Processo contra Binance pode ser motivado por “briga” entre reguladores nos EUA, avaliam especialistas

Analistas se dividem sobre impacto nos preços das criptomoedas, e alguns pontuam que ação contra corretora pode ter origem em disputa entr CFTC e SEC

Bloomberg

(Gabby Jones/Bloomberg)

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Para muitos veteranos do mundo dos ativos digitais, o processo ingressado pela Commodity Futures Trading Commission (CFTC) contra a Binance por supostamente quebrar as regras de derivativos não gera temores para quem acompanha de perto o mercado cripto.

Preços de criptomoedas inicialmente caíram depois que a CFTC entrou com a ação nesta segunda-feira (27) em um tribunal federal em Chicago, mas estabilizaram momentos depois e, em alguns casos, até reduziram as perdas. Muitos defensores das criptomoedas veem a ação da agência dos EUA como apenas o mais recente ataque ao setor por parte dos reguladores globais.

Para Mati Greenspan, fundador e CEO da Quantum Economics, a queda de preço foi “uma reação automática à notícia”. Ele acrescentou que o recuo não é tão surpreendente, dado o quanto o preço das criptos subiram acima da média de 50 dias.

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“Os EUA estão se comportando pior em relação a cripto do que a China. Pelo menos a China é direta o suficiente para permitir que seus cidadãos e empresários saibam o que é permitido e o que não é”, disse Greenspan. “Os americanos precisam constantemente adivinhar para onde as traves móveis estão indo.”

Stephane Ouellette, executivo-chefe da FRNT Financial Inc, também não vê “implicações reais para as criptomoedas”. Ele disse que até mesmo já se sabia que a Binance estava sendo investigada.

“Apesar deste anúncio continuar a narrativa sobre os reguladores dos EUA serem antagônicos às criptomoedas, assumindo que os negócios da Binance não eram secretamente altamente dependentes dos clientes de varejo dos EUA (há poucas evidências publicamente disponíveis para sugerir que era), isso sem dúvida tem um impacto limitado sobre o modelo de negócios da empresa”, afirmou Ouellette à Bloomberg.

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A avaliação de Matt Maley, estrategista-chefe de mercado da Miller Tabak + Co, é similar.

“Não há dúvida de que isso pode ter um grande impacto nos mercados de criptomoedas eventualmente. No entanto, esse tipo de batalha pode durar muito tempo, então seu impacto imediato não deve ser muito forte. Basta olhar para o movimento de hoje no Bitcoin. Sim, caiu 3%, mas dado que subiu mais de 40% em apenas duas semanas, a queda de hoje não é realmente muito grande”, disse.

“Meu ponto é que o Bitcoin subiu 40% em apenas duas semanas, então ficou sobrecomprado no curto prazo. Esse nível é vulnerável a uma retração de qualquer maneira. Então, o fato de ter caído apenas 3% depois de um rali tão grande mostra que vai demorar um pouco até sabermos as reais implicações desse processo”, ponderou.

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Uma das poucas vozes distoantes, Sylvia Jablonski, diretora de investimentos da Defiance ETFs, considera que a última coisa que as criptomoedas precisam nesse momento é de uma nova turbulência após o colapso da FTX, que para todos parecia ter uma operação limpa.

“Eventos como este levam os investidores a perder o apetite pelo risco e ficar às margens. No passado, isso poderia ter sido um momento de esperar e ver quanto Bitcoin cairia ou não, mas entre a recente corrida a bancos como SVB, Silver Gate e fraudes cripto e explosões como a da FTX, os investidores provavelmente terão mais desconfiança no setor, que no curto prazo reduz ainda mais o preço do BTC.”

Criptos como commodities

A abertura do processo também não é surpresa na visão de Jeffrey Blockinger, consultor jurídico da exchange descentralizada Vertex Protocol. Para ele, o aspecto mais surpreendente nada tem a ver com a Binance ou com o Bitcoin.

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“Este processo ocorre após uma série de ações contra bolsas que foram movidas nas últimas semanas pelos reguladores dos EUA, então não é uma grande surpresa. O aspecto mais interessante é a caracterização da CFTC de ETH e LTC como commodities, uma visão da qual a SEC parece discordar publicamente”, explicou.

Yankun Guo, sócio do escritório de advocacia Ice Miller, de Chicago, destaca o mesmo ponto.

“Vale ressaltar que este caso é contra entidades não americanas da Binance, o que mostra o alcance extraterritorial das agências americanas. Ainda mais fascinante, porém, é que eles rotularam BTC, ETH, LTC e pelo menos duas stablecoins lastreadas em dinheiro, Tether (USDT) e Binance USD (BUSD) e outras moedas virtuais como “commodities”, o que vai contra a visão da SEC e mostra a confusão causada pela falta de regulamentos claros nos EUA”, apontou.

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CFTC x SEC

Blockinger, da Vertex Protocol, defende que a medida pode na verdade ser consequência de uma briga de bastidor que ocorre nos EUA pela busca de protagonismo na supervisão do setor cripto – a CFTC de um lado, e a Comissão de Valores Mobiliários (SEC), do outro.

“Parece que esse processo pode indiretamente ser outro capítulo na competição regulatória entre a SEC e a CFTC – e aumenta ainda mais a nuvem de incerteza que atualmente paira sobre a indústria nos EUA. Caso contrário, o resto do caso é bastante padrão além de seu escopo.”

Nesse sentido, a batalha entre os reguladores pode se acirrar, atingindo ainda mais empresas cripto como efeito colareral.

“Isso mostra que a natureza multifacetada de como os tokens funcionam e como eles são usados pode fazer com que caiam sob a jurisdição de várias agências; mas isso também é um problema se a mesma empresa/exchange for processada por várias agências pelos mesmos tokens. Eu não ficaria surpreso em ver um processo semelhante da SEC nomeando todos os mesmos tokens, exceto o BTC, como valores mobiliários”, disse o advogado Yankun Guo.

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