Caixa pede mais tempo para liberar dinheiro do consignado do Auxílio Brasil

Ministério da Cidadania determina que valor contratado seja depositado em até 2 dias úteis, mas banco não tem conseguido cumprir o prazo e pediu 5 dias

Lucas Sampaio

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A Caixa Econômica Federal pediu mais tempo ao Ministério da Cidadania para depositar o dinheiro dos empréstimos consignados do Auxílio Brasil na conta dos clientes, mas não recebeu o aval até o momento.

A portaria MC 816, que regulamenta a linha de crédito, determina que o valor contratado seja depositado na conta do beneficiário em até 2 dias úteis. Mas a Caixa não tem conseguido cumpri-lo, alegando “excesso de demanda”.

O banco inclusive interrompeu a concessão de novos empréstimos no fim de semana, das 18h de sexta-feira (21) às 7h de segunda-feira (24), para uma “manutenção programada nos ambientes tecnológicos” que ocorreu em meio a uma avalanche de reclamações de atraso na liberação do dinheiro.

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A Caixa diz que um “excesso de solicitações” ocasionou “lentidão nos processamentos” e que a liberação do crédito está ocorrendo em no máximo 5 dias. Mas o jornal O Estado de S.Paulo revelou que clientes do banco estão sendo avisados de que o prazo para o empréstimo cair na conta pode demorar até 15 dias.

Os beneficiários que contrataram a linha de crédito também dizem terem sido surpreendidos com taxas e seguro que, juntos, podem ultrapassar R$ 200. Há ainda muitos relatos de cancelamento de empréstimos já aprovados (sobretudo de pessoas que o contrataram logo no início). O consignado, que aparecia como “aprovado” ou “em processamento”, agora aparece como “cancelado”, sem explicações.

Em meio ao excesso de demanda, o Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu à Corte que suspenda a concessão de novos empréstimos pela Caixa até que os ministros tomem uma decisão definitiva sobre o assunto. O sub-procurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou uma medida cautelar contra banco, para “impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral”.

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O ministro Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU, deu 24 horas para a banco se manifestar, “pois o volume de empréstimos já concedidos e a velocidade de sua liberação apontam para elevadíssimo risco”, e sugeriu ao banco que não libere o dinheiro de novos empréstimos até que a Corte analise os documentos e informações enviadas.

A Caixa diz que, com o atraso na liberação do empréstimo aos clientes, na prática está respeitando a sugestão do ministro do TCU. Isso porque ainda depositou o dinheiro dos consginados aprovados a partir de segunda-feira (24) — data da decisão do ministro.

Cedraz também determinou que uma cópia da sua decisão seja encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que “avalie em sua esfera própria de atribuições a pertinência da adoção de medidas cautelares inerentes ao caso”, pois “eventuais infrações à legislação eleitoral ou à higidez do processo eleitoral” não são de responsabilidade do TCU, mas da Justiça Eleitoral (veja mais abaixo).

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206 milhões de acessos no app

A Caixa não informa quanto já liberou em empréstimos nem quantos beneficiários já tentaram contratar a linha de crédito, mas diz que a demanda é “recorde” e que já teve mais de 206 milhões de acessos no aplicativo Caixa Tem, em apenas 10 dias, para a solicitação de empréstimos.

“A título de exemplo, entre 11 e 20 de setembro, o banco teve cerca de 25 milhões de acessos ao aplicativo Caixa Tem para solicitação de empréstimos. Já entre 11 e 20 de outubro, período em que a Caixa está operando o empréstimo consignado do Auxílio Brasil, esse número de acessos no aplicativo saltou para mais de 206 milhões”, afirmou o banco em nota. “Ou seja, em volume numérico é como se quase toda a população do Brasil tivesse interagido com o banco em apenas 10 dias”.

Essa procura pelo empréstimo não inclui os pedidos pelos canais presenciais do banco. São mais de 26 mil em todo o país, pois além do aplicativo Caixa Tem é possível contrair o consignado em mais de 4 mil agências bancárias, 9 mil correspondentes Caixa Aqui e 13 mil lotéricas.

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‘Assombroso montante’

O último número divulgado pela Caixa é a liberação de R$ 1,8 bilhão em empréstimos, para cerca de 700 mil beneficiários, em apenas 4 dias. O MP afirma em seu pedido para suspender a linha de crédito que o “assombroso montante” já liberado “impõe dúvidas sobre as finalidades perseguidas”.

“Há a possibilidade de a empresa pública haver incorrido em flagrante desvio de finalidade pública, utilizando-se indevidamente de seus recursos e de sua estrutura para interferir politicamente nas eleições presidenciais, situação a demandar notoriamente a atuação do TCU”, afirma o sub-procurador-geral no documento.

Furtado afirma ainda que as suspeitas, se confirmadas, configurariam “ocorrência de extrema gravidade” — inclusive com implicações criminais comuns e de crime de responsabilidade, alheias às competências do TCU, e também implicações administrativas”.

Bolsonaro x Lula

Ele também citou o segundo turno das eleições e a posição de desvantagem do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), ante o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas pesquisas de intenção de voto.

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Para Furtado, “tudo indica” que se trata de uma medida para atender interesses políticos-eleitorais em detrimento da população. “Com efeito, não é desarrazoado supor (…) que o verdadeiro propósito dessas ações, ou pelo menos da forma como elas estão sendo conduzidas, seja o de beneficiar eleitoralmente o atual Presidente da República e candidato à reeleição”.

O sub-procurador-geral cita também na representação a agilidade “inesperada” nas concessões de crédito, que “provavelmente” ocorrem de “forma açodada”, além de destacar que a ação visa majoritariamente os mais pobres e as mulheres, grupos nos quais Bolsonaro tem desvantagem em relação a Lula.

Caixa, Auxílio Brasil e eleição

Desde o início do segundo turno, a Caixa tem anunciado diversas medidas e programas focados nos mais pobres e nas mulheres — públicos em que o presidente tem maior rejeição. A Caixa é 100% controlada pelo governo federal e o único grande banco a oferecer o consignado do Auxílio Brasil.

Outros 11 bancos e instituições financeiras também foram autorizados pelo governo federal a operar o consignado do Auxílio Brasil, entre eles o banco Safra e a Crefisa, mas apenas Caixa, Pincred e meutudo/QI estão oferecendo o produto no momento.

Todos os grandes bancos que têm capital aberto — Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) — têm mostrado receio com o produto (considerado arriscado dado o perfil do público-alvo e a situação de fragilidade social de muitos beneficiários.

Entre os anúncios feitos pela Caixa nos últimos dias estão:

O banco também antecipou o pagamento do Auxílio Brasil e do vale-gás em outubro, para o calendário ser concluído no dia 25, cinco dias antes do segundo turno — originalmente, o repasse terminaria no dia 31, no dia seguinte ao fim das eleições. Também foram antecipados os pagamentos do auxílio caminhoneiro e taxista neste mês.

Empréstimo do Auxílio Brasil

O consignado do Auxílio Brasil é uma das medidas do pacote de benefícios sociais do governo Bolsonaro para tentar alavancar as intenções de voto do presidente entre os mais pobres e as mulheres. A medida é vista como eleitoreira e criticada por especialistas da área social por ser um estímulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar.

Nesta modalidade de crédito, os beneficiários do programa social podem comprometer até 40% do valor permanente do Auxílio Brasil (que é de R$ 400, pois os atuais R$ 600 só estão garantidos pelo governo federal até dezembro), para contrair um empréstimo.

Os juros são de até 3,5% ao mês (51,1% ao ano), e as parcelas são descontadas diretamente na folha de pagamento do benefício por até 2 anos. Na Caixa, o consignado tem juros de 3,45% ao mês (50,23% ao ano), a parcela mínima para pagar o empréstimo é de R$ 15 por mês e a máxima, de R$ 160.

O pagamento do empréstimo é descontado todos os meses do valor do benefício, diretamente na folha de pagamento, durante o prazo contratado (o desconto é feito antes de o Auxílio Brasil ser depositado). Caso o beneficiário deixe de receber o auxílio, independentemente do motivo, ele é obrigado a continuar pagando as parcelas por conta própria, até o final do contrato, pois o empréstimo não será cancelado.

O que é proibido

Os bancos e as instituições financeiras que oferecem o produto não podem cobrar nenhuma taxa além dos juros. Não é permitida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) nem taxas administrativas, por exemplo, e as empresas são obrigadas a informar o Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo no momento da contratação.

As empresas não podem oferecer ativamente o consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, pois a portaria que regulamentou a linha de crédito proíbe qualquer atividade de marketing ativo, oferta comercial, proposta e publicidade direcionada a beneficiário específico ou qualquer tipo de atividade para convencê-lo a assinar os contratos de empréstimo consignado.

Elas também não podem dar prazo de carência para o beneficiário começar a pagar as parcelas, que começarão a ser descontadas do Auxílio Brasil logo após a aprovação do crédito e da liberação do dinheiro.

(Com Estadão Conteúdo)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.