Consignado do Auxílio Brasil: TCU pede à Caixa que suspenda novos empréstimos

Ministro da Corte deu 24h para a Caixa prestar informações sobre a nova linha de crédito

Lucas Sampaio

O Tribunal de Contas da União (TCU) deu 24 horas para a Caixa Econômica Federal se manifestar sobre o consignado do Auxílio Brasil, “pois o volume de empréstimos já concedidos e a velocidade de sua liberação apontam para elevadíssimo risco”, e sugeriu ao banco que suspenda a concessão de novos empréstimos até que a Corte analise os documentos e informações que serão enviadas.

A informação foi noticiada primeiro pela CNN Brasil e confirmada pelo InfoMoney, que teve acesso à decisão do relator do processo no TCU, ministro Aroldo Cedraz. Procurada pela reportagem, a Caixa não respondeu até o momento se vai acolher a recomendação do ministro.

Cedraz também determinou que uma cópia da sua decisão seja encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que “avalie em sua esfera própria de atribuições a pertinência da adoção de medidas cautelares inerentes ao caso”, pois “eventuais infrações à legislação eleitoral ou à higidez do processo eleitoral” não são de responsabilidade do TCU, mas da Justiça Eleitoral.

A nova linha de crédito foi lançada no dia 11 pelo banco público, que é 100% controlado pelo governo federal, em meio à disputa eleitoral entre presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O consignado do Auxílio Brasil é uma das medidas do pacote de benefícios sociais do governo Bolsonaro para tentar alavancar as intenções de voto do presidente junto às camadas de menor renda e entre as mulheres — parcelas da população em que Lula tem mais votos, segundo pesquisas de opinião.

A medida é vista como eleitoreira e criticada por especialistas da área social por ser um estímulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar.

Nesta modalidade de crédito, os beneficiários do programa social podem comprometer até 40% do valor permanente do Auxílio Brasil (que é de R$ 400, pois os atuais R$ 600 estão garantidos pelo governo federal só até dezembro), para contrair um empréstimo. O juros são de até 3,5% ao mês (51,1% ao ano), e as parcelas são descontadas diretamente na folha de pagamento do benefício por até 2 anos.

A Caixa não é a única instituição financeira a oferecer a linha de crédito, mas é o único grande banco do país a fazê-lo. Outros 11 bancos e instituições financeiras também foram autorizados pelo governo federal a operar o consignado do Auxílio Brasil, entre eles o banco Safra e a Crefisa, mas apenas a Pincred e a meutudo/QI estão oferecendo o produto no momento.

Todos os grandes bancos que têm capital aberto — Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) — têm mostrado receio com o produto (considerado arriscado dado o perfil do público-alvo e a situação de fragilidade social de muitos beneficiários.

A decisão do TCU

O ministro do TCU ainda não decidiu sobre o pedido do Ministério Público (MP), que queria obrigar a Caixa a suspender novos empréstimos até uma decisão final da Corte. O  sub-procurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou uma medida cautelar contra banco, para “impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral”.

Cedraz não acatou o parecer da área técnica do tribunal, que foi contra o pedido do MP e recomendou ao ministro dar 5 dias úteis para que a Caixa se manifestasse, “em face da relevância social” do tema. Com isso, o ministro não suspendeu unilateralmente a concessão dos empréstimos, mas também cobrou proatividade do banco, para interromper a linha de crédito voluntariamente, e agilidade na resposta.

Ao justificar o prazo de apenas 24 horas, o ministro do TCU afirmou que “o volume de empréstimos já concedidos e a velocidade de sua liberação apontam para elevadíssimo risco”.

“Certamente não poderá esta Corte aguardar 5 dias úteis para que lhe seja encaminhada documentação que se espera já existir, o que leva à necessidade de que se ouça aquela empresa pública no prazo excepcional de 24 horas, a contar da ciência deste despacho, previamente à decisão quanto ao deferimento ou não da cautelar”, afirma Cedraz em sua decisão.

O ministro do TCU recomendou à Caixa que, “por prudência, cesse imediatamente a liberação de novos valores a partir de empréstimos nessa modalidade, como medida de zelo com o interesse público, até que este tribunal examine a documentação a ser encaminhada e a entenda apta a demonstrar não estarem presentes as graves irregularidades sugeridas na representação”.

Ele destaca na decisão o pedido do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que pediu para ser habilitado como interessado no processo, e a nota técnica do instituto endossando o pedido do MP, por ver com grande preocupação a instrumentalização de um banco público para fins político-partidários às custas das camadas mais pobres da população.

O Idec diz também que é imoral que recursos públicos destinados a famílias em situação de fome sejam convertidos em lucro para o sistema bancário e que há evidente confisco social, pois o Estado dá crédito a famílias extremamente pobres e recebe juros pela aplicação. Além disso, destaca que os juros da modalidade é de 51% ao ano, quase o dobro da cobrada de beneficiários do INSS e servidores públicos.

Cedraz afirma em sua decisão que “eventual descuido na concessão de empréstimos por banco público, seja por má avaliação de risco de crédito do público-alvo, seja por açodamento causado pelo desvio de finalidade com intuito de atender interesses político-partidários, tem o condão de gerar enormes prejuízos por elevada inadimplência que, ao fim e a ao cabo, serão suportados pelo controlador”.

O pedido do MP

Ao pedir a suspensão de novos empréstimos, o sub-procurador-geral afirmou no pedido de medida cautelar que o “assombroso montante” de R$ 1,8 bilhão em crédito já liberado pelo banco público em poucos dias “impõe dúvidas sobre as finalidades perseguidas”. Furtado se referia ao R$ 1,8 bilhão em empréstimos liberados para cerca de 700 mil beneficiários em apenas 4 dias.

“Há a possibilidade de a empresa pública haver incorrido em flagrante desvio de finalidade pública, utilizando-se indevidamente de seus recursos e de sua estrutura para interferir politicamente nas eleições presidenciais, situação a demandar notoriamente a atuação do TCU”, afirma o sub-procurador-geral no documento.

Ele afirma ainda que as suspeitas, se confirmadas, configurariam “ocorrência de extrema gravidade” — inclusive com implicações criminais comuns e de crime de responsabilidade, alheias às competências do TCU, e também implicações administrativas”.

Furtado também citou o segundo turno das eleições e a posição de desvantagem de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto ante Lula. Para Furtado, “tudo indica” que se trata de uma medida para atender interesses políticos-eleitorais em detrimento da população. “Com efeito, não é desarrazoado supor (…) que o verdadeiro propósito dessas ações, ou pelo menos da forma como elas estão sendo conduzidas, seja o de beneficiar eleitoralmente o atual Presidente da República e candidato à reeleição”.

O sub-procurador-geral cita também na representação a agilidade “inesperada” nas concessões de crédito, que “provavelmente” ocorrem de “forma açodada”, além de destacar que a ação visa majoritariamente o público feminino, no qual Bolsonaro tem desvantagem em relação a Lula.

Caixa, Auxílio Brasil e eleição

Desde o início do segundo turno, a Caixa tem anunciado diversas medidas e programas focados nas classes mais baixas e nas mulheres — públicos em que Bolsonaro tem maior rejeição. A Caixa é 100% controlada pelo governo federal e o único grande banco a oferecer o consignado do Auxílio Brasil.

Entre os anúncios feitos pela Caixa nos últimos dias estão:

O banco também antecipou o pagamento do Auxílio Brasil e do vale-gás em outubro, para o calendário ser concluído até o dia 25, cinco dias antes do segundo turno — originalmente, o repasse terminaria no dia 31, no dia seguinte ao fim das eleições. Também foram antecipados os pagamentos do auxílio caminhoneiro e taxista neste mês (e também a quinta e a sexta parcelas dos benefícios).

O que diz a Caixa

A presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, disse na sexta-feira (21) que o banco respeitará qualquer decisão do TCU, mas que a oferta do crédito tem sido feita de forma consciente. “Se a decisão for esta [a decisão, pela suspensão de novos empréstimos], cabe a nós respeitar”, disse a executiva a jornalistas. “Não é a Caixa quem determina o timing do consignado”.

Marques afirmou que o crédito tem sido buscado pelos clientes porque há um grau de endividamento da população em outras linhas de crédito, que são mais caras, e que outros bancos também estão oferecendo o produto. “Não é só a Caixa que está operando o consignado”.

O banco não informa quanto já liberou em consignados do Auxílio Brasil nem quantos beneficiários já contrataram a linha de crédito, mas afirma que a demanda é “recorde” e que já teve mais de 206 milhões de acessos no aplicativo Caixa Tem, em apenas 10 dias, para a solicitação de empréstimos.

“A título de exemplo, entre 11 e 20 de setembro, o banco teve cerca de 25 milhões de acessos ao aplicativo Caixa Tem para solicitação de empréstimos. Já entre 11 e 20 de outubro, período em que a Caixa está operando o empréstimo consignado [do Auxílio Brasil], esse número de acessos no aplicativo saltou para mais de 206 milhões”, afirmou o banco em nota. “Ou seja, em volume numérico é como se quase toda a população do Brasil tivesse interagido com o banco em apenas 10 dias”.

Essa procura pelo empréstimo não inclui os pedidos pelos canais presenciais do banco (são mais de 26 mil em todo o país). Além do aplicativo Caixa Tem, é possível contrair o consignado em mais de 4 mil agências bancárias, 9 mil correspondentes Caixa Aqui e 13 mil lotéricas.

‘Manutenção programada’ e reclamações

Em meio à alta demanda pelos empréstimos, a Caixa interrompeu o funcionamento da plataforma das 18h de sexta-feira (21) às 7h desta segunda-feira (24), alegando uma “manutenção programada”. Essa suspensão ocorreu em meio a uma avalanche de reclamações de atraso na liberação do dinheiro.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, clientes da Caixa estão sendo avisados de que o prazo para o empréstimo cair na conta, que deveria ser de 2 dias úteis, pode demorar até 15 dias (ou seja, ser depositado só depois do segundo turno das eleições).

Os beneficiários que contrataram a linha de crédito também dizem terem sido surpreendidos com taxas e seguro que, juntos, podem ultrapassar R$ 200. Há ainda muitos relatos de cancelamento do consignado (sobretudo de pessoas que o contrataram logo no início). O empréstimo, que aparecia como “aprovado” ou “em processamento”, agora aparece como cancelado, sem explicações.

Consignado do Auxílio Brasil

O consignado do Auxílio Brasil é uma das medidas do pacote de benefícios sociais do governo para tentar alavancar as intenções de voto de Bolsonaro junto às camadas de menor renda da população. A medida é vista como eleitoreira e criticada por especialistas da área social por ser um estímulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar.

O consignado do Auxílio Brasil tem juros de 3,45% ao mês na Caixa (50,23% ao ano), próximo do limite de 3,50% estabelecido pelo governo federal (51,11% ao ano). A parcela mínima para pagar o empréstimo é de R$ 15 por mês e a máxima, de R$ 160. A duração máxima é de até 24 meses.

O teto de juros de 3,50% ao mês é superior ao imposto pelos bancos ao consignado do INSS (2,14%). Também está acima do que é cobrado em vários tipos de consignado, segundo dados do Banco Central:

Regras do consignado

As pessoas que recebem o Auxílio Brasil pode comprometer até 40% do valor que recebem por mês para pagar o empréstimo, por um prazo máximo de 24 meses (2 anos). Os juros são limitados a 3,50% ao mês (51,11% ao ano).

O limite de 40% incide sobre o valor permanente do benefício, que é de R$ 400 (os atuais R$ 600 estão garantidos pelo governo federal só até dezembro). Assim, o beneficiário poderá descontar até R$ 160 mensais durante, no máximo, 2 anos.

O pagamento do empréstimo é descontado todos os meses do valor do benefício, diretamente na folha de pagamento, durante o prazo contratado (o desconto é feito antes de o Auxílio Brasil ser depositado na conta da família).

Caso o beneficiário deixe de receber Auxílio Brasil, independentemente do motivo, ele será obrigado a continuar pagando as parcelas por conta própria, até o final do contrato, pois o empréstimo não será cancelado.

O que é proibido

Os bancos e as instituições financeiras que oferecem o produto não podem cobrar nenhuma taxa além dos juros. Não é permitida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) nem taxas administrativas, por exemplo, e as empresas são obrigadas a informar o Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo no momento da contratação.

As empresas não podem oferecer ativamente o consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, pois a portaria que regulamentou a linha de crédito proíbe qualquer atividade de marketing ativo, oferta comercial, proposta e publicidade direcionada a beneficiário específico ou qualquer tipo de atividade para convencê-lo a assinar os contratos de empréstimo consignado.

Elas também não podem dar prazo de carência para o beneficiário começar a pagar as parcelas, que começarão a ser descontadas do Auxílio Brasil logo após a aprovação do crédito e da liberação do dinheiro.

(Com Estadão Conteúdo)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.