Marco legal das criptomoedas entra em vigor no Brasil – o que muda na prática para o investidor?

Com BC definido tardiamente como regulador, lei das criptomoedas entra em vigor com efeito limitado; saiba o que muda agora e o que fica para depois

Paulo Barros

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Um projeto de lei gestado desde 2015 virou o marco legal das criptomoedas no final de 2022 e, em 20 de junho, finalmente entra em vigor no Brasil. A legislação visa criar um regime de licenças para corretoras de criptoativos, além de estabelecer penas mais duras para quem pratica crimes ligados aos ativos digitais. Na prática, porém, nem tudo o que foi previsto pela legislação começa a valer desde já.

Após longa espera, o Banco Central foi designado apenas nesta quarta-feira (14) como o regulador do setor, em uma dobradinha com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fica a cargo dos ativos considerados valores mobiliários.

“CVM e BC são dois reguladores que estão muito atentos às evoluções e oportunidades que o mundo cripto tem apresentado. Dois belos exemplos são o Sandbox e o Lift, dois projetos desse reguladores cuja proposta é se aproximar dos players do mercado”, avalia Nicole Dyskant, advogada especialista em regulação e compliance para ativos digitais.

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A especialista ressalta que BC e CVM devem atuar de maneira firme em casos de atitudes irresponsáveis e que exponham os investidores brasileiros, mas acredita que a postura por aqui deverá ser diferente daquela vista nos EUA, onde CFTC (que supervisiona derivativos) e SEC (responsável pelos títulos) travam batalha aberta contra o setor cripto.

Mas, como os reguladores foram designados dias antes da lei começar a valer, as empresas do ramo seguem sem saber as regras específicas que irão nortear os negócios no País – e não devem sair do escuro tão cedo. Com isso, o marco legal entra em vigor “capenga”, com especialistas tendo avaliações mistas sobre a relevância de alguns de seus efeitos práticos imediatos.

O que muda agora com o marco legal cripto

Os efeitos iniciais da nova lei têm impacto principalmente no mundo jurídico, mas também devem se refletir no usuário final, especialmente aqueles vítimas de golpes relacionados a criptomoedas.

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Passa a existir o conceito de ativo virtual e de prestadora de serviços de ativos virtuais (as conhecidas exchanges), além de crimes tipificados e específicos relacionados à utilização de ativos virtuais.

“Espera-se que não apenas os casos de pirâmides, mas todas atividades fraudulentas que envolvam criptos sejam menos usuais quando se cria uma norma específica para punir tal atividade criminosa”, aponta Mirella Andreola, sócia das áreas de societário, contratos e inovação do escritório Machado Associados.

O principal efeito imediato da nova lei é relacionado, portanto, às mudanças no Código Penal, que ganha o novo crime de estelionato especializado em ativos virtuais, com pena entre 4 e 8 anos e multa.

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“Chama atenção a elevada pena cominada ao delito, que impede a realização de acordos no âmbito criminal e, na prática, pode acarretar em eventual prisão”, avalia o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar.

Para o advogado, outra alteração importante está ligada ao delito de lavagem de dinheiro, que passa a ter pena maior no caso da operação de lavagem por intermédio de ativos virtuais.

Já a as prestadoras de serviços de ativos virtuais foram incluídas no rol das pessoas obrigadas a identificar clientes e manter registros, com a finalidade de auxiliar nas medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, além de terem sido equiparadas a instituição financeira na “Lei do Colarinho Branco”.

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“Na prática, isso significa que os administradores de referidas empresas poderão ser responsabilizados por crimes contra o sistema financeiro nacional, tais como: gestão fraudulenta ou temerária”, conta Avelar.

O que ainda fica como antes

Eduardo Bruzzi, sócio da área de payments, banking, fintech e cripto do BBL Advogados, alerta para a falta de aplicabilidade da nova lei na ausência de normas específicas, “tais como a definição das autoridades responsáveis pela regulação e supervisão do mercado; os critérios para autorização de provedores de serviços de ativos virtuais; e parâmetros mínimos de conformidade operacional”.

Isso porque as licenças previstas para companhias que atuam com criptoativos, como exchanges e intermediárias de negociação, precisam de regramento próprio que também não foi incluído no texto legal. Tudo indica, portanto, que o novo regime de permissões para exchanges ainda deverá demorar.

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Diante da demora, brasileiros não ganham novas armas para acionar corretoras de criptos na Justiça. Para o advogado Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper, empresas atuando no setor não sofrerão nenhum tipo de sanção imediata decorrente da nova lei, pois o Banco Central, foi confirmado como supervisor tardiamente.

O BC também precisará de tempo para estabelecer as exigências para concessão das autorizações, incluindo realização de consulta pública, colhendo manifestações de todos os agentes de mercado.

Nesse ritmo, diz, a primeira minuta das regras para exchanges pode ainda levar de seis meses a um ano. Já a primeira corretora regulada, com aval do BC, poderá demorar dois anos para surgir.

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Até os efeitos reais das alterações no Código Penal esbarram na falta de regulador, limitando, por exemplo, as obrigações de combate à lavagem de dinheiro. Segundo Costa, os dispositivos que impõem a manutenção de registros de transações às empresas devem ser ineficazes, porque alguns detalhes, como os limites a serem considerados, ainda não foram definidos.

Há ainda quem aponte poucas consequências para o enfrentamento das pirâmides de criptomoedas, que passarão a ser investigadas por uma nova CPI instalada na Câmara dos Deputados.

“A criação de crimes não diminuirá os casos de pirâmides financeiras porque o Direito Penal, ao contrário do que se pensa, não é eficiente para resolver problemas sociais”, aponta Antonio Pedro Melchior, criminalista socio-fundador do Melchior Advogados.

O profissional destaca que a pena maior é desproporcional, superando às aplicadas para crimes como infanticídio e a lesão corporal grave, e não impede a responsabilização de pessoas por fraudes.

Na sua opinião, o maior potencial para diminuir os casos de pirâmides vem da equiparação das exchanges às instituições financeiras – algo que, de novo, não tem validade até que o regime de licenças seja criado.

Paulo Barros

Editor de Investimentos