Airbnb passa a se concentrar em estadias de longo prazo, mas precisa enfrentar desafios além da crise

Futuro da empresa não depende somente das suas respostas para mitigar os impactos do coronavírus

Pablo Santana

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SÃO PAULO – Severamente afetado pela pandemia de coronavírus, o Airbnb, startup de estadias e atividades turísticas, desistiu de parte dos seus planos para este ano e realiza modificações em seus negócios para enfrentar a crise.

Dados do site de aluguel de férias AirDNA mostram os efeitos da pandemia de coronavírus no setor de turismo, que registrou redução no número de novas reservas em todo mundo, tendo um impacto mais considerável — na comparação entre fevereiro e março (início das medidas restritivas de circulação) — no Chile (66%), Brasil (54%), Equador (44%) e China (41%).

Diante do cenário, a startup de São Francisco está investindo pesado no mercado de alugueis de longo prazo. Apesar de não ser um negócio novo para a companhia, que oferece acomodações desse tipo há anos, o CEO Brian Chesky vê esse mercado como distinto do de viagens, além de ser uma alternativa para a empresa se recuperar da crise do coronavírus.

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“Acho que uma coisa que você verá é que uma grande porcentagem do negócio de acomodações daqui para frente não se limitará às viagens”, disse Chesky em uma entrevista para o programa The Long View  do site especializado em viagens Skift.

As visões do CEO da companhia para o futuro são que as pessoas passem a viajar mais a lazer e menos a trabalho. Em uma entrevista recente ao site de negócios Business Insider, Chesky disse acreditar que após a pandemia pode haver um aumento no número de nômades digitais (pessoas que optam por trabalhar remotamente enquanto viajam para diferentes países) e que a empresa de hospedagem estará pronta para acomodar essas necessidades.

“Muitas pessoas estão percebendo que não precisam estar conectadas a uma cidade. Então, você verá mais pessoas que escolherão viver em todo o mundo, passando alguns meses em lugares diferentes”, disse o executivo.

Mas, para transformar essa modalidade numa parte importante e lucrativa de seus negócios após a crise, o Airbnb possui diversos desafios pela frente, desde diminuir seus prejuízos recorrentes e convencer seus anfitriões a oferecer locações maiores — além de continuar atendendo às demandas por estadias de curto prazo, setor que ainda representa a maior parte do mercado.

Enfrentando a crise

Muito além de sair da crise com os negócios minimamente afetados, 2020 deveria ser um divisor de águas para o Airbnb por outros motivos. Criada há 12 anos, a empresa anunciou em setembro do ano passado seus planos de realizar um IPO (oferta pública de ações) entre março e abril deste ano, que foram frustrados pela pandemia de coronavírus.

Brian Chesky diz que os negócios da empresa se recuperarão após a pandemia de coronavírus, já que não é a primeira crise que a empresa enfrenta, mas a sua situação financeira já era delicada muito antes do novo coronavírus.

Segundo reportagem do Wall Street Journal, a companhia registrou um prejuízo de US$ 674 milhões em 2019, apesar da receita ter crescido 32%, para US$ 4,8 bilhões, no mesmo período. O jornal americano também indicou aumento nos custos de desenvolvimento de produtos, de operações e suporte e nas despesas administrativas, que cresceram 113% entre 2017 e 2018.

Também no último ano, o Airbnb gastou cerca de US$ 150 milhões na melhoria da segurança de sua plataforma, após a descoberta de centenas de anúncios de fraudes e episódios envolvendo roubo e outros crimes entre usuários da plataforma.

A queda nos resultados do Airbnb, mesmo antes da pandemia, levanta questões sobre o desenvolvimento e gerência dos seus negócios.

Somente no último mês, a empresa levantou US$ 2 bilhões em financiamentos para recuperar o fôlego diante do cenário. A primeira rodada de investimentos no valor de 1 bilhão de dólares em dívidas e patrimônio foi liderada pela Silver Lake e Sixth Street Partners.

O acordo fará a empresa pagar 10% de juros com acréscimo de uma taxa de referência chamada LIBOR (Taxa Interbancária de Londres), que atingirá mais de US$ 100 milhões por ano e tem prioridade sobre os ativos da companhia em caso de inadimplência. Na segunda infusão de capital, o Airbnb pagará juros de 7,5% mais a LIBOR no empréstimo de cinco anos, que não envolverá ações ou bônus de subscrição.

“Todas as ações que tomamos nas últimas semanas garantem que o Airbnb emergirá da tempestade da pandemia ainda mais forte, independentemente de quanto tempo a tempestade durar”, disse Chesky em comunicado.

Durante as transações, a startup foi avaliada em US$ 18 bilhões, uma queda de quase 50% desde a última avaliação privada do Airbnb de US$ 31 bilhões em 2017, de acordo com o PitchBook. O valor também é 30% inferior ao aferido na última avaliação interna feita pela companhia no final de março de US$ 26 bilhões.

O dinheiro ajudará a manter as reservas de caixa da companhia sustentável e nos projetos de expansão e apoio a sua comunidade durante a crise. Para ajudar os anfitriões, a empresa anunciou a criação de um fundo de US$ 250 milhões destinados a cobrir 25% da receita perdida devido a reservas canceladas como resultado da pandemia.

Um outro fundo ajudará os ‘Superhosts‘ — anfitriões mais experientes e bem avaliados da plataforma — a pagar seu aluguel ou hipoteca. O Superhost Relief Funde recebeu 15 milhões de dólares, sendo que US$ 5 milhões veio dos aportes feitos em abril.

Demissões em massa e queda de receita

Assim como várias outras empresas que demonstravam ser promissoras em um passado não muito recente, mas viu seus negócios afundarem junto com os bloqueios e a paralisação de diversas atividades econômicas para conter a Covid-19, o Airbnb precisou realizar cortes em sua estrutura organizacional.

A empresa anunciou a demissão de cerca de 1.900 funcionários em todo o mundo – o equivalente a 25% da sua força de trabalho.

Para quem sai do Airbnb, sinto muito! Por favor, saiba que isso não é sua culpa, escreveu Chesky na carta.

Além da pandemia, a empresa justificou os cortes com a nova estratégia de negócios, que irá diminuir os esforços em áreas como transportes e entretenimento e se concentrar nos aluguéis.

Os funcionários demitidos receberão 14 semanas de salário mais uma semana adicional por cada ano em que estiverem na empresa, tendo esse valor ajustado com base nas leis trabalhistas locais. A empresa também garantiu o seguro saúde até o fim de 2020 e, nos Estados Unidos e Canadá, o benefício será mantido por mais 12 meses.

O Airbnb também está permitindo que todos os funcionários contratados no ano passado se tornem acionistas, eliminando um requisito anterior de posse de um ano antes que pudessem receber participação na empresa.

No anúncio das demissões, o CEO, Brian Chesky ainda anunciou que a receita do Airbnb deve cair mais da metade em relação ao desempenho de 2019, quando ela faturou US$ 4,8 bilhões.

“Estamos vivendo coletivamente a crise mais angustiante de nossa vida e, quando começou a se desenrolar, as viagens globais pararam. Os negócios da Airbnb foram duramente atingidos, com receita prevista para este ano como sendo menos da metade do que ganhamos em 2019. Em resposta, levantamos US$ 2 bilhões em capital e cortamos drasticamente os custos que atingiram quase todos os cantos do Airbnb.

As estadias de longo prazo têm sido positivas durante a crise

Em decorrência das medidas para impedir a disseminação do coronavírus, como o distanciamento social e o fechamento de fronteiras, alguns usuários recorreram a plataforma para encontrar lugares mais distantes dos centros urbanos para enfrentar a pandemia.

Profissionais de saúde na linha de frente do combate ao novo coronavírus também usaram a plataforma para se isolar da família e não correr riscos de contaminá-los. A empresa anunciou, em março, um programa que disponibilizou 100 mil estadias em 160 países, sem cobrança de taxas de serviço nas reservas.

Nesse novo cenário, as locações de 30 dias ou mais – que representavam 15% dos negócios do Airbnb antes da pandemia -, hoje equivalem a quase metade de suas reservas.

A companhia vem aprimorando seu serviço para tornar mais fácil para os anfitriões oferecer quartos, apartamentos e casas para temporadas prolongadas – e para os clientes encontrarem esses tipos de acomodações. Há algumas semanas foi acionado um recurso na caixa de pesquisa na página inicial do Airbnb, permitindo que os clientes especifiquem que estão procurando lugares para ficar por um mês ou mais.

Quando o Airbnb anunciou no último mês que havia levantado US$ 1 bilhão em financiamento da Silver Lake e da Sixth Street Partners, as estadias de longo prazo foi uma das três principais áreas de atenção  que a empresa destinaria os recursos de olho nas mudanças sociais causadas pela pandemia e na adoção da economia compartilhada.

“Desde estudantes que precisam de moradia durante a escola, até pessoas em tarefas de trabalho prolongadas, o Airbnb é um local onde muitos encontraram moradia de longo prazo. No futuro, os sonhos de morar em outra comunidade se tornarão uma realidade crescente”, afirmou o comunicado.

Em nota enviada aos anfitriões logo depois do anúncio, a empresa comparou a oportunidade que viu no nos alugueis de estadias prolongadas com a que conseguiu explorar no curto prazo afirmando que o mercado está pronto para mudanças. “O mercado de estadias de longo prazo está maduro para uma reforma. Acreditamos que o Airbnb pode mudar isso e proporcionar as pessoas uma melhor experiência com opções que parecem mais sua casa”, disse a startup em documento.

A empresa já vem realizando algumas incursões no mercado, o que deixa alguns analistas otimistas com o potencial da empresa nesse segmento depois do fim da pandemia. Em uma aquisição que chamou de “parte da construção de uma plataforma de viagens de ponta a ponta”, o Airbnb, comprou o serviço de reservas de hotéis HotelTonight em março do ano passado. Meses depois foi a vez de adquirir a Urbandoor, uma startup que oferece apartamentos mobiliados para estadias prolongadas e realocações.

As aquisições contribuem para a formação de um ecossistema que pode oferecer futuramente acomodações que variam de um quarto de hotel simples para uma noite e uma casa de férias por toda temporada em apenas uma plataforma.

Esse novo foco é “uma reação tática e boa para esse ambiente incomum em que nos encontramos”, disse Harteveldt, da Atmosphere Research, que ressaltou ser uma decisão muito inteligente a longo prazo.

Futuro incerto

Outro desafio da empresa é fazer mais incursões com clientes corporativos. Muitas multinacionais e companhias locais possuem parcerias com hotéis para estadias prolongadas, com alojamentos  frequentemente padronizados, programas de cuidados estabelecidos e capacidade de hospedar vários funcionários de uma só vez.

Para proteger seus funcionários e proteger-se da responsabilidade, as empresas geralmente estabelecem certos padrões de viagem, conhecidos na indústria como duty of care ou dever de cuidado. No que diz respeito às acomodações, esses padrões podem incidir preocupações em torno da proteção de dados, limpeza das propriedades e protocolos de evacuação ou deslocamento.

A companhia trabalha com alguns fornecedores de viagens corporativas que oferecem garantias de dever de assistência, porém a utilização do Airbnb for Work ainda não é uma realidade para a maioria das empresas.

“Uma das coisas que tem impedido os Airbnbs do mundo é que eles simplesmente não conseguem fornecer esse senso de dever de cuidado”, disse Kimberly Veazey, fundadora e chefe de desenvolvimento de negócios da AvenueWest ao Business Insider.

Ainda assim, muitos analistas veem a nova ênfase da empresa em estadias prolongadas como mais uma reação de curto prazo à crise do coronavírus do que o próximo passo em um plano estratégico de crescimento.

Outros desafios precisam ser superados, entre eles, o pouco controle direto que a companhia tem sobre os tipos de acomodações que oferece aos hóspedes, o tempo que os viajantes podem reservar e o preço cobrado por essas reservas. Parte dessas decisões são de responsabilidade dos anfitriões que usam seu site.

Pelo momento, muitos estão oferecendo locações maiores porque a demanda por turismo está em baixa, mas a empresa não possui nenhuma garantia que esse cenário permanecerá o mesmo com o fim da pandemia.

Apesar do trabalho menor com manutenção das propriedades, o custo de oportunidade com a rotatividade de aluguéis diários em relação aos de longo prazo pode fazer com que alguns proprietários achem que poderiam ganhar mais dinheiro voltando a esse negócio. Eles também podem decidir que o alto padrão de limpeza que precisariam manter para atrair aluguéis de longo prazo de clientes corporativos não vale o custo.

Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios