões pela tragédia.

(Com Reuters)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.