Os 3 primeiros sinais do governo sobre a política fiscal em 2024 (e o que esperar)

Apesar de manter meta de déficit zero, documento mostrou revisão em projeções para receitas e despesas e indicou necessidade de bloqueio de R$ 2,9 bilhões no Orçamento

Marcos Mortari

Simone Tebet e Fernando Haddad (Diogo Zacarias / MF)

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O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) referente ao primeiro bimestre de 2024, divulgado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento e pelo Ministério da Fazenda na última sexta-feira (25), deu importantes sinalizações sobre os rumos da política fiscal do governo no ano e a viabilidade do cumprimento das metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Apesar de manter, por ora, o objetivo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de zerar o déficit primário em 2024, o documento mostrou uma revisão nas projeções para receitas e despesas, indicando a necessidade de bloqueio de R$ 2,9 bilhões em despesas orçamentárias para respeitar o limite de gastos determinado pelo arcabouço fiscal. Além disso, foi apresentada uma nova estimativa para o resultado primário do governo central: déficit de R$ 9,3 bilhões (ou 0,1% do PIB), ante projeção inicial de superávit de R$ 9,1 bilhões, conforme a peça orçamentária. O novo número, contudo, está dentro da margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB (ou R$ 28,8 bilhões) para o cumprimento da meta, autorizada pelo marco fiscal.

O relatório, porém, não foi capaz de dissipar o ceticismo do mercado financeiro quanto às projeções feitas pela equipe econômica para o comportamento de receitas e despesas ao longo do ano e sua capacidade do governo federal de entregar o tão almejado equilíbrio das contas públicas.

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Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o recado geral do documento é que os números estão “mais realistas”. Mas ele sustenta que, ao longo do ano, a combinação de bloqueio e contingenciamento orçamentário precisará convergir para um corte de gastos mais robusto, já que, na sua avaliação, as despesas com previdência social seguem subestimados em cerca de R$ 20 bilhões e ainda haveria um excesso de otimismo com o comportamento das receitas.

Visão semelhante teve a equipe de análise econômica do Bradesco, que diz que, mesmo com o ajuste promovido na linha de gastos com benefícios previdenciários, suas estimativas são de um rombo “bastante superior”. A casa projeta um déficit primário de 0,7% do PIB no ano, mas reconhece que “os dados de arrecadação de janeiro e fevereiro colocam um viés de melhora” no cenário.

Na avaliação de Tiago Sbardelotto, economista da XP, o primeiro relatório bimestral do ano trouxe “informações mistas”. “A revisão nas receitas como concessões e imposto de renda/CSLL refletiu premissas mais realistas sobre os efeitos das medidas de aumento de receita, especialmente em relação aos ganhos com a revisão das concessões ferroviárias e a mudança nos subsídios sobre ICMS e juros sobre capital próprio (JCP)”, diz.

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“No entanto, ainda observamos premissas otimistas sobre: 1) a revogação da isenção de impostos para o setor de eventos (Perse) e os cortes de impostos sobre a previdência social para os municípios, cujos efeitos foram incluídos no relatório, mas têm forte oposição política; 2) as estimativas para o CARF e transações tributárias (R$ 97,5 bilhões), que não apresentaram efeitos até fevereiro; 3) os ganhos na revisão das concessões ferroviárias, ainda longe das expectativas do mercado. Com relação aos gastos, notamos que os benefícios previdenciários e de assistência social (BPC/LOAS) continuam subestimados em cerca de R$ 20 bilhões, de acordo com nossas estimativas”, continua.

A XP mantém a projeção de um déficit de R$ 74,5 bilhões (0,6% do PIB) no ano. A casa acredita que o governo federal apresentará novas medidas para aumentar a receita no próximo relatório bimestral, para manter o déficit abaixo de R$ 13 bilhões − o que permitirá um novo aumento de gastos de R$ 15,7 bilhões. Com o novo espaço adicional, será possível acomodar despesas previdenciárias subestimadas e reduzir a necessidade de bloqueios adicionais ao Orçamento − além de empurrar para o segundo semestre a provável discussão sobre revisão da meta de déficit zero.

Veja os 3 principais sinais trazidos pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre:

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1. Novas projeções para receitas

As estimativas para a receita primária total recuaram R$ 31,457 bilhões (de R$ 2,720 bilhões previstos na LOA para R$ 2,688 bilhões no primeiro RARDP), sendo R$ 17,746 bilhões das administradas pela Receita Federal (exceto RGPS e líquida de incentivos fiscais) e R$ 22,276 bilhões das não administradas.

No primeiro grupo campo, os principais destaques foram a redução do Imposto de Renda (R$ 37,474 bilhões) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (R$ 10,322 bilhões), ambas afetadas por novas estimativas para os efeitos das as alterações promovidas no regramento das subvenções para investimento e dedutibilidade dos Juros Remuneratórios sobre o Capital Próprio (JCP).

Por outro lado, houve um aumento nas projeções para a contribuição para o PIS/PASEP (R$ 6,193 bilhões), a Cofins (R$ 3,436 bilhões) − ambos afetados pela restrição do governo às compensações de créditos tributários, assunto ainda em discussão no Congresso Nacional −, o Imposto de Importação (R$ 3,343 bilhões), afetado pela elevação de alíquotas médias, e o IPI (R$ R$ 3,178 bilhões). Além da arrecadação líquida para o Regime Geral de Previdência Social (R$ R$ 8,564 bilhões). Todos afetados por mudanças nos parâmetros macroeconômicos do Ministério da Fazenda (incremento do PIB, queda de inflação e juros e aumento da massa salarial) e em resultados de arrecadação acima do previsto até o momento.

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Já do lado das receitas não-administradas pela RFB, a redução foi resultado de revisões nas projeções para arrecadação com Exploração de Recursos Naturais (R$ 14,488 bilhões), em razão das expectativas para a taxa de câmbio (de 5,08 R$/US$ para 4,92 R$/US$) e o preço do barril do petróleo (de US$ 83,51 para US$ 82,49), e com concessões e permissões (R$ 12,803 bilhões), afetadas pelas receitas de renegociação de contratos do setor ferroviário − por conta de possível reprogramação do cronograma de pagamentos ao longo de 2024 e 2025. Do lado positivo, destaque para a elevação da receita de dividendos e participações (R$ 2,234 bilhões), da Contribuição do Salário Educação (R$ 1,816 bilhão), e das Receita Próprias e de Convênios (R$ 1,235 bilhão).

2. Novas projeções para despesas

Já as projeções das despesas primárias apresentaram um aumento de R$ 1,602 bilhões em relação aos valores contidos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. O movimento ocorreu mesmo com a retirada de apoio financeiro a Estados e Municípios da conta (R$ 8,139 bilhões), provenientes da perda de arrecadação do ICMS com leis complementares aprovadas na gestão anterior, que foi antecipado em 2023.

De acordo com o relatório, os principais aumentos de projeções de despesas foram com sentenças judiciais e precatórios (R$ 7,814 bilhões), benefícios previdenciários (R$ 5,567 bilhões) − justificado pelo fato de a projeção inicial da LOA não ter considerado a execução completa de 2023 e pelas estimativas de gastos do governo terem sido revistas para baixo pelo Congresso Nacional, além de uma aceleração da concessão de benefícios para redução da fila de requerimentos −, créditos extraordinários (R$ 4,103 bilhões), despesas com Fies (R$ 2,631 bilhões) e abono e seguro desemprego (R$ 1,608 bilhões).

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No sentido oposto, além da antecipação da ajuda aos entes subnacionais, também ganham destaque as reduções de despesas com pessoal e encargos sociais (R$ 4,600 bilhões) e subsídios, subvenções e Proagro (R$ 1,839 bilhão).

3. Arrecadação com novas medidas

Outro destaque do relatório bimestral foi a apresentação de uma revisão (para cima) dos efeitos gerais esperados com medidas arrecadatórias pelo governo. A lei orçamentária anual previa receita adicional de R$ 167,599 bilhões com as medidas, enquanto o documento fala em R$ 168,330 bilhões no acumulado de 12 meses.

Algumas das ações já foram aprovadas pelo Congresso Nacional − como a retomada do voto de qualidade a favor da União no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) ou a mudança nas regras para subvenções de ICMS. Ambos os casos têm despertado ceticismo no mercado financeiro, com economistas indicando não ter visto impactos significativos das medidas sobre a arrecadação federal nos dois primeiros meses do ano. Para o primeiro, a estimativa do governo caiu de R$ 35,348 bilhões para R$ 25,862 bilhões. Já para o segundo, foi de R$ 54,714 bilhões para R$ 55,647 bilhões.

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O caso em que os efeitos regulatórios mais foram sentidos nas contas públicas até o momento envolve a lei que alterou as regras para aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior (“offshores”) e que instituiu o chamado “come-cotas” sobre fundos exclusivos. No primeiro caso, o governo estima arrecadar R$ 5,639 bilhões (ante R$ 7,049 bilhões projetados na LOA). Já no segundo, foi mantida a projeção de R$ 13,280 bilhões.

Outras medidas indicadas no relatório ainda dependem do aval dos parlamentares, como o caso da limitação para compensações de créditos tributários − o que adiciona um ingrediente de incerteza relevante sobre os cálculos. O governo espera arrecadar R$ 24 bilhões apenas com essa medida, que não foi estimada na LOA.

As novas estimativas seguem muito mais otimistas do que as de agentes do mercado financeiro, que, apesar de verem maior realismo nas contas do governo, mantêm a aposta em um déficit superior a 0,5% do PIB em 2024 e a expectativa de que a meta fiscal seja revista ao longo da execução orçamentária.

Além disso, economistas ressaltam o caráter não recorrente de boa parte das apostas do governo para atingir a meta deste ano (como a tributação do estoque de fundos fechados ou receitas advindas de concessões e permissões) − o que pode comprometer a sustentabilidade do equilíbrio fiscal nos exercícios subsequentes, caso novos caminhos não sejam apresentados.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.