Financiamentos imobiliários têm maior alta semestral em 10 anos. É hora de comprar a casa própria?

Redução nos juros, mudança de comportamento com a pandemia e digitalização impulsionaram os financiamentos; veja se é hora de comprar um imóvel

Giovanna Sutto

Ilustração (Natee Meepian/Getty Images)

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SÃO PAULO – Apesar da chegada da pandemia, 133.786 imóveis foram financiados por pessoas físicas no primeiro semestre de 2020, um aumento de 35,2% na comparação com os seis primeiros meses do ano passado. A alta é a maior para o período dos últimos dez anos.

Os dados são da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) e consideram os financiamentos contratados por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que utiliza recursos da poupança e representou 62% dos financiamentos de janeiro a junho de 2020.

De acordo com dados do Banco Central, publicados nesta semana, o volume total transacionado nos financiamentos imobiliários cresceu 20,5% no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado, somando R$ 50,8 bilhões no período.

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Os dados do BC representam o valor total financiado por pessoas físicas no ano em todas as linhas de crédito, tanto aquelas que usam recursos do SBPE, FGTS e fazem parte do programa Minha Casa Minha Vida, quanto aquelas incluídas no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), voltadas a financiamentos de imóveis mais caros.

Selic baixa 

Entre os motivos para o aumento significativo dos financiamentos, o principal, segundo especialistas, é a redução da taxa básica de juros da economia, a Selic, que está em 2,25% ao ano, menor patamar da série histórica – e deve cair ainda mais a partir da semana que vem, segundo expectativas do mercado.

Na prática, a queda da Selic está diretamente relacionada aos custos dos empréstimos imobiliários porque as instituições financeiras, responsáveis por ofertar esse tipo de financiamento, costumam repassar parte dos cortes da taxa básica de juros às taxas cobradas nos contratos – o que torna as prestações mais suaves e pode viabilizar a negociação para mais pessoas.

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Eduardo Zylberstajn, head de pesquisa e inovação da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), explica que justamente pelo baixo patamar dos juros, essa crise é diferente da que enfrentamos em 2015, quando os efeitos no mercado imobiliário foram mais severos.

“Há cinco anos tínhamos juros muito altos, desemprego, falta de confiança. Tudo conspirava contra. Agora, por mais que ainda tenhamos desemprego e um certo receio em relação ao curto prazo, os fatores estruturais do mercado, principalmente pelo lado da demanda seguem firmes. No Brasil, o juro baixo é determinante para impulsionar a demanda no mercado imobiliário”, diz Zylberstajn.

Para ter uma base de comparação, no primeiro semestre de 2015 os financiamentos imobiliários caíram 17,5%, na comparação com o mesmo período de 2014, segundo a Abecip.

A taxa média do financiamento imobiliário caiu de 11,8% para 7,5% ao ano de junho de 2015 até junho deste ano, segundo dados do Banco Central. “Uma redução dessa magnitude em um financiamento de 30 anos possibilita o acesso de muitas famílias que não tinham condições anteriormente. Qualquer ponto percentual já faz diferença na prestação”, explica Cristiane Portella, presidente da Abecip.

Uma simulação da fintech digital de crédito CrediHome mostra que no fim de 2015, com a Selic em 14,25% ao ano e uma taxa média de 11% ao ano no financiamento imobiliário, um empréstimo no valor de R$ 200 mil com prazo de 30 anos, tinha parcela inicial de cerca de R$ 2.600. Hoje, esse mesmo financiamento, mas com a Selic em 2,25% ao ano e 7,5% ao ano de juros, tem parcela de cerca de R$ 1.550, ou 40% menor.

E a economia vale também para quem já está com o financiamento aberto. Reportagem anteriormente publicada pelo InfoMoney mostra que ao migrar um financiamento de um banco para outro, por meio da chamada portabilidade de crédito, é possível trocar uma taxa alta por outra mais baixa, condizente com o atual patamar da Selic, e obter economias de R$ 200 mil ou mais.

Boa oportunidade

Zylberstajn avalia que os preços de vendas dos imóveis estão em recuperação. O Índice FipeZap, um dos principais termômetros sobre os preços dos imóveis comercializados no país, mostra que o valor médio do metro quadrado no Brasil registrou alta nominal (sem considerar a inflação) de 1,11% no primeiro semestre ou de 1,03%, descontando a inflação.

Já nos últimos 12 meses, apesar do avanço nominal de 0,81%, ao considerar a inflação acumulada no período – de +2,11% -, os preços tiveram queda real de 1,27%.

“Existe uma demanda clara pela aquisição de imóveis, e conforme a situação da pandemia for se estabilizando, com o juro baixo e bastante crédito disponível no mercado, a demanda vai aumentar. A oferta não deve acompanhar na mesma velocidade, o que vai gerar um aumento mais sólido nos preços. Mas tudo depende da evolução da pandemia. Por enquanto, há boas oportunidades”, diz o head de pesquisa da Fipe.

Arthur Vieira de Moraes, professor de finanças do Ibmec e especialista em fundos imobiliários, diz que a combinação de fatores como a taxa de juros básica no menor patamar já registrado e a expectativa de alta nos preços, faz com que este momento seja propício para a compra de um imóvel.

“É uma boa escolha. Esta crise passa, mas a decisão do financiamento é de longo prazo. Por isso, vale aproveitar o momento de Selic baixa para comprar o imóvel e ter prestações mais atrativas no financiamento. A tendência de alta nos preços é mais um motivo para considerar a aquisição agora”, explica.

Mudança de comportamento

Zylbertajn diz que o aumento observado nos financiamentos não deixa de estar relacionado com o cenário de pandemia. “Com o isolamento social forçado, a relação das pessoas com as suas casas foi fortalecida”. Segundo ele, esse é um fator que pode ter contribuído para estimular as compras.

Nesse sentido, com mais tempo em casa, as pessoas estão buscando mais qualidade de vida e um movimento de êxodo urbano começa a ser identificado. Mas não em uma intensidade suficiente para ser responsável por uma parte majoritária desse incremento nos financiamentos, segundo Bruno Gama, CEO da ChediHome.

No primeiro semestre, 34,92% dos financiamentos fechados pela CrediHome foram para compra de imóveis localizados na cidade de São Paulo. Do “top cinco”, as duas primeiras cidades do interior são Jundiaí e São José do Rio Preto, que aparecem em quarto e quinto lugar, respectivamente, mas ambas representam apenas 3,17% dos empréstimos do período.

Adicionalmente, de acordo com dados do Grupo Zap, a busca por casas em bairros e condomínios no interior, em cidades a 100 quilômetros ou menos de distância da capital, cresceu 480% no primeiro semestre. Em janeiro a procura por esses imóveis era de 0,5% e em junho o número subiu para 2,9%. Por outro lado, a capital ainda representava 96,8% de todas as buscas em junho.

“Não é todo mundo que consegue trabalhar no home office definitivamente ou que pensa em mudar de vida agora. Vemos uma tendência, mas que ainda é pequena quando colocada em perspectiva. Dificilmente veremos perda da relevância dos centros urbanos como zona de atração de grandes sistemas produtivos, como o de serviços e a indústria. São micromovimentos”, pontua o CEO da fintech.

Digitalização

Com a pandemia, a digitalização ganhou espaço no mercado imobiliário, e evitou que as restrições impostas pelo isolamento social prejudicassem as compras de imóveis.

Incorporadoras e imobiliárias começaram a oferecer tours virtuais, integraram simuladores de financiamentos, atendimento virtual, entre outras alternativas que até então tinham menos força. A plataforma E-Notariado, que permite que todos os cartórios do país prestem serviços à distância, também foi um avanço positivo.

A Caixa anunciou recentemente o registro eletrônico de escrituras para contratos pessoa física e jurídica, que antes levava cerca de 45 dias e agora poderá ser finalizado, em média, em cinco dias – mais um exemplo de inovação acelerada pela pandemia que veio para ficar.

Segundo levantamento exclusivo da CrediHome para o InfoMoney, a procura por financiamentos de imóveis na plataforma em junho teve um aumento de 181,27%, em comparação ao mês de maio e o maior desde o início do ano.

“Inicialmente, com as agências bancárias fechadas, vimos clientes com dificuldades em buscar crédito e dar sequência em operações imobiliárias em alguns bancos. Vimos um aumento da busca porque a nossa experiência é totalmente digital, da aprovação do crédito e envio da documentação até o registro eletrônico em cartório”, diz Gama.

Panorama do mercado

Cristiane, da Abecip, ressalta que o mercado imobiliário como um todo teve uma recuperação importante em 2019, depois de sofrer os efeitos da crise econômica em 2015. “Considerando financiamentos imobiliários com recursos da poupança para pessoas físicas e jurídicas, tivemos crescimento de 37% no ano passado em relação a 2018. Foi um divisor de águas para o setor. Para 2020, a nossa previsão é de um crescimento em torno de 12%”, explica.

Ela explica que em 2019, o salto mais robusto de aquisições e construções foi no segundo semestre, por isso o aumento significativo observado nesses primeiros seis meses de 2020 – que cai de 35,2% para 29% ao incluir pessoas jurídicas-, pode não se repetir entre julho e dezembro comparativamente ao ano passado devido ao cenário de crise.

“Entre janeiro e junho de 2019 tivemos um início de retomada mais forte. Precisamos esperar para ver se o crescimento se concretizará neste ano”, diz Cristiane.

Essa retomada recente também foi notada pelo banco que mais realiza financiamentos imobiliários no país, a Caixa. Recentemente o presidente do banco, Pedro Guimarães, ressaltou que a Caixa nunca teve uma demanda por crédito tão alta nos seus 159 anos de existência como em alguns meses deste ano – em parte impulsionada pelos financiamentos imobiliários.

Guimarães disse que em janeiro e fevereiro deste ano a demanda por crédito foi 20% superior à do mesmo período do ano passado, ainda que março, abril e maio tenham sido meses mais fracos devido ao susto inicial da crise. Mas ele pontuou que em junho já foi observada uma retomada “muito forte” e que julho deve apresentar resultados ainda melhores.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.