Mensagens internas da Binance apontam tolerância com terroristas, mostra processo sobre ofertas irregulares

Supostas conversas obtidas por regulador mostram que exchange orientou clientes a criar novas contas para apagar rastros de crimes

Paulo Barros

(Vadim Artyukhin/Unsplash)

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A agência reguladora norte-americana Commodity and Futures Trade Commission (CFTC) processou a Binance nesta segunda-feira (27) pela suposta infração das leis que regem as negociações de derivativos.

No entanto, trechos do processo, que é de acesso público, mostram que as acusações contra a maior exchange de criptomoedas do mundo vão além da seara regulatória — algumas envolvem, por exemplo, possível lavagem de dinheiro e fuga de sanções internacionais.

Segundo supostas trocas de mensagens internas da Binance obtidas pela CFTC e anexadas ao processo, o diretor de compliance da corretora até janeiro de 2022, Samuel Lim, teria conhecimento sobre atividades ilegais conduzidas por clientes da empresa — entre eles, estariam pessoas ligadas, por exemplo, ao grupo extremista Hamas.

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Em fevereiro de 2019, afirma a CFTC no processo, Lim explicou a um colega que terroristas costumam enviar “pequenas quantias” para a corretora, pois “grandes quantias constituem lavagem de dinheiro”. O assunto seria relativo a transações do Hamas.

Em resposta, o colega de Lim teria respondido: “mal dá para comprar uma AK47 com 600 dólares”.

Em fevereiro de 2020, Lim teria dito a outro interlocutor sobre clientes suspeitos da Binance.  “Cara, por favor. Eles estão aqui pelo crime”, ao que emendou: “vemos os maus, mas fechamos os olhos.”

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Meses depois, em julho daquele ano, afirma o processo, um funcionário da Binance teria enviado uma mensagem para Lim perguntando se um cliente cujas transações recentes eram “intimamente associadas a atividades ilegais” e com “mais de 5 milhões de dólares originadas indiretamente de serviços questionáveis” deveria ser removido da plataforma ou se seria um dos casos em que deveriam “recomendar o usuário a abrir uma nova conta”.

Lim teria respondido: “Pode avisar para ele ter cuidado com o fluxo de fundos dele, especialmente vindos de darknets como a Hydra”. A Hydra é o maior mercado ilegal da deep web. “Ele pode voltar com uma conta nova, mas a atual deve ser removida, está contaminada”.

“A instrução de Lim para permitir que um cliente ‘estreitamente associado a atividades ilícitas’ para abrir uma nova conta e continuar negociando na plataforma é consistente com a estratégia de negócios de Zhao, que é conta a remoção de clientes mesmo que apresentem risco regulatório”, aponta a CFTC.

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O regulador também reforça que, em outro diálogo, de setembro de 2020, Lim teria explicando aos funcionários da Binance que a empresa não precisaria ser rigorosa, porque a remoção de clientes era mal vista pelo CEO Changpeng Zhao.

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Segundo a agência reguladora de derivativos, mensagens internas da Binance também revelaram que a empresa tinha forte preocupação em não deixar transparecer externamente sua permissividade com clientes suspeitos de práticas criminosas.

Em junho de 2019, o CEO Changpeng Zhao teria revelado, em uma reunião com gerentes, uma estratégia de comunicação após reguladores americanos pressionarem para a empresa parar de captar clientes no país.

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“A mensagem que acho que desenvolveria à medida que avançamos é, em vez de dizer que estamos bloqueando os EUA, é que estamos nos preparando para lançar a Binance US. Portanto, nunca admitiríamos publicamente ou em qualquer lugar em particular que atendemos clientes dos EUA, porque não o fazemos”, disse Zhao, segundo o processo.

Apesar disso, em reunião no mesmo mês, o próprio Zhao teria afirmado que “20% a 30% do nosso tráfego vem dos EUA”. Em um relatório posterior, a empresa também teria admitido que 22% da receita vinha de clientes dos EUA.

Em comunicado divulgado na tarde desta segunda-feira (27), a Binance afirmou que a ação ingressada pela CFTC é “inesperada e decepcionante”, mas não confrontou nenhuma das acusações feitas pelo regulador.

Paulo Barros

Editor de Investimentos