É hora de financiar um carro? Modelos ‘populares’ estão com desconto, mas juros seguem altos

Programa do governo chamou atenção de quem estava esperando o melhor momento para comprar um veículo, mas Copom pode ter 'estragado a festa'

Giovanna Sutto

Publicidade

O programa de descontos para carros “populares”, anunciado pelo governo neste mês, chamou atenção dos consumidores que estavam há algum tempo esperando o melhor momento para comprar um veículo. Mas a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) nesta semana levantou um sinal amarelo, já que a autoridade não definiu um horizonte para quando os juros vão começar a cair. É uma boa hora para tomar um financiamento?

Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, a mensagem que o BC está passando é a de que o cenário está indo na direção que vai permitir a redução de juros, mas que será preciso esperar a próxima reunião para ver se isso se confirma e na dimensão correta. “Isso vale para expectativas e inflação comportada”, afirmou em entrevista ao InfoMorning, no YouTube do InfoMoney.

A tendência é que o custo dos financiamentos de veículos caia em um cenário de redução de juros. Na prática, a queda da Selic está diretamente relacionada aos custos dos empréstimos de veículos porque as instituições financeiras, responsáveis por ofertar esse tipo de financiamento, costumam repassar parte dos cortes da taxa básica de juros às taxas cobradas nos contratos – o que torna as prestações mais suaves e pode viabilizar a compra para mais pessoas. Sendo assim, entrar em um financiamento é mais recomendado em momentos de juros baixos porque é mais barato.

Continua depois da publicidade

A definição pela compra ou não de um carro zero-quilômetro, porém, depende da urgência e do bolso do consumidor: se precisa do veículo de forma emergencial ou se pode esperar para adquirir ou trocar o carro e se necessariamente precisa de um empréstimo. Isso porque, embora seja esperada uma queda da Selic, o processo pode ser lento — os cortes podem ser tímidos e há um delay entre a queda na taxa básica e o repasse dela por parte das instituições.

Se a pessoa não puder segurar a compra e precisar fazer o financiamento, pode aproveitar o desconto, mas pagando juros mais caros hoje. Então, se for possível esperar, a recomendação é não financiar agora.

“Não ceda à tentação do desconto, se não tem o dinheiro todo para a compra. Se vai financiar, espere: o juro mais barato no longo prazo é mais benéfico do que o desconto momentâneo”, avalia Ana Renata Navas, diretora-geral da Cox Automotive do Brasil, dona da KBB.

Continua depois da publicidade

Antonio Jorge Martins, especialista no setor automotivo e coordenador da FGV, ressalta que 60% das compras de carro zero-quilômetro são feitas via financiamento. “O programa do governo vem para compensar esse juro alto e reduzir o valor do carro e incentivar a compra”, diz.

Por outro lado, se a pessoa tem o dinheiro para pagar o carro à vista, o momento pode ser de oportunidade. “Se o consumidor não precisa do valor agora e não vai precisar de um financiamento para efetivar a compra, o desconto pode ser um bom negócio. Mas sabemos que essa fatia é muito pequena no país”, diz Martins.

Myrian Lund, planejadora financeira, acrescenta ainda que há uma exceção: se a pessoa não vai correr o risco da inadimplência (veja mais abaixo) ao fazer o financiamento e/ou precisa do veículo com urgência, a compra pode ser considerada.

Publicidade

“Hoje o consumidor encontra taxas mensais em torno de 2%, o que não é de todo o ruim. E não vejo essa taxa caindo mais no curto prazo porque há uma grande demanda”, explica Myrian.

Inclusive, as vendas exclusivas para pessoas físicas (PFs) no programa começaram no dia 6 e acabariam nesta quarta-feira (21), mas foram prorrogadas por mais 15 dias.

Em maio houve uma espécie de paralisação nas vendas diante da expectativa do anúncio do programa do governo. Depois dos detalhes serem revelados, a demanda voltou com força, parte reprimida de maio e parte de junho, impulsionando consumidores a aproveitarem os descontos que chegam a R$ 19 mil em alguns casos.

Continua depois da publicidade

A Anfavea, associação do setor, chegou a projetar uma alta de 300 mil na produção do setor em 2023, fomentada pelo programa.

Faça uma compra consciente

A lógica é simples de explicar, mas nem sempre fácil de ser executada, segundo Navas. “O consumidor deveria pensar em se comprometer com menos que ele recebe. Não dá para colocar no bolso a parcela que não dá pra pagar”.

Assim, o consumidor deve ter em mente que não deve se arriscar em um financiamento, especialmente agora com taxas mais altas, se não tiver um planejamento para isso.

Publicidade

“A taxa é importante, mas tem que olhar também a prestação e o valor total do financiamento. Se a pessoa ficar muito apertada com essa dívida, ela vai fazer mais dívidas como pagar cheque especial, por exemplo, que tem juros significativos. Nesse cenário, ela paga uma prestação mais alta pelo carro já que to sendo obrigada a tomar mais empréstimos e pagar mais juros o que faz com o que o financiamento tenha saído mais caro do que ele realmente poderia ser”, explica Myrian.

Por isso, a recomendação dela é: não tomar um financiamento se for ficar sem reserva de emergência. “Se a pessoa fecha um financiamento, encaixa a parcela, mas fica zerado em qualquer imprevisto, como uma despesa de hospital ou no conserto de algo, isso afeta a vida e obrigada a pessoa a pegar mais crédito para arcar com a situação”, alerta.

Para quem pensa em comprar agora, a lógica é a mesma. “A pessoa entende que está comprando mais barato com o desconto do programa, mas se todo mês precisa do cheque especial, o barato está saindo caro. Não vale se endividar sem necessidade”, afirma Myrian.

A saída se você está com a intenção de fazer uma compra — seja agora porque precisa, seja mais para frente porque consegue esperar — é pesquisar muito.

“Olhe o maior número de alternativas dentro do que você quer. Muitas concessionárias estão endividadas e dispostas a fazer negociações para efetivar as vendas, vale negociar forma de pagamento e preço”, orienta Martins.

Além disso, esse movimento nos carros novos deve baratear também o mercado de usados, segundo especialistas. Eles dizem também que a medida deve aumentar o leque de opções de usados para o consumidor e fomentar a competição entre novos e seminovos, possibilitando uma maior barganha na negociação.

Restrição de crédito

Nesse contexto atual do setor automotivo, um fator foi destacado pelos especialistas: a restrição de crédito.

“O programa de descontos atacou o fator preço dos carros, mas ainda temos a taxa de juros, que deve baixar mais para frente, e a liberação de crédito, que está restrita atualmente”, diz Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics, consultoria automotiva.

“O processo de compra do brasileiro médio é dar um usado como parte do pagamento e o restante financiar. Como o carro subiu bastante de preço nos últimos anos, o montante de financiamento ficou alto e as parcelas ficaram maiores – o que exclui uma fatia da população da compra porque não tem poder aquisitivo”, explica.

A queda da juros vai baratear o financiamento, mas não garante o crédito. E é aí que aparece o problema: segundo os especialistas, os bancos estão restringindo crédito com receio de alta inadimplência dos consumidores — reflexo da pandemia e de uma situação econômica turbulenta nos últimos anos. O não pagamento incorre em muitos custos para os bancos, que precisam tomar o bem e revendê-lo.

“Para evitar isso, quando um banco tem alta na inadimplência há duas saídas óbvias: recusar o crédito, o que pode ser ruim para a imagem da instituição; ou inviabilizar a oferta, aumentando o preço do financiamento. Ao ficar mais caro, ele não concede o crédito porque restringe para quem empresta dinheiro”, explica Navas, da KBB.

Por isso, há o risco de o brasileiro de baixa e média renda ainda encontrar dificuldades no financiamento mesmo com o início do ciclo de corte da Selic.

“Com uma melhora na economia, a queda de juros vai diminuir a parcela do financiamento e potencializar a compra e com esse processo a expectativa é de que as instituições olhem os clientes com outros olhos. Quem não tinha como comprar pelos altos juros pode passar a ser abrangido pela melhora de cenário com parcelas que fazem sentido no seu bolso”, avalia Kalume Neto.

A queda na Selic deve começar depois que o programa de descontos acabar — que é limitado a quatro meses ou até o subsídio de R$ 500 milhões ser encerrado. E as vendas já consumiram 80% desse valor em 15 dias.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.