Como a pandemia de coronavírus pode impulsionar o êxodo urbano no futuro

A tendência é vista ao redor do mundo, mas o fenômeno pode ter outros desdobramentos no Brasil

Pablo Santana

(Ziga Plahutar/Getty Images)

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SÃO PAULO – Com as transformações sociais causadas pela pandemia de coronavírus e a apreensão em relação ao surto da doença, diversas metrópoles ao redor do mundo têm visto um esvaziamento, mesmo que temporário, da sua população.

Em Nova York, uma das cidades mais atingidas pelo novo coronavírus, várias notícias já mencionaram uma tendência de êxodo urbano, saída de pessoas para outras cidades mais baratas e consideradas mais seguras, já que o vírus torna os grandes centros urbanos mais vulneráveis por conta da maior densidade populacional. As migrações em massa também foram em vistas no Peru, Índia e em países africanos, como Madagascar, Quênia e Costa do Marfim, que obrigou os governos locais a isolar as grandes cidades e pedir para a população evitar os deslocamentos.

No Brasil, embora alguns especialistas e representantes do setor imobiliário afirmem que ainda é cedo para indicar a existência de um êxodo urbano, dados do Grupo ZAP, responsável por marcas como ZAP, Viva Real e Conecta Imobi, indicam um aumento expressivo na busca por imóveis no interior de São Paulo (estado mais populoso do país) nos cinco primeiros meses de 2020.

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A procura por imóveis nas cidades com mais de 100 quilômetros de distância da capital subiu 340% na comparação entre o mês de janeiro, antes da pandemia chegar ao Brasil, para o mês de maio, quando as medidas de isolamento já haviam sido amplamente adotada no país. A busca por casas em condomínios, bairros ou chácaras representavam 0,5% do total na plataforma no primeiro mês do ano, já em maio o percentual subiu para 2,2%.

No mesmo período, a busca por apartamentos na cidade de São Paulo registrou recuo de 1,7%. Segundo o ZAP, os compradores estão procurando imóveis maiores, que são mais baratos fora da capital, o que explica a queda na busca por apartamentos na maior cidade do país, que são mais caros e menores.

Para o presidente do Sindicato de Habitação de São Paulo, Basílio Jafet, porém, o movimento de saída da capital não tem acontecido com muita intensidade. Segundo ele, algumas exceções estão acontecendo durante a pandemia, pois com a adoção do home office em várias empresas, muitas pessoas se mudaram para a casa de parentes no interior ou alugaram imóveis no campo e na praia, mas de forma temporária.

Crise

O mercado imobiliário é um dos setores que mais sentiram os impactos da crise econômica causada pela pandemia. Em abril, a venda de novos imóveis na capital paulista caiu 28% em relação ao mês de março, que já tinha registrado uma retração de 36% sobre fevereiro, segundo a Pesquisa do Mercado Imobiliário, realizada pela Secovi-SP.

O volume de negócios no setor desde o início da quarentena caiu 65%, o que significa que dois a cada três clientes preferiram adiar a compra de um novo imóvel. Os imóveis de alto padrão tiveram uma queda ainda maior, de aproximadamente 80%; já os populares tiveram recuo menos acentuado, de 50%. Como a atividade não é considerada essencial para funcionar durante o período de distanciamento social, o fechamento dos estandes e a paralisação das visitas contribuíram para o baque, segundo o Secovi-SP.

“É uma compra de muita responsabilidade, por isso as pessoas estão adiando para quando puderem visitar os imóveis e sentir o espaço. Nos imóveis econômicos, a queda é menor porque os compradores geralmente são mais jovens e conseguem entender melhor como é o apartamento remotamente, por meio de modelagem 3D, por exemplo. Mas nos apartamentos de alto padrão, as famílias preferem fazer diferente”, diz Jafet.

Novas tendências

Especialistas do setor afirmam que a pandemia pode provocar transformações profundas nas configurações das grandes cidades e impulsionar movimentações populacionais. Eles explicam que, sem um método seguro de enfrentamento da Covid-19, as pessoas podem optar por migrar para áreas mais distantes com o objetivo de evitar aglomerações. Outro fator que justifica a mudança são as transformações digitais, que possibilitam que o funcionário de uma empresa more em um país e trabalhe em uma empresa que fica do outro lado do mundo.

Em uma entrevista recente, o CEO do Airbnb, Brian Chesky, afirmou acreditar que após a pandemia pode haver um aumento no número de nômades digitais, pessoas que optam por trabalhar remotamente enquanto viajam para diferentes países.“Muitas pessoas estão percebendo que não precisam estar conectadas a uma cidade. Então, você verá mais pessoas que escolherão viver viajando pelo mundo, passando alguns meses em lugares diferentes”, disse.

O movimento ganha força com a necessidade de isolamento social e com a adoção bem-sucedida do home office por muitas empresas. Nos escritórios do futuro, numa era em que os espaços compartilhados serão marcados pela preocupação com a higiene e o contato físico, especialistas acreditam que os móveis serão separados por placas de acrílico, com espaço apenas para o computador e os objetos pessoais e materiais de escritórios ficarão armazenados em armários, instalados em espaços distantes da área de trabalho.

A adoção de plataformas que permitem fazer reuniões remotas, que anulam a necessidade de o funcionário estar todo dia no escritório, tem causado uma verdadeira revolução no mercado de trabalho. Como resultado, as populações dos grandes centros urbanos podem migrar para cidades que ficam no seu entorno, o que pode impulsionar a construção de habitações mais horizontalizadas, como condomínios de casa e loteamentos, por exemplo).

“Com as pessoas menos presas à necessidade de ter uma proximidade física no trabalho e com uma mobilidade maior naturalmente vão buscar alternativas mais baratas e imóveis maiores em lugares com melhor qualidade de vida. Apesar de ser cedo para cravar que isso vai acontecer no país, a gente vê essa dinâmica interurbana surgindo aqui e em outros lugares”, explica Eduardo Zylberstajn, chefe de pesquisa e inovação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Mesmo acreditando que o mercado de trabalho não vá mudar tão drasticamente no pós-pandemia, Basilio Jafet, do Secovi-SP, diz que uma tendência já identificada por especialistas do setor é que as pessoas estão procurando apartamentos maiores para dedicar um cômodo para a construção de escritórios ou áreas de home office.

E o Brasil?

A interiorização não é um fenômeno novo no país. Ela já vinha acontecendo nos últimos anos, com uma forte migração de pessoas para as cidades das regiões metropolitanas ou num raio de até 100 km da capital, segundo o vice-presidente do Interior do Secovi-SP, Frederico Marcondes César.

Entre os fatores que explicam o fenômeno, Marcondes cita: o investimento em infraestrutura, que melhorou as vias de acesso às cidades mais distantes da capital; o crescimento do parque industrial de municípios do interior (especialmente no caso do estado de São Paulo), com a ajuda de incentivos fiscais para criar um ambiente mais produtivo; e o custo menor e qualidade de vida maior de cidades pequenas.

“O interior oferece essas vantagens e, agora com a pandemia, as pessoas estão pesquisando e vendo que é possível trabalhar à distância, portanto, elas podem optar por uma vida mais barata e distante do ponto do trabalho, porque isso não acarretará em nenhum prejuízo na sua atividade profissional”, reforça Marcondes.

Apesar de o contexto sinalizar um futuro de intensas movimentações, o professor e pesquisador do Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da USP(NRE-Poli), Claudio Alencar, pontua que é preciso levar em consideração alguns aspectos que reforçam a tendência do êxodo urbano. De acordo com o pesquisador, nos Estados Unidos a cultura da mobilidade e a facilidade de realizar mudanças entre as cidades impulsiona esse movimento de migração das pessoas.

Ele não acredita que o êxodo urbano possa ocorrer em grande escala no Brasil por conta do coronavírus, mas diz que a migração pode aumentar por causa de uma mudança de comportamento, que já vinha acontecendo antes da crise. “O que pode acontecer, dentro das grandes cidades, é que as pessoas podem procurar áreas mais baratas para morar do que na região central. Elas vão privilegiar os atributos da moradia em detrimento da localidade. Se você não precisar fazer essa mobilidade diariamente, eventualmente pode ser interessante morar em um imóvel maior, que na região central seria mais caro, ainda que ele seja mais distante”.

Essa busca por mais qualidade de vida, inclusive, é muito percebida entre os millenials, a geração dos nascidos entre as décadas de 80, 90 e início dos anos 2000. Jornais estrangeiros dizem que eles têm encabeçado a saída dos grandes centros em busca de uma vida melhor e mais barata em regiões periféricas.

Além disso, diversas pesquisas mostram que esses jovens, que hoje estão chegando na vida adulta, priorizam o bem-estar ao tomar decisões. E, por mais irônico que seja, as mudanças provocadas pela pandemia podem ter mostrado os caminhos para alcançar uma vida mais confortável no futuro.

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Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios